Onde os álbuns anteriores eram de alta frequência, “Joanne” mostra pela primeira vez uma visão real da própria Lady Gaga.
Lady Gaga é uma das artistas mais populares e polarizadoras dos últimos anos. Desde sua aparência extravagante até seus grandes hits, ela criou um forte nome para si mesma. Após três anos de espera, ela finalmente lançou um novo álbum em outubro de 2016. Sem dúvida, é um projeto que dividiu a opinião dos fãs, uma vez que sonoramente tomou uma direção intrinsecamente diferente. Nesse tempo que ficou ausente, Gaga lançou um disco de jazz em conjunto com Tony Bennett, ganhou um Globo de Ouro por seu trabalho em “American Horror Story” e se apresentou no Oscar. O seu quinto álbum de estúdio, intitulado “Joanne” em homenagem a sua tia falecida, afasta-se do visual extravagante do seu passado. Em comparação com seus trabalhos anteriores, possui um som mais orgânico com influências de country, folk e rock. De fato, Gaga usou uma abordagem mais crua em seu processo criativo. Não é um disco perfeito por qualquer meio, mas certamente mostra um novo lado da Lady Gaga que nunca tinha sido visto antes. Apesar de suas diferentes influências, “Joanne” tem um som autenticamente pop – um registro onde ela está no seu estado mais pessoal e vulnerável, e além de suas fronteiras musicais. Nos bastidores, ela foi acompanhada por Mark Ronson, Kevin Parker, BloodPop, Jeff Bhasker e Josh Homme.
Enquanto sua nova imagem e som confirmam seus pontos fortes como artista, não posso deixar de sentir a imprevisibilidade do “Born This Way” (2011) na segunda metade do “Joanne”. Muitas canções são rígidas e excessivamente formuladas. É evidente a falta de coesão do álbum, mas isso não diminui a força do repertório. Sua preocupação com a fama e o estrelato, suas tendências deselegantes, sua ênfase no teatral, no visual, no extravagante – fazia sentido para Gaga. Sua voz, embora robusta e adorável, geralmente não possui boas nuances; portanto, as pequenas fissuras que normalmente animam as canções folk não combinam tão bem com ela. Mas “Joanne” é um movimento em direção à seriedade – especialmente depois de lançar o “Cheek to Cheek” (2014), a coleção de jazz gravada com Tony Bennett. O álbum nunca revela muito de sua narrativa, nem mesmo em seus breves mergulhos no indie rock. Embora Gaga trate de um punhado de questões sérias aqui – o assassinato de Trayvon Martin, o que acontece com uma pessoa depois que ela morre – o tratamento que dá a elas muitas vezes parece desajeitado, se não performativo. Ele abre o álbum com a poderosa “Diamond Heart”, canção pop com influências de rock que define o humor do repertório.
O rápido ritmo é ditado por fortes tambores e vocais mais crus. Sua voz toma a frente de tudo enquanto é acompanhada na guitarra por Josh Homme, da banda Queens of the Stone Age. “Jovem americano selvagem / Vamos lá, querido, você tem namorada?”, ela pergunta no refrão. “Aqui vamos nós”, Gaga grita no início de “A-Yo” – o country pop é bastante evidente aqui. É uma canção focada na guitarra e percussão com handclaps conduzindo-a livremente. A melodia balançante, as letras e os solos de guitarra a tornam em uma das faixas mais otimistas do álbum. “Joanne”, a peça central, é dedicada a sua tia que morreu em 1974 de lúpus quanto tinha apenas 19 anos de idade. Embora Gaga nunca chegou a conhecê-la, sempre sentiu uma forte conexão com ela. “Garota, onde você acha que está indo?”, ela pergunta emocionalmente. É uma linda e honesta balada country conduzida por uma simples guitarra acústica – é difícil não se conectar emotivamente com essa doce canção. Em seguida, Gaga declara o seu amor por cowboys na arrogante “John Wayne” – um pop rock energético com batidas de bateria, sintetizadores e vocais modificados. Novamente, ela é acompanhada pela guitarra de Josh Homme, enquanto as letras comparam seu relacionamento com o ator John Wayne.
“Dancin’ in Circles”, com suas batidas infundidas pelo reggae, é uma das músicas mais sensuais e grosseiras do álbum. É uma colaboração com o cantor Beck que encontra Lady Gaga cantando sobre amor próprio. “Eu fico deitada, acaricio a mim mesma para passar o tempo”, ela canta. Em 2016, a masturbação como motor de fuga não é um tema particularmente estimulante. Quando Lady Gaga lançou “Perfect Illusion” como primeiro single, dividiu a opinião de sua fã base. A canção produzida por Mark Ronson, Kevin Parker e BloodPop foi amada por alguns e desprezada por outros. Não obteve o sucesso nos charts como esperado, mas seu som funciona no contexto do álbum. Por ser uma das mais cativantes, parecia uma escolha óbvia para single. É um dance-rock com uma qualidade propulsiva e vertiginosa, embora sofra por sua infeliz repetição. Ademais, o aumento de oitava no último terço a torna muito barulhenta. Os toques potentes de guitarra e efeitos eletrônicos deixaram claro que Gaga estava tentando sair da zona de conforto. A influência do rock oitentista é agradável, mas sua exagerada performance vocal obteve um efeito contrário. “Confundido com o amor, não foi amor, foi uma ilusão perfeita”, Gaga grita de forma exageradamente desenfreada e selvagem. Ela parece indignada, mas também vagamente desequilibrada.
No vídeo de “Perfect Illusion”, ela usa shorts jeans, botas pretas, camiseta preta e um rabo de cavalo louro – um look um tanto quanto simples para ela. O segundo single, “Million Reasons”, é uma balada pop e country sobre um relacionamento disfuncional e destrutivo. Nessa canção, encontramos Lady Gaga atrás de teclas de piano com nada mais do que sua voz. As harmonias são nítidas e aumentam sua simplicidade. Embora também sofra um pouco pela repetição, é vocalmente um dos melhores momentos do “Joanne”. Co-escrita por Hillary Lindsey, é uma peça tocante que também fornece delicadas cordas de guitarra acústica. “Eu me curvo para orar”, ela canta no piano. “Tento fazer com que o pior pareça melhor”. Esse tipo de negociação desesperada será desconfortavelmente familiar para qualquer pessoa que já tentou transformar uma situação condenada em algo minimamente viável. Seu homem já deu á ela um milhão de razões para se separar: “Mas amor, só preciso de um bom motivo para ficar”. “Sinner’s Prayer” capta imediatamente sua atenção graças a ótima introdução com cordas de guitarra. Os padrões de tambor trabalham em conjunto com o piano e a guitarra a fim de criar uma doce melodia.
O refrão é bastante discreto, especialmente tratando-se de uma canção da Lady Gaga. A parte mais agradável do trabalho vocal é que ela nunca ultrapassa a gama necessária. É bom e convincente vê-la tonificando as coisas para criar uma abordagem mais sutil. Em “Come to Mama”, Gaga canta sobre o estado em que o mundo se encontra no momento. No primeiro verso, ela pede mais amor e menos ódio: “Todos têm que amar uns aos outros / Pare de jogar pedras / Em suas irmãs e seus irmãos”. É um retrocesso que traz a nostalgia dos anos 70 enquanto foca em questões políticas. Mas enquanto o lirismo é mais sério, a produção sente-se levemente despreocupada. “Venha para a mamãe / Me diga quem te machucou / Não vai haver um futuro / Se nós não resolvermos isto”, ela avisa com o intuito de espalhar mensagens de amor e aceitação. “Come to Mama” apresenta um padrão de bateria simplista enquanto se afasta do country e desenvolve uma agradável sensibilidade doo-wop. Além disso, a vibe otimista que o saxofone traz é muito contagiosa e cativante. O aguardado dueto com Florence Welch em “Hey Girl” não é o potencial banger vocal que todos esperavam. Entretanto, é uma das melhores faixas do álbum. Novamente, influências dos anos 70 podem ser sentidas, enquanto elas cantam sobre ajudar uns aos outros.
É uma música mais discreta onde seus vocais misturam-se perfeitamente. Sintetizadores e uma lenta batida criam um som sensual que se inclina para o synth-pop da era moderna. Em “Angel Down”, Gaga faz alguns comentários sérios sobre a sociedade. As letras criticam a violência armada e questionam onde nossos líderes políticos estão nesse momento de necessidade. É uma música com tom aborrecido, ritmo mais lento e uma leve instrumentação. “Tiros foram dados na rua / Perto da igreja onde nos encontrávamos / Anjo abatido, anjo abatido / Mas as pessoas só ficaram olhando”, ela canta. Sonoramente, é uma balada que serve como um final atmosférico para o “Joanne”. O principal foco das composições, os vocais orgânicos e os instrumentos nervosos mostram uma artista pronta para expandir seus horizontes. Com esse álbum, Lady Gaga empurrou os limites da música pop a fim de pisar em novos territórios. Sem dúvida, os fãs amaram ou odiaram os riscos que ela correu. Aqueles que queriam que ela voltasse ao EDM podem ter se decepcionado, uma vez que ela está bem menos extravagante do que em seus trabalhos do passado. Certamente, é difícil não sentir falta do brilho e glamour de álbuns como “The Fame” (2008) e “Born This Way” (2011).