Mais uma vez, Jay-Z apresenta ideias sobre riqueza e sucesso com uma confiança fora do normal.
36 minutos é o tempo que Jay-Z precisou para apresentar o seu novo álbum de estúdio; “4:44” é um estudo introspectivo sobre o que o tornou em uma das maiores figuras do rap. Provavelmente, esse é o seu primeiro álbum contado na perspectiva de Shawn Corey Carter. A imprensa negativa em torno dele após o lançamento do “Lemonade” (2016), o descreveu como um homem infiel e pouco confiável. Consequentemente, “4:44” é mais vulnerável e inclui respostas sobre a sua suposta infidelidade. O álbum foi produzido exclusivamente por No I.D., com quem Jay-Z já colaborou anteriormente. “4:44” não tem bangers e termina mais rápido do que o esperado. É um álbum de muitas camadas e mensagens em seu núcleo, que o coloca entre os grandes de sua discografia. Pode-se dizer que esse LP é tudo aquilo que o “Magna Carta Holy Grail” (2013) tentou ser, mas não foi. No I.D. criou um pano de fundo ideal para esse momento de sua vida. Felizmente, não há tentativas forçadas de seguir por tendências do mercado. Liricamente, “4:44” fala sobre traição, família, luxúria e riqueza de forma bem honesta e genuína. Cada canção oferece alguma mensagem importante, sem diminuir o seu valor de repetição.
O repertório é certamente construído em torno de uma traição, mas o pedido de desculpas e sua reavaliação são veículos para seu próprio amadurecimento. Antes, ele era imperturbável e o mafioso supremo do rap. A paternidade corroeu um pouco disso, mas “4:44” desconstrói uma visão inteira. É uma retrospectiva de Shawn Carter abordando erros e acertos, perguntando-se em voz alta se o seu trabalho tem valor. Como mencionado, ele leva apenas 36 minutos para criar o artefato que queria fazer há anos, um documento revelador sobre infidelidade e superação, a maneira como a família nos molda, a forma como carregamos as dificuldades da paternidade e como chegar na fase completa de nós mesmos. Mas, acima de tudo, “4:44” é sobre o seu legado: como Jay-Z será lembrado, o que ele está deixando para os filhos, o que ele fez pela cultura negra e o que ele está tentando fazer pela sociedade. Dentro dessas revelações pessoais, um dos maiores pensadores do rap redescobre sua grandeza. Já faz um tempo que ele não é tão preciso ou proficiente, talvez porque finalmente esteja interessado em revelar as partes mais reais de si mesmo.
Há uma menção ao drama com a Solange e uma dissidência furtiva com o Kanye West, mas isso é fragilidade em torno do coração do álbum. Alguns dos fluxos são ásperos nas bordas e ele não é tão ágil dentro das cadências como costumava ser, mas compensa com esquemas de rimas cuidadosamente criados e uma fluidez que passou a caracterizar boa parte do seu trabalho. Os versos finais de “Smile” e “Marcy Me” estão entre os mais equilibrados e tecnicamente sólidos de sua carreira. “4:44” pode não ser o melhor álbum do Jay-Z, mas é de longe o mais atencioso. A primeira faixa, “Kill Jay Z”, o encontra destruindo o seu ego, a fim de concentrar-se na honestidade. Essa canção fala sobre o tiro que ele deu em seu irmão, a briga com Kanye West, o esfaqueamento de Lance Rivera e a briga no elevador com Solange Knowles. Além dos shades sutis direcionadas ao Kanye e Future, é uma música estruturada com um brilhante instrumental. Embora ele seja um MC mais do que capaz, é o No I.D. quem faz boa parte do trabalho pesado. Como responsável de todas as dez batidas do álbum, o produtor de Chicago constrói uma sensação empoeirada que combina com o rapper muito melhor do que a produção do “Magna Carta Holy Grail” (2013).
As amostras não são apenas esteticamente bonitas, mas profundas dentro do contexto. Em “The Story of O.J.”, canção mais conhecida do álbum até então, Jay-Z recita: “Eu não sou preto, sou O.J. okay”. Essa linha se refere à frase que O. J. Simpson pronunciou enquanto estava condenado. Carter acredita que isso foi dito na tentativa de se separar do que a mídia concebia como “cultura negra”. Em cima de amostras vocais e leves teclas de piano, “The Story of O.J.” também aborda a desigualdade racial nos Estados Unidos e observa a sombra inevitável do colorismo. Como todos sabemos, Jay-Z nunca escondeu sua aversão pelo governo e polícia, algo discutido anteriormente em “99 Problems”. As mulheres são portadoras da força e compreensão do “4:44” através dos samples que são utilizados; mas não apenas Nina Simone, Lauryn Hill, Sister Nancy, Kim Burrell e Hannah Williams são fontes de inspiração, pois sua filha Blue Ivy, Beyoncé e sua mãe Gloria Carter também marcam presença. Sua mãe, a propósito, revela corajosamente que é lésbica na música “Smile”. “Ame quem você ama”, ela diz, “Porque a vida não é garantida”.
Isso ajuda Jay-Z a desvendar reflexões sobre honestidade, aceitação e resolução. A apologética faixa-título é tudo que esperávamos do Jay-Z após o lançamento do “Lemonade” (2016) – uma declaração amorosa e um pedido de desculpas formal para sua esposa. Em seu último álbum, Beyoncé o acusou de ser infiel. Independente do adultério ter sido real ou não, essa música foi requerida por Jay-Z. Ele tenta explicar o seu lado da história, além de admitir e pedir desculpas por seus erros. O grande sentimento de honestidade dessa música o coloca em um novo patamar. Em “Family Feud”, com a própria Beyoncé, ele fala sobre aqueles que preferem o hip hop old-school e tradicional, em vez do rap da atualidade. “Ninguém ganha quando a família briga”, ele diz se referindo à luta pelo poder de ambos os lados. Enquanto “Bam”, com Damian Marley – o filho mais novo do Bob Marley – tem grandes vibrações de reggae, “Marcy Me” possui um gancho atraente e uma produção brilhante. É uma canção nostálgica onde ele relembra seus dias nas Marcy Houses do Brooklyn. Mais tarde, “Moonlight” contradiz a mensagem exposta em “Family Feud”: Jay-Z decide usar alguns clichês da nova onda do hip hop, embora utilize sample de Fu-Gee-La (The Fugees).
Mesmo sendo um dos homens negros mais ricos e bem sucedidos do mundo, ele consegue enxergar a luta que os negros americanos enfrentam. Jay usa o recente fiasco no Oscar para comprovar isso: “Estamos presos em La La Land / Mesmo quando ganhamos, nós perderemos”. A última faixa, “Legacy”, possui uma adorável introdução com sua filha, Blue Ivy Carter. Liricamente, é uma das canções mais fortes do álbum, afinal Jay-Z quer que todos conheçam o legado de sua família. Enquanto muitos acreditam que o mais importante é ter sucesso, ele explica que o seu legado é a família. Na linha de abertura, Blue Ivy pergunta: “Papai, o que é uma vontade?”. Na sequência, ele deixa claro que a coisa mais importante para ele é a sua esposa e filhos. Ele também fala sobre acordos como um meio de promover sua linha e beneficiar seu povo. A mudança faz sentido, visto que o princípio definidor do Jay-Z sempre foi a liberdade por meio do comércio. Ele comete o erro de fundir suas próprias conquistas comerciais com uma solução escalável para a desigualdade econômica e a supremacia branca, o que é tanto idealista quanto ingênuo.
Mas seus tutoriais de riqueza sustentável nunca parecem enfadonhos e ainda há lições a serem aprendidas sobre prosperidade e progresso. Embora acompanhado por um componente visual de bom gosto, a personalidade do Jay-Z permanece no centro do álbum. “4:44” arruma sua bagagem com capricho e depois faz uma bagunça desfazendo seu legado. É verdade, seu jogo de palavras e sua essência não parecem datados quando são apimentados em cima de suas ruminações e falhas pessoais. Ele pesquisa ideias sobre riqueza e sucesso com uma confiança que faz com que até mesmo suas rimas mais desajeitadas pareçam sofisticadas. “4:44” é um álbum que ele precisava fazer e usar como terapia. Para ele, ser tão emocional e cru, mesmo mantendo um fluxo impecável, é surpreendente. Ao escutar tudo pela primeira vez, nem parece ser do mesmo homem que criou “The Blueprint” (2001) ou “The Black Album” (2003). Em outras palavras, “4:44” é o seu projeto mais honesto e vulnerável até hoje. Shawn Carter fala sobre o seu legado, ego e o futuro de sua família. Não há dúvidas de que ele sempre será um dos grandes do hip hop. Acumular uma fortuna estimada em quase 1 bilhão de dólares é uma conquista para poucos.