Com um bom corte na enorme tracklist, Migos poderia ter criado um álbum muito mais consistente.
Quase um ano depois de lançar o “C U L T U R E” (2017), Migos está de volta com a sequência do mesmo. Foi este álbum que colocou o trio no mapa, principalmente depois que “Bad and Boujee” estourou. Conforme o ano foi passando, os rappers só conseguiram aumentar sua popularidade. Por isso, “Culture II” vinha sendo ansiosamente aguardado pelos fãs de hip hop. Embora seja outro projeto poderoso, é extremamente longo. Ele possui 24 faixas e mais de 1 hora e 45 minutos de duração. Nenhuma música é particularmente ruim, mas várias podem ser consideradas fillers. Como o esperado, “Culture II” está repleto de temas habituais de Quavo, Offset e Takeoff – como mulheres, carros, sexo e drogas. O grande problema é a forma preguiçosa e repetitiva que eles abordam tais assuntos. Eu tinha uma grande expectativa com relação ao “Culture II”, uma vez que o disco anterior era tão bom. Atualmente, Migos é um dos maiores nomes da música trap, ao passo que dominou o gênero e o tornou cada vez mais difundido. Obviamente, “Culture II” está preenchido com grandes nomes do hip hop, como Drake, Post Malone, Travi$ Scott, 21 Savage, Nicki Minaj e Big Sean. Além disso, vários produtores conhecidos marcam presença, como Metro Boomin, Murda Beatz, Pharrell Williams e Zaytoven.
Entretanto, conforme você vai escutando o álbum, começa a encontrar diversas repetições, redundâncias e semelhanças entre as músicas. O trio poderia ter cortado quase metade do repertório, a fim de criar algo mais conciso. Provavelmente, os fãs do trio de Atlanta não procuram substância em suas músicas. Mas às vezes suas rimas, por mais que sejam bem elaboradas, tornam-se demasiadamente repetitivas. Como um todo, “Culture II” não é completamente ruim, mas há grandes falhas dentro dele. Como mencionado, o maior problema é sua duração, pois o trio não possui um lirismo aperfeiçoado para suportar um álbum desse tamanho. Aliás, o longo comprimento parece apenas uma maneira de capitalizar o álbum nos serviços de streaming. Enquanto o trio não se esforça para inovar, os raros momentos em que eles saem da zona de conforto são os melhores. O melhor exemplo disso é “Stir Fry”, o segundo single do álbum. Produzida pelo Pharrell, é uma faixa cheia de referências alimentares e frases espirituosas. Além de ser imensamente cativante e sonoramente otimista, é um irresistível banger. Sem dúvida, a produção desempenha um papel muito importante. A atmosfera sedutora e extremamente rítmica, bem como os sintetizadores, alimentam o vocal do Migos.
A influência de funk e soul partiu do Pharrell, da mesma forma que a batida incrivelmente dinâmica. Porém, Quavo, Offset e Takeoff também merecem créditos pelas rimas instantaneamente contagiantes. A produção é a mais funk, rítmica e complexa que o Migos já colocou as mãos. Em outras palavras, o baixo, os bongôs, chimbais e sintetizadores provocam uma audição incrivelmente divertida. O álbum começa com uma introdução chamada “Higher We Go (Intro)”, que pavimenta o caminho para o fluxo ágil do grupo. Enquanto cordas são colocadas ao fundo e Quavo lidera o refrão, a música fala sobre a fama que eles ganharam nos últimos anos. “Supastars” mostra os três membros divertindo-se ao falar sobre carros, dinheiro e estilo de vida luxuoso. Produzida por Honorable C.N.O.T.E. e Buddah Bless, é uma faixa com um alto valor de produção, apesar de não possuir o mesmo encanto de “Stir Fry”. Embora não tenha nada de especial, traz uma batalha trap futurista sobre uma ótima estrutura. Sua produção é realmente deslumbrante, com várias texturas e camadas trazendo um brilho real. Os acordes de teclado encaixaram-se muito bem com a percussão e sintetizadores atmosféricos.
Como mencionado, “Supastars” é uma descrição bem direta da vida de Quavo, Offset e Takeoff. Linhas como “superestrelas, carros novos, nós compramos o bar agora”, descrevem o estilo de vida selvagem e despreocupado dos três. As batidas são provavelmente uma das mais interessantes do “Culture II”, principalmente por complementar perfeitamente os sintetizadores de alto timbre e a linha de baixo ameaçadora. Mas não dá para negar que “Supastars” é o Migos no piloto automático, falando sobre os mesmos temas. Em seguida, “Narcos” apresenta uma vibe sul-americana em referência à série de mesmo nome da Netflix. Ela começa com uma batida produzida a partir de uma guitarra e fornece leves toques latinos. Uma canção vibrante e um interessante passeio inspirado em Pablo Escobar. Sonoramente, a tradicional vibração do Migos é mesclada com notas de baixo, sintetizador e um sabor latino. “BBO (Bad Bitches Only)”, com 21 Savage, foi produzida por ninguém menos que Kanye West. É uma das poucas faixas onde o refrão não é tratado por um dos membros do trio. Em vez disso, 21 Savage ocupa o centro do palco, fornecendo um refrão caracteristicamente impassível com alguns auto ajustes. Como uma das produções mais colaborativas do álbum, a batida é dinâmica e permite cada membro tomar direções drasticamente diferentes.
Em um álbum que às vezes pode parecer inchado, “BBO (Bad Bitches Only)” surge como uma das faixas mais inventivas, mesmo sem perder o foco do que o Migos faz de melhor. Ela possui um dos refrões mais memoráveis do registro, provavelmente devido à sua simples repetição. Dito isto, o Migos parece ter um melhor desempenho quando outros artistas aparecem em suas músicas. Uma amostra de soul dos anos 60 dá lugar a uma linha de teclado descontraída. Enquanto isso, os trompetes moldam o fluxo com uma linha mais clássica de instrumentos inspirados nos anos 80. Com certeza, a colagem de sons africanos e orientais foi ideia do Kanye West. Ele ainda teve a oportunidade de combinar arranjos de metais com uma discreta linha vocal de influência gospel. Os tambores saltam de um lado para o outro, ao passo que Takeoff fornece o melhor desempenho. Enquanto os trompetes dão lugar ao teclado em loop, “BBO (Bad Bitches Only)” condensa anos de peculiaridade em uma dose única de euforia. Lançada como terceiro single, “Walk It Talk It” é uma colaboração entre Migos e o Drake. O videoclipe, dirigido por Daps e Quavo, foi lançado em 18 de março e apresenta artistas como Jamie Foxx e Lil Yachty.
No vídeo, Migos e Drake atuam num antigo show fictício de dança chamado “Culture Ride”, conforme Jamie Foxx interpreta o apresentador Ron Delirious. Sonoramente, “Walk It Talk It” é uma música com versos incríveis, porém, um pouco irritante por causa do terrível refrão interpretado por Quavo. Ao todo, ele repete descontroladamente a linha “walk it like I talk it” cerca de oitenta vezes. Para você ter uma ideia, Quavo repete a mesma linha por 45 segundos seguidos no início da música. Na verdade, Drake é provavelmente o maior destaque. Quando ele aparece, é justamente o momento em que a faixa torna-se mais interessante. Os sinos de fundo conseguem criar uma atmosfera assustadora, ao passo que a batida oscila ao longo da música. Os bizarros ganchos de “Walk It Talk It” dão à ela um ambiente escuro que a diferencia das demais, assim como a entrega excêntrica. O único ponto negativo é realmente a sua repetitividade. A batida é extremamente sólida, mas a repetição lírica faz ela perder o seu valor de replay. Se Quavo tivesse gasto tempo com outras pronúncias, ele teria deixado a música melhor. “Emoji a Chain” traz o estilo comum e automático do Migos, que já ouvimos com frequência no passado. O ritmo é simplista e a estrutura básica, mas felizmente contém boas melodias.
Certamente, o seu lirismo divertido entrou em consenso com a produção do Metro Boomin. O papel proeminente do Offset no pré-refrão combinou com a batida cativante e o estilo descontraído das letras. “CC” possui uma sensação vintage, um fluxo suave e versos de Gucci Mane. Desta vez, encontramos vários sintetizadores etéreos e um baixo pulsante fazendo o papel principal. Produzida por Zaytoven, “Too Much Jewelry” combina a delicadeza das teclas de piano com toques de flauta. Mesmo com o pesado auto-tune, é uma canção ambiciosa com maior impulso criativo. “Gang Gang”, por sua vez, possui letras repetitivas e satíricas, mesmo que pareça autoconsciente. A sutil linha de baixo e os vocais dão lugar a um refrão repetitivo e igualmente infeccioso. Apesar do enorme elenco de “White Sand”, suas linhas de sintetizador e batidas são muito básicas. É um número tão esquecível que nem mesmo a presença de Travi$ Scott, Ty Dolla $ign e Big Sean conseguiu salvá-lo. Conforme ultrapassamos a metade do álbum, encontramos o Migos distorcendo seu estilo em torno de produções mais incomuns, como em “Crown the Kings” e “Flooded”. Em ambas faixas, eles realmente conseguem transformar suas letras genéricas em algo mais ousado. “Crown the Kings”, em particular, contém elementos de “Get Up, Stand Up”, single do Bob Marley and the Wailers.
Enquanto “Beast” é extremamente simples, “Open It Up” apresenta órgãos e sintetizadores a fim de aumentar sua grandeza e empurrar as rimas do trio acima de sua energia habitual. O primeiro single, “MotorSport”, é um número de hip hop e trap com vocais das rappers Nicki Minaj e Cardi B. Sem dúvida, a presença de ambas artistas conseguiu elevar sua escuta. Elas dominam a faixa ao lado das batidas e reverberações, e adicionam uma maior intensidade e ferocidade à mesma. Enquanto o Migos continua falando sobre seu estilo de vida luxuoso, Nicki Minaj e Cardi B concentram-se em competir com seus inimigos. O verso da Cardi está no ponto, conforme ela faz referências à “Gasolina” do Daddy Yankee: “Eu sou a Selena do trap / Dame más gasolina”. Ademais, “MotorSport” faz referências à várias celebridades, como Jackie Chan, Yo Gotti, Britney Spears e Lil Boosie, e à diversas marcas, como Chanel, Lamborghini, Givenchy, McDonald’s e Porsche. Apesar da instrumentação intrigante, “Movin’ Too Fast” e “Work Hard” não agregam em nada e são enfraquecidas pelas mensagens vazias do trio. “Notice Me”, por outro lado, é um dos maiores destaques da segunda metade do repertório. Apresentando Post Malone, é uma música mais lenta e descontraída.
Mesmo que possua os temas familiares do Migos, como a fama e o luxo recém-adquiridos, é uma peça surpreendentemente introspectiva. É uma lufada de ar fresco, após uma sequência de faixas tão monótonas. Embora a música tenha um senso de arrogância, termina com uma nota humilde quando Offset diz: “Fiquei de joelhos, orando para Deus me cobrir”. “Too Playa”, com 2 Chainz, apresenta um inesperado saxofone jazzístico em conjunto com outra pesada batida de trap. “Made Men”, em contrapartida, é uma peça de R&B com uma energia mais clássica e otimista. Assim como boa parte da tracklist, “Top Down on da Nawf” possui batidas repetitivas e um lirismo extremamente fraco. Felizmente, o álbum termina com a suave batida e linda melodia de piano de “Culture National Anthem (Outro)”. Inesperadamente, o trio resolve focar na igualdade social, em vez de explorar novamente temas como sexo, dinheiro e drogas. Uma música que compartilha uma mensagem positiva, especialmente para a comunidade negra. Em “Culture II”, podemos dizer que a quantidade ficou acima da qualidade – um álbum em boa parte monótono e particularmente preguiçoso. Há algumas faixas muito boas, mas é impossível evitar a sensação incômoda de que poderia ser um projeto muito melhor. Em outras palavras, é um álbum bem chato e arrastado.