“Witness” prova que Katy Perry é uma popstar mais interessante do que ela própria acredita.
Desde sua estreia no mainstream em 2008, Katy Perry conseguiu uma série de marcos musicais. Ela possui o show do Super Bowl mais assistido da história e é a primeira pessoa a atingir a marca de 100 milhões de seguidores no Twitter. Com o “Teenage Dream” (2010), Perry quebrou uma série de recordes e igualou-se a Michael Jackson, ao colocar cinco singles de um mesmo álbum no topo da Billboard Hot 100. Com o “PRISM” (2013), ela se apresentou como uma mulher adulta e mesclou sua fé com o pop. Muitos dos seus maiores hits, como “Firework” e “Roar”, são músicas de auto capacitação que atingem um grande número de pessoas. Com auxílio de Max Martin e Dr. Luke, Perry dominou as rádios mais do que qualquer outra pessoa nos primeiros anos da década. No ano passado, ela gravou a canção oficial dos Jogos Olímpicos do Rio e apoiou Hillary Clinton na disputa pela presidência dos Estados Unidos. Posteriormente, lançou o seu quarto álbum de estúdio, intitulado “Witness”. O altamente esperado disco possui 15 faixas e reflete sobre as mudanças em sua vida e no mundo. Depois do lançamento do “PRISM” (2013) há quatro anos, Perry sofreu algumas transformações. Ela anunciou que seu novo álbum apresentaria um “pop proposital”, após o choque do resultado das eleições americanas.
O lead single “Chained to the Rhythm” foi inspirado e escrito alguns dias depois que Donald Trump foi eleito presidente. É uma canção enganosamente alegre que na verdade fala sobre uma sociedade complacente e resignada. Provavelmente, um dos maiores desafios para Katy Perry era sair de sua zona de conforto. “Teenage Dream” (2010) foi um sucesso sem precedentes e causou um enorme impacto na música pop. Entre singles e álbuns, ela já possui vendas estimadas em 126 milhões no mundo todo. Certamente, ela é uma das cantoras mais populares e bem-sucedidas de sua geração. Portanto, fica o desafio: ela seria capaz de apresentar algo mais maduro, inovador e coeso? “Witness” possui um som muito mais unificador do que seus antecessores. Em quase 1 hora de duração, o álbum explora um som dançante e mais compacto com forte apoio do piano. Dessa vez, ela se juntou com o seu colaborador de longa data Max Martin, bem como Ali Payami, Shellback, Duke Dumont, Purity Ring, Hot Chip, Mike WiLL Made-It, DJ Mustard, Jeff Bhasker e Illangelo. Aparentemente, ela mostrou um maior interesse em expandir seu som ao trabalhar com novos produtores.
A capa do álbum, um tanto quanto surpreendente, não é a única coisa diferente sobre o retorno da Katy Perry. O som parece combinar com o novo corte de cabelo, mas a nova direção sonora pode afetar sua popularidade. A lista de colaboradores é suficiente para animar qualquer ouvinte. “Witness” não é um registro ruim, mas é um tanto quanto diferente. Por mais onipresente que o Max Martin seja, alguns refrões não se apresentam da maneira que costumavam ser no “Teenage Dream” (2010) e “PRISM” (2013). Da mesma forma, alguns produtores parecem estar envolvidos de uma maneira errada. Hot Chip, por exemplo, está presente nos bastidores da balada “Into Me You See” – mas por que colaborar com uma banda tão dinâmica e dançante em algo tão morno? O mesmo questionamento pode ser feito para a presença de DJ Mustard, famoso pelos bangers poderosos, na balada “Save as Draft”. Na minha opinião, Katy deveria ter extraído melhor o talento dos seus colaboradores. Ademais, “Witness” sofre de um problema que atrapalhou o “PRISM” (2013): a falta de coesão. Fora isso, é um álbum que realmente tem o seu valor. E é exatamente por isto que eu não entendo toda a negatividade que ultimamente está em torno da Katy Perry. Por que as pessoas estão criticando-a por mudar, sendo que antes exigiam exatamente isso?
Para o seu quarto álbum, ela experimentou um pop mais consistente e, consequentemente, afastou-se do bubblegum pop. Portanto, mais uma vez, eu indago: por que as pessoas agora estão reclamando dela estar tão diferente? A faixa-título, “Witness”, é um dos momentos mais surpreendentes e astutos do álbum – uma linda balada onde ela confessa: “Estou à procura de alguém que fale a minha língua / Alguém para seguir essa viagem comigo / Posso ter uma testemunha?”. É a introdução perfeita para o álbum. Inicialmente, ela começa com vocais descontraídos emparelhados com alguns instrumentos e uma grande ênfase no piano. À medida que o refrão aparece, ela se encaixa no seu som de assinatura, com vocais mais restritos, mas inegavelmente poderosos. “Witness” tem um som progressivo e diferente do seu pop dançante. Sua maturidade inesperada é intercalada com um humor confiante e melancólico, além de vibrações de música dance dos anos 90. Em seguida, o álbum mergulha diretamente no dance-pop da ridiculamente viciante “Hey Hey Hey”. Um hino feminista de auto capacitação, com letras como: “Porque eu sou feminina e macia, mas ainda sou a chefe / Com um batom vermelho, mas ainda tão bruta / Marilyn Monroe em um caminhão monstro”.
Katy Perry usa o auto-tune de forma interessante, não para melhorar sua voz, mas para aprimorar a sensação eletrônica. “Roulette” é instantaneamente uma das favoritas dos fãs – uma canção excepcional com uma mistura perfeita de teclado, bateria e influências dos anos 80. Durante os versos, ela canta de forma retida, ao passo que o refrão explode da melhor forma possível. Escrita com ajuda de Max Martin, ela mergulha em uma produção atmosférica, escura e dramática. No terceiro e último refrão, Perry canta com vocais ainda maiores e desinibidos, e enfatiza sua mensagem de liberdade. “Swish Swish”, com Nicki Minaj, foi produzida por Duke Dumont e lançada como single em maio. É uma música house com amostras de “Star 69”, de Fatboy Slim, que, por sua vez, usa sample de “I Get Deep”, de Roland Clark. Dessa vez, ela utilizou uma instrumentação EDM pesada no refrão e um piano no pré-refrão. Os vocais mais restritos fazem maravilhas e é tudo muito bem executado. Além disso, o verso da Nicki Minaj, alternado entre o rap e o canto, é muito consistente. “Swish swish bish / Another one in the basket / Can’t touch this / Another one in the casket” – a batida fascinante e o refrão ficarão instantaneamente presos na sua cabeça.
Liricamente, é uma faixa de auto empenho direcionada aos haters, embora rumores disseram ser uma resposta à “Bad Blood”, da Taylor Swift. Mesmo começando com algumas linhas amadoras, “Déjà Vu” também pode ser considerado um grande momento. É outra canção sombria que usa batidas de house e elegantes linhas de baixo. Aqui, Perry canta letras mais pessoais sobre um envolvimento romântico. Liricamente, ela explica como tal relacionamento ainda está atormentando-a: “Porque todos os dias são iguais / É a definição de insanidade / Acho que estamos vivendo em loop / Déjà vu, déjà vu, déjà vu, déjà vu”. O refrão não é explosivo ou grande, mas é cativante e vocalmente agradável. Não há dúvidas que ela quebrou o molde algumas vezes nesse álbum, como por exemplo em “Power”. Produzida por Jack Garratt, é uma peça musicalmente audaciosa e vigorosa. É uma música que confronta a misoginia com referências à própria vida da Katy Perry. Ela começa de forma melancólica – quebrada pela contundente bateria – e depois desenvolvida por confiantes vocais. Na maior parte, temos uma porção de espessos sintetizadores e acordes jazzísticos auxiliando-a. No refrão, ela aparece no topo de alguns teclados e poderosos tambores, para dizer: “Porque eu sou uma deusa e você sabe disso”.
“Mind Maze” é a primeira faixa do álbum produzida pelo duo Purity Ring, uma canção sobre a imensa confusão criada na sua mente quando você está sob pressão. É estranhamente simplista, onde a emoção das letras acaba sendo perdida no meio da produção e do forte auto-tune. Certamente, é a faixa mais sombria do álbum, graças às melodias, ao piano e aos sintetizadores distorcidos. “Miss You More”, outra canção produzida pelo Purity Ring, é um favorito instantâneo. Uma balada maravilhosa aparentemente inspirada por seu relacionamento com John Mayer. Essa música mostra que a ideia de perder alguém é muito mais forte do que o vínculo amoroso entre eles. As letras são incrivelmente emocionais, a entrega crua e genuína, os vocais frágeis e emotivos, e a produção esplêndida. Tudo aqui foi feito para evocar efetivamente o sentimento de perda enquanto ela recorda de alguns bons momentos. Dito isto, a música possui um efeito crescente com ênfase no perfeito piano e na bateria. Com realce do piano, Katy Perry canta: “Eu sinto sua falta mais do que eu te amei”. “Chained to the Rhythm”, co-escrita pela Sia, faz uma mistura atraente de disco e dancehall num mar de agitação, batidas uptempo e uma mensagem decididamente política.
“Tão confortável, estamos vivendo em uma bolha, bolha / Tão confortável, não podemos ver o problema, problema”, ela canta. As letras abordam a sociedade em geral, que muitas vezes parece acorrentada numa rotina diária. Consequentemente, essa mesma sociedade não vê às injustiças em sua volta, uma vez que fica “presa” em sua própria bolha. O lirismo pode parecer inicialmente estranho, mas depois você começa a perceber o quanto é inteligente. Inicialmente, parece uma canção pop inofensiva, mas na verdade possui um conteúdo bem consciente. A canção em si possui uma sensação disco relaxada e um verso adicional de Skip Marley, neto do Bob Marley. Seu verso é interessante, liricamente inteligente e melodicamente agradável. Ele realmente dá uma força extra ao sentimento geral da canção, inclusive auxiliando no final acapela. Cheia de harmonias e contagiantes melodias, a canção tem um fluxo contínuo que não desanima nem por um segundo. É dirigida por uma linha de baixo viciante e produção impecável. O excelente pré-refrão, com o som funk de uma guitarra, e o agitado refrão, são pontos cruciais. “Então coloque seus óculos de lentes rosadas e comece a festa”, ela canta aqui.
Produzida por Mike WiLL Made-It, “Tsunami” começa com sons de ondas batendo na costa e gaivotas chilreando. É uma música hipnotizante com uma série de referência à vida marinha: “Então querido, venha e dê um mergulho comigo / Me agite até que eu fique ondulada / Não tenha medo de mergulhar nas profundezas e começar um tsunami”. Os cantos sussurrantes, a batida em potencial e o baixo pesado merecem atenção. A polêmica “Bon Appétit”, com Migos, foi lançada como segundo single em 28 de abril de 2017. Sob uma premissa básica, Katy Perry oferece uma performance vocal sensual e, de alguma forma, obsoleta durante os versos. Ela é cercada por uma batida potente e sedutora, e guiada por uma progressão demasiadamente suave. Inspirada pelo som eletrônico da década de 90, é uma canção dance-pop e trap com letras que apresentam duplos sentidos sexuais envolvendo comida. Com título em francês, “Bon Appétit” têm harmonias hipnóticas e sintetizadores otimistas. A produção possui um ritmo cuidadoso que explode completamente no segundo refrão. Infelizmente, a melodia e a entrega vocal não seguem o mesmo exemplo. Não há uma progressão melódica no refrão, o que torna a música bastante plana e repetitiva.
Supostamente inspirada pela perda chocante de Hillary Clinton na eleição presidencial de 2016, “Bigger Than Me” encontra Katy Perry refletindo negativamente. É uma auto-reflexão contagiante sobre encontrar o propósito de sua vida, ao passar por testes emocionais. Ela ainda fornece vocais peculiaridades, batidas influenciadas pelo dancehall e inspiração eletrônica. Seguindo os passos da Britney Spears, Perry usa referências tecnológicas para expressar sua frustração na sombria “Save as Draft”. É sobre como ela quer conversar com seu amante sobre seus problemas, mas por estar muito nervosa, não consegue dizer nada. Ela canta sobre um piano e batidas silenciosos enquanto captura um olhar moderno sobre as rupturas e as más decisões. A vibrante “Pendulum” é certamente uma das minhas favoritas do álbum. Outra canção sobre o auto-empoderamento que a leva de volta para os seus dias gospel. Essa música tem um tom elevado que nos conduz à novas alturas com suas letras otimistas. É uma balada midtempo estimulante que se apoia fortemente em um coro gospel. Produzida por Jeff Bhasker e Illangelo, ela possui elementos de funk e disco, e faz um uso extremamente eficiente do piano e do baixo.
Por fim, o álbum encerra com “Into Me You See”, uma delicada balada de piano que mostra Katy Perry examinando seus relacionamentos e como chegou ao ponto em que está agora. Ela revela que encontrou alguém para derrubar a barreira que construiu ao redor de si mesma. Embora ela coloque um constrangedor “abre-te sésamo” no meio do refrão, não deixa de ser uma canção emocional e vulnerável. Mesmo que tenha poucas evidências eletrônicas do Hot Chip aqui, sua melancolia e produção são requintadas. “Witness” causou sentimentos mistos nos ouvintes e sofre de expectativas iniciais elevadas. Certamente, o seu maior problema é a falta de coesão para juntar todas as ideias. Além disso, não possui os grandes refrões que impulsionaram seus maiores hits. Pode não ser o álbum que os fãs esperavam depois de um intervalo de quatro anos, mas há muita coisa para aproveitar dentro dele. Em primeiro lugar, Perry merece aplausos por tentar empurrar seus limites em termos de som, mesmo que algumas músicas não deixem uma impressão duradoura. É uma coleção arrojada, polida e experimental que a vê tentando evoluir como artista. É o seu trabalho mais forte? Certamente não. Mas é o mais maduro, reflexivo e profundo. Pode não ser o material que todos aguardavam ansiosamente, mas mostra o crescimento e a nova perspectiva da Katy Perry.