“22, A Million” é um disco maravilhoso que combina formas díspares – dentro e fora, acústico e digital, passado e futuro.
Bon Iver é uma criação do cantor, compositor e multi-instrumentista americano Justin Vernon. Sua banda é atualmente formada por Sean Carey, Matthew McCaughan, Michael Lewis e Andrew Fitzpatrick. Há nove anos, Vernon isolou-se por quatro meses em uma cabana de Dunn County, Wisconsin, e retornou com o incrível “For Emma, Forever Ago” (2008) – uma coleção de belas baladas acústicas. Com “22, A Million”, ele retoma as rédeas depois de cinco anos de ausência. Seu último disco, “Bon Iver” (2011), foi extremamente aclamado pela crítica, uma vez que esticou os limites da música folk e trouxe um tenor expansivo para um gênero tipicamente despojado – é um verdadeiro clássico moderno. Desde então, a banda entrou em hiato e lutou contra rumores de uma possível separação. Felizmente, Bon Iver está de volta com um novo projeto de 10 faixas surpreendentemente inovador. Todo o registro está cheio de efeitos excêntricos e títulos quase impronunciáveis. Mas a partir do momento que você começa a escutá-lo e deixa os sons incomuns te dominarem, você será capaz de reconhecer os talentos musicais do Bon Iver. O álbum nos leva para uma verdadeira viagem sonora, com melodias incrivelmente relaxantes e batidas eletrônicas arrojadas.
Instrumentalmente, “22, A Million” é divergente de seus antecessores, embora nunca desvia-se da forma tonal estabelecida pela banda. Como esperado, as baladas ganham um tom mais sombrio. Ele dá uma guinada inesperada em direção ao estranho e experimental. Mas por trás das falhas arranjadas e vozes processadas, há canções profundamente sentidas sobre a incerteza. São músicas vibrantes e esqueléticas que lutam contra trajetórias conhecidas e ameaçam desaparecer por completo. “22, A Million” pode estar musicalmente distante do “For Emma, Forever Ago” (2008) – quase todas as dedilhadas acústicas sumiram e foram substituídas por suspiros eletrônicos oscilantes. Mas os álbuns compartilham uma ideologia parecida. Todas as coisas se vão e são levadas de volta à escuridão. É certamente o disco mais difícil do Bon Iver; é o trabalho de um compositor que parece ter perdido o interesse em formas estabelecidas e facilmente decifráveis, uma possibilidade que Justin Vernon tem sugerido durante quase toda a sua carreira.
Em 2006, ele, então morando na Carolina do Norte, foi emocionalmente arrasado por uma tempestade de reviravoltas: sua banda se separou, seu relacionamento foi dissolvido, teve um caso agudo de mononucleose. Ele fez o que qualquer pessoa com autocuidado faria: fugiu para a cabana de caça de sua família na zona rural de Wisconsin, bebeu muita cerveja, assistiu a horas intermináveis da série “Northern Exposure” e escreveu um lote de canções solitárias com o seu violão. Seu falsete alto e quebradiço conferia a essas peças uma qualidade de outro mundo, como se tivessem soprado por um vento particularmente frio. “For Emma, Forever Ago” (2008) foi, à sua maneira, um álbum experimental – os vocais e fraseado do Justin Vernon são profundamente incomuns; suas histórias são impressionistas, fragmentadas, mas porque é tão pesado com desgosto e perda, parece íntimo, autêntico e fácil. “22, A Million” é comparativamente estranho e exploratório, mas suas preocupações são mais existenciais. O álbum começa com uma voz alta e ondulante anunciando: “Pode acabar logo”, e passa a examinar a ideia de impermanência.
Quase todas as canções contêm algum tipo de questão, como se a própria inevitabilidade da decadência o tivesse levado a interrogar cada última coisa que viu ou soube. Na medida em que suas letras são narrativas – e sempre foram mais conotativas do que críticas – ele parece preocupado em saber se uma vida tem ou não significado. Em “22 (OVER S∞∞N)”, quase não escutamos sua bela voz natural. Ele a distorce com efeitos eletrônicos e canta em falsete, enfatizando ainda mais às mágoas das letras. Esse profundo tom de lamento é um tanto quanto pesado, mas igualmente belo. Uma introdução única e emocionante com loops vocais e guitarras elétricas acentuadas por metais flutuantes. Além de seu esforço sonoro, “22, A Million” também é um recorde pessoal sobre como seguir em frente em tempos de desorientação. Vernon ocasionalmente emprega uma linguagem religiosa para expressar sua ansiedade, algumas explícitas e outras mais claramente vernáculas. Ele experimenta duas músicas gospel: a versão ao vivo de Mahalia Jackson de “How I Got Over”, de 1962, e “Standing in the Need of Prayer”, dos Supreme Jubilees, de 1980. Há uma música intitulada “666 ʇ” e outra “33 “GOD””.
Um pouco de marginalia nas notas do encarte do álbum (“Por que você está tão longe de me salvar?”) são atribuídas ao Salmo 22. Musicalmente, Vernon resiste não apenas ao verso-refrão-verso, mas a todas as maneiras pelas quais as culturas ocidentais conceituam a narrativa. Então, quando ele arrisca uma linha como “nós galvanizamos tudo isso”, de “8 (circle)”, parece uma declaração de missão. Há consolo em resistir às estruturas formais, tanto em reconhecer quanto em abraçar uma certa quantidade de caos. O uso dominante do saxofone em “8 (circle)” e os acordes de piano que carregam “00000 Million”, exemplificam a grande musicalidade da banda. “8 (circle)”, particularmente, sente-se como o verdadeiro clímax do álbum. Os vibrantes vocais, que surgem como zumbidos pensativos, as linhas de sintetizador e a percussão, são surpreendentes. O saxofone e os vocais trabalham lado a lado para criar um clímax verdadeiramente épico. Em outro lugar, os vocais também são filtrados até que eles realmente comecem a se dissolver, como se tivessem sido mergulhados em um tubo de soda cáustica.
Há impressionantes picos emocionais nessa música – eu paro totalmente toda vez que ouço ele cantar: “Estou parado na rua agora, e carrego seu violão”. Na mesma veia, “00000 Million” encontra Vernon utilizando uma linha emprestada do cantor irlandês Fionn Regan: “Os dias não têm números”. Comparada com a numerologia obsessiva do álbum – cada música tem um número em seu título – ela cai como uma admissão de derrota. Há resignação em sua voz, o que dá lugar à desolação. A letra dessa música será familiar para qualquer pessoa que se pergunte se algum dia eles vão realmente começar a se sentir melhor. “10 d E A T h b R E a s T ⚄ ⚄” é um dos momentos mais emocionantes e percussivos do LP. As letras emergem através do caos – fragmentadas pela poderosa modulação instrumental – enquanto trompas mantém a paisagem sonora. “Então, como vamos chorar? / Por quê apenas uma vez pode não significar algo?”, ele pergunta em “715 – CR∑∑KS”. É um número acapela completamente despojado – os vocais são multiplicados a fim de criar harmonias robóticas. Ela retrata a paranoia enquanto o auto-tune é utilizado para eliminar os instrumentos e retratar a sensação de isolamento.
“33 “GOD””, “29 #Strafford APTS”, “666 ʇ” e “____45_____”, por outro lado, ilustram a sua autodescoberta e pagam tributos às suas raízes folclóricas. “33 “GOD”” é a canção mais animada do repertório, guiada por ondas melódicas, teclados e percussões. Os rápidos e complexos tambores chegam a causar uma erupção sonora. O teclado relativamente simples parece um pouco estranho, mas não prejudica o fluxo. “29 #Strafford APTS” retrocede as coisas com sua guitarra acústica familiar reminiscente do álbum auto-intitulado de 2011, enquanto “666 ʇ” é uma das canções mais convencionais. Ela apresenta apenas um timbre de sintetizador distante embaixo de uma guitarra delicadamente arrancada do “For Emma, Forever Ago” (2008). Em seguida, “21 M♢♢N WATER” surge através da atemporalidade atmosférica. Todos seus componentes são dispersos, à medida que surge um aumento de intensidade. Os vocais, o ritmo meditativo, as cordas e o saxofone ficam foram de controle, conforme o caos das letras tomam conta. O álbum flui através da variedade de estilo, tom e instrumentação.
Por um tempo, Vernon vem construindo músicas de forma modular, e há momentos aqui (como o último minuto sinuoso de “21 M♢♢N WATER”) em que parece que ele poderia ter juntado as peças um pouco mais. Isso é evidente, em parte, porque ele é excepcionalmente bom em escrever lamentos melancólicos no estilo altamente estruturado dos gigantes do soft rock dos anos 80, como Bonnie Raitt e Bruce Hornsby. Em apenas 34 minutos, “22, A Million” conta histórias magistrais e inspiradoras, bem como apresenta uma sonoridade excepcionalmente estranha. A produção, muitas vezes desarticulada, oferece momentos deslumbrantes. Belas texturas de instrumentos de metais, pianos frequentes e sintetizadores nebulosos aparecem por todos os lados. Os poucos momentos da guitarra acústica e do banjo nos lembram do seu som familiar. A mudança de estilo nos últimos oito anos é quase irreconhecível, pois Justin Vernon expandiu sua paleta sonora e criou outro álbum perfeito. Quando ele se compromete com sua nova estética eletrônica, as amostras e modulações definem o tom das músicas. Em suma, “22, A Million” é uma obra-prima moderna criado por um verdadeiro visionário artístico.