“Revival” não possui qualquer inspiração por trás e é formado pelas piores tendências do momento.
Desde que lançou o “The Slim Shady LP” (1999), Eminem tem permanecido no topo da indústria da música. Ele já ganhou 15 Grammy Awards, 1 Óscar e vendeu cerca de 172 milhões de álbuns e singles. No final de 2009, o rapper foi eleito o artista da década pela Billboard Magazine – pelo enorme sucesso nos charts dos Estados Unidos. No entanto, mesmo com um grande sucesso comercial, Eminem já passou por grandes adversidades em sua vida. Em 2007, por exemplo, quase morreu de overdose de metadona. Lançado em 15 de dezembro, seu nono álbum de estúdio provavelmente matou a saudade dos seus fãs. “Revival” possui dezenove faixas e chega a impressionante marca de 77 minutos de duração. Algo comum para ele, mas uma média muito longa para a indústria. Marshall Mathers é o rapper mais conhecido de todos os tempos e possui os maiores números de vendas do gênero. Em seu auge, ele dominou as paradas e influenciou uma geração inteira. No início da década de 2000, Eminem atraiu a atenção por conta dos seus personagens – muitas vezes cômicos – e cuspiu rimas na velocidade da luz. Entretanto, “Revival” não faz jus ao seu legado. É um LP confessional que reflete sobre inseguranças, fama, relações familiares, depressão, abuso de drogas e esfera política.
Aos 45 anos de idade é natural que o rapper preferisse explorar temas como esses. Porém, ele se perde em meio a tantas dúvidas, refrões carentes de qualidade e piadas sem graça. A estrutura do álbum é definitivamente uma bagunça e tropeça na infinidade de temas. Além disso, as faixas mais políticas não solidificam sua opinião e pecam pela falta de foco. Basicamente, Eminem apenas repete o que outros artistas de hip hop vêm dizendo desde a última eleição presidencial dos Estados Unidos. Dito isto, “Revival” não possui comentários inteligentes, criativos ou inovadores. Apenas vê Marshall Mathers repetindo ideias de outras pessoas sobre batidas mal produzidas. Pela primeira vez, Eminem se mostra inseguro sobre determinado assunto e não reproduz algo substancial. Em outras palavras, “Revival” proporciona uma experiência auditiva completamente exaustiva. As poucas mensagens perspicazes são ofuscadas pela produção boring e sem brilho. Mas a primeira voz que ouvimos é de ninguém menos que Beyoncé. “Walk on Water” é uma balada de piano que, além de apresentá-la nos vocais, possui a presença de Skylar Grey no piano. É uma canção que explora o peso de cumprir com as expectativas que são colocadas sobre você. Eminem discute sua possível irrelevância de forma extremamente emocional.
“Eu ando na água / Mas não sou Jesus / Eu ando na água / Mas só quando congela”, Beyoncé canta no gancho principal. Depois do belo refrão realizado por ela, Eminem fala honestamente sobre o medo de decepcionar os fãs. “Por que nossas expectativas são tão altas? / Essa é a barra do padrão que eu impus?”, ele se pergunta. “Walk on Water” é uma música honesta, mas igualmente autodepreciativa. “É a maldição do padrão / Que o primeiro álbum Mathers impôs / Sempre buscando o verso que ainda não criei / Para manchar todo legado, amor ou respeito que eu conquistei? / E sempre parece que estou alcançando o objetivo / Até eu sentar no carro, escutar, e começar a encontrar defeitos / Tipo: essa merda é um lixo”, ele diz no segundo verso. Marshall fala sobre as lutas que necessita enfrentar no jogo do rap, dizendo que sempre precisa se superar para cumprir com a expectativa das pessoas. “Walk on Water” é conduzida por um piano de cauda e arranjo de cordas que usa uma estrutura parecida com a de “Love the Way You Lie”. O lindo refrão cantado por Beyoncé parece indicar que o álbum será introspectivo e maduro. Entretanto, imediatamente o registro mergulha num repertório ambicioso e obsoleto.
Lançada como single promocional, “Untouchable” fornece uma discussão sobre a brutalidade policial e o racismo nos Estados Unidos. Uma canção de rap rock que tenta cobrir a tensão racial sobre um cenário delirante e apoio de uma pesada guitarra elétrica. Embora a mensagem seja interessante, a produção é confusa e prejudica o contraste das letras. Produzida por Emile Haynie, “River” é uma colaboração entre Eminem e o onipresente Ed Sheeran. É uma música de hip hop e folk sobre um relacionamento com uma mulher casada que leva adiante uma gravidez indesejada. Sem dúvida, “River” é bastante comercial e radiofônica, especialmente por causa do gancho interpretado pelo Ed Sheeran. Entretanto, carece de substância e a repetição torna sua escuta muito cansativa. “Remind Me” possui fortes riffs de guitarra elétrica e boa amostragem de “I Love Rock ‘n Roll” (Joan Jett and the Blackhearts). Porém, sua credibilidade é jogada pelo ralo quando ficamos atentos às letras. Liricamente, é grosseira e de mau gosto, especialmente porque o Eminem volta a canalizar seu alter-ego Slim Shady. “Você está usando essas calças que não te servem / Essa bunda nem mesmo se entrega / É por isso que você fica bem nisso, não importa o quê, hein?”, ele rima.
Mais tarde, ele fornece mais piadas juvenis: “Estou olhando para seu traseiro apertado como um turista / Sua bunda é forte como a diarreia”. Depois de tantas canções embaraçosas, eu me pergunto porquê ele transformou num interlúdio uma faixa com o potencial de “Revival (Interlude)”. Ela apresenta um breve verso da falecida Alice and the Glass Lake e elementos de “Human of the Year”, de Regina Spektor. Em seguida, “Like Home”, com Alicia Keys, fala sobre o orgulho de ser americano, mas repreendendo a América governada por Donald Trump. Dessa vez, Eminem entra em defesa dos Estados Unidos e contra-ataca a ameaça de Trump. É bom vê-lo usando sua voz para comentários sociais, enquanto Alicia Keys fornece tons motivacionais por trás. É certamente a maior declaração política do repertório. Skylar Grey, que co-escreveu várias faixas do álbum, canta o refrão de “Tragic Endings”. Aparentemente, esta música é sobre o relacionamento entre ele e sua ex-esposa Kim Scott. Embora o refrão não seja marcante ou poderoso, a doce voz da Skylar Grey é um contraponto agradável para as suas revelações desesperadoras. Apesar de usar um riff de guitarra aceitável, as letras de “Heat” apenas falam sobre querer fazer sexo com uma mulher. Como boa parte de suas músicas sobre mulheres, “Heat” faz algumas referências pesadas e explícitas.
No ano passado, Eminem participou do último álbum da P!nk em uma canção chamada “Revenge”. Consequentemente, ela quis retribuir o favor participando da cativante “Need Me”, a décima sexta faixa do “Revival”. Sua voz se encaixou muito bem ao lado do baixo e da bateria, enquanto Eminem fornece algumas harmonias vocais durante os versos. Surpreendentemente, o álbum fecha com três faixas muito sólidas. A primeira delas, “In Your Head”, possui uma excelente amostragem de “Zombie”, hit da banda The Cranberries. Liricamente, é sobre sua fuga da realidade para a dependência de drogas durante os anos 2000. Num registro cheio de batidas mal acabadas, a guitarra cativante de “In Your Head” combinou perfeitamente com o fluxo do Marshall Mathers. Ele debate sobre sua instabilidade emocional e estabelece um ótimo clímax para as duas últimas músicas. “Castle” é basicamente uma série de três cartas que Eminem escreveu para sua filha. Ele descreve suas preocupações como pai, menciona o fracasso comercial do seu primeiro disco, aborda seus sonho e, por último, menciona o momento em que quase morreu de overdose. Liricamente, “Castle” é um vislumbre do seu talento narrativo – algo que vimos anteriormente em “Stan”.
Na última faixa, “Arose”, ele está vulnerável e expressa seus sentimentos a respeito do momento em que conseguiu se livrar da metadona. A batida sombria e o vocal lutuoso foram o suporte ideais para suas rimas. No “Revival”, Eminem tentou explorar diferentes gêneros e ser mais político, mesmo permanecendo fiel ao seu estilo. Entretanto, nada disso contribuiu para deixar o álbum mais impactante. Em suma, “Revival” falha na tentativa de ser verdadeiramente marcante e carece de melhores ideias. Elementos para fazer sucesso estão espalhados pelo seu interior, mas ele não se preocupou em organizá-los da melhor forma. Em sua maior parte, Eminem ficou preso em suas inseguranças e por um momento nem parece aquele que já foi um dos melhores da indústria. Aliás, há muito tempo ele não lança um clássico como “The Slim Shady LP” (1999), “The Marshall Mathers LP” (2000) e “The Eminem Show” (2002). No decorrer dos anos, ele amadureceu como ser humano, mas sua música não evoluiu da mesma forma. Desta vez, os lendários Dr. Dre e Rick Rubin não foram capazes de produzir algo inspirador ou instantaneamente cativante. Musicalmente, assim como seus três últimos discos, “Revival” é particularmente frustrante.