O poder de Frank Ocean geralmente vem de sua extrema transparência e crueza – “Blonde” é praticamente perfeito.
O tão aguardado segundo álbum do Frank Ocean foi finalmente lançado em 2016 – fazia quatro anos que ele não divulgava um novo material. “Blonde” explora cada emoção que ele pode experimentar, com sua intensidade silenciosa e instrumentação aveludada. Ademais, ele compensou a demora nos presenteando com um projeto visual intitulado “Endless”. A abordagem suave do “channel ORANGE” (2012) foi traduzida para algo mais pesado e minimalista. “Blonde” é uma coleção de sons lustrosos que mostra a maturação de sua composição no decorrer dos últimos anos. Enquanto o disco anterior explorou sua vasta gama vocal, ele é mais concentrado no âmbito musical – um álbum minimalista, complexo e experimental construído por um homem extraordinariamente talentoso. Ocean superou as lógicas das estruturas tradicionais com narrativas que não se encaixam na forma comum. O clima é angustiado, mas a paisagem sonora excepcionalmente contemplativa. E mesmo se tivesse circunstâncias mais convencionais, “Blonde” ainda surpreenderia – mas suas canções são muito incomuns para o mainstream. A maioria das faixas segue uma estrutura similar, mas sem fornecer o mesmo assunto por muito tempo. Portanto, é complicado descrever o tema central devido à sua profundidade.
Dito isto, sua atmosfera sonhadora é reforçada por uma produção exuberante. Mas algumas faixas apresentam nada além de sua voz sob uma guitarra ou teclado. Ademais, é um registro incrivelmente desafiador e coeso. O pop ambiental de “Nikes” – com seu vídeo descrito como pornográfico e perturbador – apresenta uma festa cheia de drogas; Ocean força o público a se sentir desconfortável. As letras tocam no materialismo e nas questões familiares, além de dar voz ao movimento Black Lives Matter e homenagear Trayvon Martin. “Descanse em paz Trayvon, aquele nego se parece comigo”, ele canta. No vídeo, Frank mostra uma foto emoldurada do mártir de 17 anos, os olhos tristes do menino enfiados dentro de um moletom. Mesmo agora, quatro anos depois que o adolescente da Flórida foi baleado e morto, sua história ainda emociona. É também a declaração mais abertamente política que ele faz no álbum. Musicalmente, é uma peça atmosférica com uma narrativa notavelmente pessoal – é, na verdade, uma das faixas mais propulsivas do álbum. Ocean fornece tons familiares enquanto canta sob estranhos efeitos especiais e pesados sintetizadores. Assim como boa parte do repertório, é um hino experimental com uma vibe melancólica e ligeiramente descontraída.
Em sua superfície, “Blonde” parece um pouco insular. Enquanto o “channel ORANGE” (2012) exibia um ecletismo, ele se contrai em quase todas as fases. Sua estética sugere um artista em um pequeno apartamento com apenas um teclado, um violão e seus pensamentos. Mas não é qualquer artista, é o Frank Ocean. Em suas mãos, essa intimidade atrai uma atenção muito maior. Essas canções não são apenas para escutar, elas têm um propósito. São sobre a vida cotidiana, sobre a façanha de apenas existir, o que é uma afirmação por si só. De fato, “Blonde” está cheio de sentimentos e ideias – um amor profundo, uma filosofia inebriante, uma perda desesperada. As histórias que o Frank conta aqui encontram consolo na tristeza. Elas oferecem vistas em lugares invisíveis e almas esquecidas. Elas consolam, sangram e também choram. Com uma instrumentação discreta – algumas faixas não possuem qualquer bateria -, parte do álbum pode ser confundido com música ambiente. Mas então a voz do Frank Ocean entra e a quietude geral se transforma para capturar sua atenção. Muitas faixas parecem vazias, com apenas o dedilhar simples de uma guitarra elétrica ou uma atmosfera nebulosa deixada para trás. No entanto, elas hipnotizam.
Com ausência de seção rítmica, “Ivy” é uma canção de indie rock e R&B guiada por uma guitarra constante. Suas letras são estranhamente palpáveis: “Pensei estar sonhando, quando você disse me amar”. Produzida por Pharrell Williams e com vocais adicionais de Beyoncé, “Pink + White” é um momento realmente estelar. Acompanhado por teclados luxuosos e cordas de violino, Ocean explora memórias do passado – é simplesmente incrível o quão suave e poderoso seu vocal pode ser. Agora, com 28 anos, sua voz ficou ainda mais forte e hábil, e seus contos se tornaram mais abstratos. No primeiro interlúdio, “Be Yourself”, ouvimos sua mãe citar palavras de sabedoria. Mas indo contra o seu conselho, “Solo” é uma ode dedicada às drogas. Essa música possui uma dor sedutora, além de fazer pouco uso de instrumentação. Aqui, ele também contempla os estágios de ser solteiro com nada além de um órgão eclesiástico apoiando-o. É uma composição impressionante que finalmente encontra um pouco de paz em estar sozinho. Em seguida, “Skyline To” permite uma entrega vocal mais variada e faz referências às ervas daninhas – um número cru com baixa percussão e acordes de guitarra.
Com características de Kendrick Lamar e produção de Tyler, the Creator, é outro destaque. É essencialmente um poema sobre sexo, verão e a neblina da Califórnia apoiado por uma carga de humor e mistério. A sétima faixa, “Self Control”, é uma clássica balada de amor com excelentes vocais. Dessa vez, ele fornece um cenário mágico com apoio de uma belíssima guitarra acústica e algumas cordas de fundo. “Good Guy” é um rápido interlúdio que romantiza uma noite memorável para ele. Murmurando sobre simples arranjos de teclado, ele oferece uma canção curta e adorável – além de ser inesperadamente ousado, uma vez que toca em sua bissexualidade. “Nights” reintroduz os tambores detalhando diferentes eventos que aconteceram com ele durante a escuridão da noite. É possivelmente a música mais pop no melhor sentido da palavra, tanto que é difícil prestar atenção no lirismo. Mas mesmo uma música como “Nights”, que soa direta com seus fragmentos de acordes e batidas midtempo, eventualmente se transforma em um solo estranho. Mas “Nights” não é uma anomalia sonora: é a peça central do álbum de um artista que não segue ninguém além de si mesmo.
O próximo interlúdio, “Solo (Reprise)”, contém um verso impressionante de André 3000 – ele aborda a falta de autenticidade e a escrita fantasma de outros artistas, assim como relembra seus 20 anos no hip hop. “Estou murmurando e assobiando para aqueles que não merecem”, ele diz, em meio a uma conclusão que provavelmente assombrará o Drake por anos. Há uma certa decepção em sua voz e alguma amargura. A desilusão do André pode ser um conto de advertência para o Frank, que muitas vezes usa o álbum como uma oportunidade de olhar para trás. Faz sentido para um artista que intitulou seu primeiro grande projeto de “Nostalgia, Ultra.” (2011) quando ele tinha apenas 23 anos. No entanto, saudade combina com ele, especialmente quando é capaz de aproveitá-la com o efeito doloroso de “Self Control” e “White Ferrari”, canções que lutam contra o desânimo com uma tristeza tridimensional. De forma intensa e indescritível, “Pretty Sweet” mostra um pouco mais de sua criatividade. Entretanto, é difícil saber o que exatamente está sendo detalhado entre os seus efeitos sonoros. Em “Facebook Story”, o produtor francês Sebastian Akchoté-Bozovi lembra como seu relacionamento desmoronou por causa da famosa rede social de Mark Zuckerberg.
É um interlúdio confuso, mas se formos olhar para o avanço da era digital, é compreensível ter um tema desse tipo no álbum. Mas com quase nenhuma produção, “Facebook Story” é apenas um enchimento narrativo. “Close to You”, por sua vez, é uma reformulação do cover de “(They Long to Be) Close to You” (Stevie Wonder). Inesperadamente, há uma dose de auto-tune e alguns experimentos interessantes sob os vocais. Um dos melhores momentos do álbum, “White Ferrari”, é uma música de marca registrada com um clímax imensamente envolvente formado por suaves sintetizadores. Mesmo sem seção rítmica, ele mostra sua admiração pelos Beatles ao injetar amostras de “Here, There and Everywhere”. De forma apaixonada e poética, “Seigfried” apresenta uma análise detalhada sobre o que realmente importa na vida – há um instrumental delicado, cordas de violino e sample de “A Fond Farewel” (Elliott Smith). Desejando sorte para si mesmo na vida adulta, “Godspeed” aborda momentos de sua infância. Além da presença de Kim Burrell, essa canção possui uma atmosfera inspiradora. Com apoio adicional de um órgão, mas sem qualquer percussão, Ocean encanta mais uma vez.
“Godspeed” acena para o gospel, mas permanece fundamentada em sua oração ao amor; certas coisas são claras, no entanto. As grandes questões estão em sua mente. Ele está ciente de sua mortalidade agora; está pensando na família, sobre o que significa viver fora da sociedade, se isso é um objetivo sustentável. Em seguida, “Futura Free” brinca com sua voz, mas com alguns detalhes adicionais. Ele reflete sobre sua ascensão, apresentando vocais distorcidos, piano e letras sobre fama, religião e sexualidade. Embora não tenha o mesmo temor do “channel ORANGE” (2012), “Blonde” nos implora para ouvir o que Frank Ocean tem a dizer – há um ponto de vista único em sua imensa ambição. Como um dos poucos artistas assumidamente bissexuais do hip hop, ele poderia ter feito declarações sexuais mais abertas. Mas os temas do álbum são, em grande parte, sem gênero. No entanto, sua lista de influências aumentou e vai desde Kanye West aos Beatles. “Blonde” é ousado de muitas maneiras diferentes. Embora falte percussão em determinados pontos, é instrumentalmente belo e rico. Frank Ocean empurrou seus limites criativos e atingiu um novo nível de experimentação. Em outras palavras, “Blonde” é o sucessor perfeito para o extraordinário “channel ORANGE” (2012).