Ellie Goulding conseguiu criar um disco pop maduro com uma progressão surpreendentemente natural.
Lançado ontem, “Delirium” é o terceiro álbum de estúdio da Ellie Goulding; antes mesmo de divulgá-lo, ela afirmou que o som era mais orientado para o pop do que seus trabalhos anteriores. Quando ela lançou o seu primeiro disco, se apresentou como uma artista de folk-pop e eletrônica. Ela se tornou grande no Reino Unido e começou a conquistar bons números no resto da Europa. Quando o “Halcyon” (2012) foi divulgado, tudo ainda parecia pessoal, mas com produções e refrões maiores. Para o relançamento do mesmo, no entanto, ela e sua equipe decidiram ir para uma sonoridade mais pop. Seguindo pelo mesmo caminho, “Delirium” apresenta um pop grandioso, mas que às vezes peca pela falta de originalidade. A cada lançamento, Goulding parece estar aventurando-se cada vez mais longe de sua zona de conforto. Dito isto, é um álbum construído com auxílio de alguns dos maiores produtores e compositores da indústria. Felizmente, na maior parte do tempo, ela manteve-se fiel aos seus instintos, mesmo tentando algo diferente do habitual. Goulding possui uma das vozes mais distintas do pop; é arejada e rouca o suficiente para seduzir. Alguns podem achar que ela está se vendendo, enquanto outros podem considerar uma jogada inteligente.
“Delirium” é nada menos do que um projeto enorme com som maciço esculpido por produtores de peso. Mas não se engane, ela sempre foi uma estrela pop. Não uma popstar tradicional; ela não faz coreografias, não veste roupas particularmente provocantes ou preenche seu palco com adereços elaborados – mas não deixa de ser uma estrela pop. Após o sucesso do “Halcyon Days” (2013), uma série de colaborações com Calvin Harris, Zedd e Major Lazer, e o enorme sucesso de “Love Me Like You Do”, ela decidiu abraçar de vez a música pop. Mas apesar da mudança sonora, “Delirium” ainda é um álbum da Ellie Goulding – seus vocais distintos e as letras pessoais ainda estão presentes. Seu vibrato de assinatura consegue fazer certas canções genéricas parecerem mais próximas do seu nicho. Suas letras evocativas continuam canalizando temas amorosos emocionalmente tangíveis. A única coisa intrigante é a escolha de “On My Mind” como primeiro single – uma música particularmente sem inspiração. É um electropop constituído por guitarras, tambores e elementos eletrônicos sem graça. Liricamente, fala sobre a conexão com alguém e apresenta uma dicotomia entre o coração e a mente.
Embora Goulding tenha negado firmemente, muitos críticos a consideram uma resposta para “Don’t”, do Ed Sheeran. Caso você não esteja familiarizado com a história, há rumores de que “Don’t” foi escrita com base no relacionamento com Ellie Goulding. Sheeran fala sobre alguém que o traiu com um amigo, e tudo indica que esse alguém seja ela. “On My Mind” começa com um riff de guitarra sincopado seguido por um som eletrônico que serpenteia por todo caminho. É uma música crua que não faz uso de nenhuma batida de sintetizador como a maior parte do “Halcyon Days” (2013). Ela também acena para o R&B durante os versos, enquanto o refrão é formado apenas pela repetição acelerada da frase “I got you on my mind”. Goulding provou anteriormente que é capaz de criar refrões repetitivos e ainda assim atraentes. Entretanto, o refrão de “On My Mind” é um pouco maçante. Essa receita não funcionou aqui – uma repetição constante que, para ser franco, soa preguiçosa e carente de criatividade. As letras lidam com o passado, enquanto a história é pessoal e direta. No entanto, o lirismo não chega a ser tão brilhante por conta da melodia sem graça. Após uma introdução dramática, intitulada “Intro (Delirium)”, o álbum começa oficialmente com “Aftertaste”. Ela possui uma grande carga de energia e capta sua atenção com facilidade por causa da melodia e batida contundente.
É um esforço tingido de disco que não soaria fora do lugar em algum dos seus álbuns anteriores. É puramente pop, mas com um toque especial de euforia indie. O refrão e a ponte são vibrantes, mas sua maior força é encontrada nos equilibrados vocais. Evidencia liricamente o fim de um relacionamento, mas sabendo que os sentimentos um pelo outro permanecerão intactos. Com uma certa ranhura no seu passo, “Aftertaste” funciona como uma ligação entre o passado e sua atual trajetória. Esse mesmo som permanece em “Something In the Way You Move” – o electropop lançado como segundo single na América do Norte. Ela é mais excitante que a faixa anterior, principalmente por causa do refrão reminiscente dos anos 80. Além disso, possui grandes semelhanças com “Love Me Like You Do” – sua base e progressão são praticamente idênticas. Com sua entrega vocal de marca registrada, Goulding fornece melodias em êxtase. Sua letra é bastante relacionável, especialmente quando ela canta sobre a dificuldade de esquecer alguém. “Keep On Movin’” é de longe a faixa mais experimental do álbum. Influenciada pelo dancehall, ela faz uma mistura de assobios, palmas e sintetizadores.
Co-escrita por Ryan Tedder, também é uma das canções mais intrigantes e sedutoras, liricamente falando. A saltitante “Around U”, por sua vez, faz uma mistura de diferentes ideias, sons e motivações. Goulding fala sobre querer passar seu tempo com a pessoa que ama: “Eu só quero estar perto de você, isso é pedir demais?”. É possivelmente destinada ao seu namorado Dougie Poynter (baixista do McFly) – um bubblegum pop atraente o suficiente para prender sua atenção. O álbum é concretizado com “Codes”, canção pop com cara de rádio-hit infalível. Ela começa com uma batida pesada e, posteriormente, fornece sintetizadores surpreendentemente obscuros. O som inquieto é firmado principalmente no refrão, conforme ela fornece uma entrega vocal clara e vulnerável. Seu lirismo permanece praticamente inalterado e é basicamente um relato sobre um romance frustrante. Em seguida, há uma estranha mistura de gospel e eletrônica durante “Holding On for Life”. Produzida por Greg Kurstin, ela possui bons arranjos, batidas cativantes e atraentes coros de apoio, conforme ela nos informa sobre um amor à beira de um colapso. Impulsionada pelo piano e sintetizadores, a produção, por muitas vezes, parece demais para a ela.
Produzida por Max Martin e Ali Payami para a trilha sonora de “50 Tons de Cinza” (2015), “Love Me Like You Do” recebeu inúmeros elogios por conta dos vocais sedutores. É um número sólido e sensual, e um complemento grandioso se tratando do filme em questão. Goulding consegue soar doce mesmo quando está interpretando algo mais ousado. A música, assim como sua performance vocal, percorre um alto brilho e assume um romance através de estrondosas batidas e densos sintetizadores. Musicalmente, é um electropop inspirado por uma sonoridade oitentista que nos remete a “Forever Young” (Alphaville) e algumas baladas do Phil Collins. Goulding consegue pisar magistralmente entre a delicadeza e a força do seu desempenho vocal. Liricamente, possui seus clichês e não é tão complexa como outras canções de amor. Ela usa uma fórmula que obviamente abusa de metáforas para descrever o quão grande é a sua paixão. De outra maneira, é uma canção sobre o amor óbvio, mas que amplifica o que poderia ser facilmente uma balada genérica. O refrão, apesar de repetitivo, funciona perfeitamente – conforme vai ficando cada vez mais alto, tende a agradar ainda mais. O álbum desvia-se do habitual quando “Don’t Need Nobody” surge através de alto-falantes.
Em torno de uma batida de R&B e estalar de dedos, Goulding se recusa a ceder a solidão. A música possui sintetizadores atrozes e batidas ferozes, mas o som atonal misturado com sua entrega nasal é um pouco irritante. “Don’t Panic” ganhou elogios de inúmeras publicações por servir como um retrocesso adequado para o início de sua carreira. Goulding diz ao seu namorado que não é porque o relacionamento teve problemas, que o amor irá acabar. Há uma sensação de dor em sua delicada performance vocal, mas ela mantém as coisas otimistas. Embora o tema seja comum, Goulding dá uma rotação hipnotizante para “Don’t Panic”. Também produzida por Greg Kurstin, é um peça cintilante que passeia vagamente pelo synth-pop oitentista. Ela dificilmente tropeça, mas isso acontece em “We Can’t Move to This”. Com uma batida inflável e melodia esquisita, é praticamente uma confusão sonora. Sua voz não está no centro das atenções e é completamente abafada ao competir com a produção intencional. Por mais que o estranho refrão seja grudento, a única coisa que se destaca é o conteúdo lírico. A ofegante “Army”, lançada como segundo single no Reino Unido, fala sobre sua melhor amiga – uma carta honestamente verdadeira.
Ellie Goulding transborda de gratidão: “Você sempre teve que acalmar as coisas / Eu sou a dor, sou uma criança, eu tenho medo / E ainda assim você me entende como ninguém”. A música olha para trás a fim de resgatar momentos de uma amizade da adolescência. Quando ela disse que queria fazer um “grande álbum pop”, a inclusão de uma canção como essa era praticamente inevitável. Inicialmente lançada como single promocional, a maravilhosa “Lost and Found” é um hino pop formado por um dedilhar à base de guitarra que mistura elementos de folk e eletrônica – uma verdadeira ode às suas origens musicais. Com certeza agradou seus fãs mais devotos, pois é nostálgica, emocional e o momento mais fiel às suas raízes. A progressão de batidas e os acordes acompanham a narrativa que detalha os primeiros dias de uma relação amorosa. Co-escrita por Klas Åhlund, “Devotion” é outro esforço hipnótico. Ela brinca com elementos de folk enquanto os mistura com suas influências eletrônicas. Essa combinação poderia ter sido um desastre, mas funcionou muito bem. A batida parece demasiadamente pesada e complexa para se fundir com os elementos folclóricos. Mas é uma experimentação que deu certo.
Goulding soa robótica e nos remete a imagens da cena dance dos anos 90. A sutil guitarra acústica consegue preencher o espaço vazio do ambiente. Aqui, ela canta sobre ser obcecada por seu novo amor, bem como não consegue pensar em qualquer outra coisa. A edição padrão fecha com “Scream It Out”, canção que incorpora a identidade de um hino. Ela simboliza o que Ellie Goulding está tentando fazer com este álbum. Impulsionada por um piano e estrondosas batidas de tambor, o refrão é alto e glorioso, e serve como um adeus para o passado e um passo decisivo para o futuro. “Scream It Out” mostra uma artista dizendo a si mesma que vai ficar tudo bem ao deixar a raiva e frustração para trás. “Delirium” vê uma artista indie pop se esforçando para ser uma grande estrela pop. Ellie Goulding sempre se destacou no meio da multidão, em grande parte por conta do seu charmoso timbre vocal. A maior parte do repertório a permite refletir sobre o passado a fim de dar um passo em direção a um futuro brilhante. No “Delirium”, ela encontrou o ponto ideal entre as tendências pop e a experimentação. Algumas pessoas podem dizer que ela está lentamente perdendo sua identidade. Mas talvez é exatamente a música pop que irá fazê-la ser uma artista mais completa.