“The Thrill of It All” ainda possui lindas músicas de coração partido, mas nem todas são bem sucedidas.
Inicialmente, Sam Smith chegou aos olhos do público quando participou de “Latch” do Disclosure. Desde então, ele passou a acumular milhares de vendas e diversos prêmios, incluindo 4 Grammy Awards e 1 Oscar por “Writing on the Wall”. Após lançar o seu primeiro álbum, “In the Lonely Hour” (2014), ele se transformou em uma conhecida estrela mundial. Precedido pelo single “Too Good at Goodbyes”, bem como as faixas promocionais “Pray” e “Burning”, o seu novo álbum de estúdio, “The Thrill of It All”, foi lançado em 03 de novembro. É formado por letras que falam sobre amor, perda, oração, aceitação e autoestima. Na maior parte, fornece um som mais maduro e coeso do que sua estreia, além de performances vocais mais encorpadas e vulneráveis. É uma boa vitrine do seu talento e crueza. Inspirado pelo desgosto de um relacionamento, é um álbum visivelmente mais honesto – boa parte do repertório possui dolorosas, mesmo que indulgentes em sua tristeza. Há momentos em que Sam Smith escapa por pouco das armadilhas repetitivas de álbuns desse tipo. Mas infelizmente ele acaba se permitindo cair em um território tedioso. De fato, Smith tem um coração bastante machucado. Ele está procurando por um amor cinematográfico e sabe o que é ansiar por alguém que mal percebe que está vivo.
Ele está bem familiarizado com o desespero romântico, o tipo de estado em que você trai tudo em que acredita porque está muito sozinho. E ele se tornou uma das maiores estrelas pop desta década porque estava disposto a pegar todos esses desejos, não importa o quão embaraçosos são, e colocá-los em termos que todos possam entender. E “The Thrill of It All” usa o mesmo método que fez de sua estreia um sucesso comercial. Mas quando você se torna tão bem-sucedido assim tão rápido, não há sentido em se reinventar. Ou seja, “The Thrill of It All” se baseia nos mesmos pontos fortes que fizeram de “In the Lonely Hour” (2014) uma das estreias de maior sucesso desta década. Mais uma vez, suas baladas são construídas em torno de melodias tristes de piano e complementadas com arranjos corais. É uma fórmula que permanece comercialmente incontestável, mas pode ser exaustiva, especialmente no decorrer de um álbum inteiro. Sua marca específica de tristeza é escura e pegajosa como o açúcar, e canções decentes são igualmente capturadas. “Too Good at Goodbyes” é uma revelação dolorosa de alguém que reconhece que seu namoro está chegando ao fim. Smith está mais preocupado com o seu bem-estar emocional do que com o futuro do seu relacionamento.
Co-produzido pelo frequente colaborador Jimmy Napes, é um hino para aqueles que desistiram de ser felizes ao lado da pessoa que ama. Liricamente, “Too Good at Goodbyes” pisa no mesmo território do seu primeiro álbum – uma balada pop emocionalmente erguida por uma produção influenciada pelo gospel. Os elementos corais, sem dúvida, fornecem uma textura incrivelmente agradável. “Eu penso em você enquanto eu durmo / Eu sonho com o que podemos ser se crescermos”, Smith diz em “Say It First”. Outra canção midtempo suave e terapêutica direcionada para aqueles que já experimentaram um amor não correspondido. Enquanto é conduzida por uma guitarra melancólica, algumas leves batidas invadem o refrão. Também imita habilmente o som temperamental e espacial da banda The xx, embora se arraste com uma carência desesperada. O segundo single, “One Last Song”, expressa raiva, decepção, arrependimento e frustração – ele realmente consegue evocar diferentes emoções nessa canção. Em outras palavras, é uma despedida para o homem que assombrou o “In the Lonely Hour” (2014). Uma peça de blue-eyed soul com sensação clássica, refrão tipicamente emocional, piano saltitante e sample de “Be a Lion” (The Wiz Original Cast).
Em seguida, a cativante “Midnight Train” aborda acontecimentos posteriores a uma ruptura amorosa. É quase o oposto de “Say It First”, pois mostra Sam Smith no outro lado do amor não correspondido. O conteúdo lírico emparelhado com a produção influenciada pelo doo-wop cria uma justaposição bem interessante. Melodicamente, parece uma versão em câmera lenta de “Creep” do Radiohead – Smith se encontra agonizando para deixar um relacionamento que não está funcionando: “Eu sou um monstro? O que sua família vai pensar de mim?”. “Burning” possui apenas o suporte do piano, uma vez que toda atenção é voltada para a performance vocal; a simplicidade da composição combinou muito bem com o lirismo turbulento. É uma balada soul apaixonada com belas harmonias e arranjos minimalistas. Um dos temas mais comuns do álbum é a fé e sexualidade – “HIM” é provavelmente o melhor exemplo da mesclagem desses dois temas. Aqui, ele vive na pele de um adolescente gay que luta para conciliar sua educação religiosa e sua orientação sexual de forma intrigante. Com um tema assim, parece adequado que a música possua um forte coro gospel e um grande apoio do piano.
Smith confessa o seu amor por outro homem e explora habilmente a interseção da fé, aceitação e intolerância. Sua voz surge de forma confiante e melancólica quando ele canta o refrão. “HIM” é uma escolha surpreendente para alguém que evitou conscientemente os pronomes de gênero no seu álbum de estreia, para que heterossexuais também pudessem se encontrar em suas músicas. Essa é uma maneira justa de descrever “The Thrill of It All” como um todo: é um começo, ou pelo menos um novo. Em “Baby, You Make Me Crazy”, Smith opta por uma produção mais otimista e animada – embora seja tão emocionalmente carregada como o restante do álbum. Ele fornece alguns sons jazzísticos saltitantes e visa afogar seus pensamentos em uma única noite. Além de empregar um som doo-wop e excelentes falsetes no refrão, a animada melodia e os instrumentos de metais causam um contraste adequado com as letras: “Por que você tem que preencher meu coração com tristeza?”. A penúltima faixa, “Palace”, o encontra relembrando das boas lembranças de um relacionamento do passado. Dessa vez, o som exuberante e rítmico das faixas anteriores foi substituído por uma guitarra de influência irlandesa. Embora o desempenho vocal e os falsetes sejam bons, não é uma faixa tão memorável.
Além disso, o lirismo é desperdiçado no momento que faz uso de vários clichês. “Pray”, inspirada na viagem do Sam Smith ao Iraque, foi produzida por Timbaland – ela faz uma mistura de R&B, soul, hip hop e gospel. Sua premissa é fascinante, dada a notória ingenuidade do cantor: para onde você se volta quando simplesmente não consegue ignorar o que está acontecendo no mundo ao seu redor? Enquanto ele contempla a religião, ouvimos o apelo honesto de um homem pecador que possui muitas perguntas. É a única faixa que não lida diretamente com sua própria vida amorosa. É uma canção profunda e pessoal, independentemente da religião que você segue. Por fim, a faixa bônus sobressalente “Nothing Left for You” convoca a mesma raiva genuína que tornou a irritante “I’ve Told You Now” um destaque do “In the Lonely Hour” (2014). Em suma, Smith parece uma pessoa bem-intencionada e ingênua, cuja música se reconcilia com o fato de ser um dos gays mais famosos do mundo. “The Thrill of It All” é um passo confiante se comparado com a sua estreia. Ainda é uma coleção de incertezas, mas possui um repertório mais consistente. Algumas músicas correm o risco de serem um pouco parecidas entre si, mas sua voz e entrega conseguem se sobressair.