Não é apenas a PC Music que deixa o “Pop 2” tão distante do mainstream, mas também a maneira como as batidas e vozes são espetacularmente integradas.
Charli XCX ganhou fama em 2013 depois de emprestar seus vocais para “I Love It” do duo Icona Pop. Em 2014, ela ajudou Iggy Azalea a tornar “Fancy” em dos maiores hits do ano. Concomitantemente, XCX conseguiu o seu primeiro sucesso internacional com “Boom Clap”, faixa da trilha sonora do filme “A Culpa é das Estrelas”. Seu estilo é uma mistura singular de pop, punk e música eletrônica, que a diferencia de outros artistas contemporâneos do mainstream. Em sua mais recente mixtape, “Pop 2”, XCX nos apresenta uma visão de um possível futuro da música pop. Ela fornece colaborações inesperadas, diversidade, experimentação, melodias pouco convencionais e letras acima da média. Os efeitos instrumentais e os seus vocais trabalham em conjunto, a fim de entregar emoções desordenadas e sensações estranhas. Há um pouco de tudo no “Pop 2”, desde vocais distorcidos e modificados até colaborações com artistas de diferentes países. Com o lançamento da mixtape “Number 1 Angel” (2017), XCX capturou a atenção do público mais uma vez. Mas quando o ano estava quase terminando, ela ainda teve tempo para lançar uma mixtape muito melhor. Uma das coisas mais especiais sobre este projeto é como a escrita fornece um grande contraste sobre as batidas.
Um material que proporciona acenos para o estilo mais profundo e emocional da Charli XCX – fazendo nos recordar brevemente do “True Romance” (2013). Onde “Number 1 Angel” (2017) extraiu forças do electropop, “Pop 2” assume ritmos mais vertiginosos e influências de gêneros como dance-pop e pop experimental. Com este trabalho, XCX nos mostrou que, ao lado de músicos e produtores talentosos, é possível experimentar e compartilhar diferentes experiências. Há uma incansável energia criativa sobre esta mixtape que cruza as fronteiras e continentes. O fundador da PC Music, A.G. Cook, possui crédito de produção em todas as dez faixas, por isso não é surpreendente que a maior parte do repertório faça uso de ritmos hiperativos, arpejos de sintetizadores e vocais agressivamente modificados. E mesmo onde não existe este tipo de acrobacias que desafiam a música pop, XCX e seus produtores exibem um senso de diversão e experimentação. Auto-sintonizada e totalmente descontraída, “Pop 2” é o pop no seu estado mais experimental. Como já mencionado, A.G. Cook foi um dos principais responsáveis pela criação da mixtape. Ele está por trás das batidas eletrônica pulsantes e sintonização automática. Cook e XCX mostraram como é possível usar o auto-tune com qualidade.
Ademais, “Pop 2” vê a britânica reunindo um elenco formidável de diferentes artistas num só lugar, que incluem a sueca Tove Lo, a dinamarquesa MØ, a canadense Carly Rae Jepsen, a filandesa ALMA, a drag queen brasileira Pabllo Vittar, o estoniano TOMM¥ €A$H, a alemã Kim Petras e as rappers americanas Brooke Candy e CupcakKe. Tantas colaborações assim podem ser um fator de risco, mas no “Pop 2” isso só ajudou a levar o projeto para novas alturas. Assim como as batidas futuristas e honestidade lírica, os artistas de diferentes países só colaboraram positivamente. Ao lado de tantos músicos talentosos, Charli XCX conseguiu criar um trabalho completamente original. Livre de qualquer restrição, ela foi capaz de aprofundar-se num mundo experimental. Doce e sincera em algumas faixas e alimentada por drogas e sexo em outras, XCX criou um espectro verdadeiramente intrigante. “Pop 2” pode estar longe do estilo do “SUCKER” (2014), mas isso é apenas um testemunho da versatilidade e evolução da XCX. Embalado até a superfície pela estranheza, harmonias dissonantes e batidas complicadas, a mixtape exige ser tocada em volume alto. Em vez de abraçar completamente o mainstream genérico, Charli prova que é corajosa o suficiente para experimentar.
“Pop 2” abre com “Backseat”, uma colaboração inusitada com Carly Rae Jepsen. A atmosfera guia XCX pelas mesmas emoções encontradas no “E•MO•TION” (2015). Os versos são curto e simples, à medida que a produção constrói um clímax incrivelmente contagiante. As batidas rígidas e os sintetizadores crescentes são obviamente infecciosos. Após iniciar com sons robotizados, a música fornece ruídos aleatórios por toda sua extensão. Ademais, a presença da Carly Rae Jepsen foi uma característica muito excitante. A composição é evocativa ao extremo, principalmente pelas combinações líricas. Em outras palavras, é um número downtempo doloroso, expressivo e bem aventurado. O primeiro single, “Out of My Head”, com ALMA e Tove Lo, também possui sons que não se harmonizam. Entretanto, isto acaba sendo surpreendentemente positivo. É um hino electropop cativante com maravilhosos sintetizadores que nos dá um completo vislumbre da mixtape. A escuridão continua fervendo em torno de linhas como: “Comprimidos, poções e coisas terríveis / Coração no chão quando o telefone tocar / Todas as mentiras que eu só quero acreditar / Solte toda a minha moral, eu só quero pecar”, Tove Lo canta.
A maneira como as três se juntam para criar um banger coeso e igualmente cativante, é simplesmente espantoso. A química apresentada por elas traz a música para a vida. O instrumental contagiante contorce em torno de suas vozes e vicia logo na primeira escuta. Entre a longa lista de colaborações da mixtape, existem duas músicas solo da Charli XCX. Uma delas é a balada “Lucky”, a terceira faixa do repertório. Os vocais estão intencionalmente distorcidos e parecem um disco riscado. Possui um tom mais lento e obscuro do que o restante da mixtape. O auto-tune e os ecos eletrônicos são misturados adequadamente e justapostos por uma performance vocal sombria. Em “Tears”, XCX colabora com Caroline Polachek a fim de criar um número peculiar. Sua composição, atada por sintetizadores industriais e fortes tambores, é muito mais pesada em termos de som e substância. A batida de trap, os sintetizadores mais cintilantes e os gritos ao fundo, conseguem inusitadamente acrescentar um profundo nível de emoção à música. O single promocional “I Got It” é um hino atrevido que enaltece o poder feminino e a positividade corporal.
É um banger minimalista e excêntrico com participação de Brooke Candy, CupcakKe e Pabllo Vittar, que nos fornece um vislumbre de tudo o que a música pop poderia ser. Sem dúvida, é uma das faixas de maior destaque da mixtape. “I Got It” começa firmemente no território trap com vocais distorcidos, forte percussão, excelente linha de baixo e pontapés poderosos de Brooke Candy. “Peitos grandes, tamanho extra G / Sem silicone e sem solução salina / Elas têm inveja de mim”, ela rima demonstrando confiança em seu corpo. Além de sonicamente insana, “I Got It” possui uma das melhores melodias e convidados do álbum. O refrão parece um robô, mas são esses vocais distorcidos que dão um ar experimental e futurista para a canção. A torção vocal da Charli faz a batida evoluir ao longo de sua execução e captura diferentes tons. Cada mudança de ritmo consegue criar alguns dos melhores momentos da mixtape. CupcakKe entrega o seu verso com um instinto assassino incomparável. Cada palavra que ela diz parece ter uma força descomunal. Em seguida, Pabllo Vittar canta em português sobre uma paisagem euro-house construído por sintetizadores cintilantes. Novamente, há uma mudança de ritmo que transporta a música para outro dimensão.
“Controlo qualquer um com a minha bruxaria / Minha bunda é mais forte que feitiçaria / Encanta, magia, atiça, vicia”, ela canta. Para “Femmebot”, XCX recrutou Dorian Electra e Mykki Blanco para criar uma realidade feminista. “Eu recebo o que eu quero / Goste ou não”, ela canta insinuando que está no comando. Os sons robotizados que tocam em segundo plano, misturados com a batida e a linha de baixo formam uma combinação excelente. “Delicious”, com o rapper TOMM¥ €A$H, fornece um refrão tranquilo e atraente. O instrumental segue pela mesma fórmula de “I Got It”, e muda de paisagem sonora a todo momento. O pano de fundo e os vocais combinam-se para criar uma pista altamente envolvente. É um número alternativo com sintetizadores estilizados e entrega vocal sensual. Mas embora o fluxo do TOMM¥ €A$H seja bom, o conteúdo lírico deixa a desejar. A faixa mais comercial do álbum, “Unlock It”, com Kim Petras e Jay Park, possui um refrão hipnótico e viciante. Uma música de amor aventureira que nos leva por um verdadeiro “passeio de montanha-russa”. “Porsche”, com MØ, é outra faixa essencial que explora temas importantes enquanto te faz querer dançar. Mas depois de nove faixas preenchidas com auto-tune, sintetizadores e linhas de baixo, o álbum chega ao fim com “Track 10”.
Essa faixa era anteriormente intitulada “Blame It On Your Love” e não iria ser incluída na mixtape. No entanto, foi retrabalhada e novamente editada. Agora intitulada apenas de “Track 10”, ela exibe um lado igualmente angustiante e vulnerável. Apesar de ser conduzida através de camadas de auto-tune, sua voz está mais emotiva do que nunca. Ela revela detalhadamente os seus medos e falhas. “Eu adoro quando você precisa de mim”, ela canta. Experimental e eufórica em alguns momentos, repetitiva e maluca em outros, é uma peça elétrica com mais de 5 minutos de duração – perfeita para encerrar o material mais convincente da Charli XCX até à data. “Pop 2” é um dos melhores projetos de 2017 por conta de sua qualidade e criatividade. Sua capacidade em empurrar os limites da música pop é muito admirável. Esta mixtape demonstra com propriedade todos os seus pontos fortes. Mais uma vez, ela provou o quanto é talentosa e que não tem medo de ser criativa. “Pop 2” é uma discoteca futurista que mostrou o quanto Charli XCX cresceu. Certamente, a indústria precisa de mais artistas inclusivos e inventivos como ela. “Number 1 Angel” (2017) é uma ótima mixtape, mas “Pop 2” é excelente! Agora, só podemos esperar que Charli XCX continue se desenvolvendo dessa forma.