Tudo somado, “Tranquility Base Hotel & Casino” é um movimento bastante ousado e expansivo.
Desde que explodiu em cena com seu debut álbum “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not” (2006), um dos mais vendidos de todos os tempos no Reino Unido, a banda Arctic Monkeys conseguiu manter o controle de qualidade, mesmo empurrando o seu som a cada novo lançamento. O quarteto inglês estava bem estiloso em seu álbum de estreia, conforme as guitarras barulhentas tocavam através de uma velocidade incrível e os distorcidos riffs traduzidos em letras de adolescentes ingleses que fumavam cigarros em boates para passar o tempo. A entrega vocal sarcástica do vocalista era ao mesmo tempo encantadora e luxuosa. Alguns anos mais tarde, eles alcançaram o auge com “AM” (2013), que os viu reequipar sua música com batidas de funk, monstruosos licks de guitarra e letras mais inspiradas. Durante sua última turnê, Alex Turner adotou uma espécie de canto lounge para entreter o público, algo que acabou tornando-se uma pista do que estava por vir. Depois de escrever as músicas com ajuda de um piano em Los Angeles, seus companheiros de banda acharam que tais composições poderiam formar um disco solo. Felizmente, eles acabaram decidindo lançá-lo como o quinto álbum do Arctic Monkeys. Embora Alex Turner seja quase como Robert Smith (The Cure) ou Thom York (Radiohead) – ou seja, o cara visionário por trás da banda.
Mas, provavelmente, “Tranquility Base Hotel & Casino” teria sido uma proposta menos interessante sem a banda inteira. No “AM” (2013), eles arriscaram-se por um beco sem saída que os obrigou a seguir por uma direção intrigante. E, de forma semelhante, este novo álbum oferece algo peculiar. Ele dividiu os críticos, mas na minha opinião, “Tranquility Base Hotel & Casino” é tão bom quanto o seu antecessor. Dado o seu estranho título, não é surpresa que seja um álbum conceitual. Os humanos estão se mudando para a lua e construindo cassinos para o entretenimento, uma espécie de mundo de fantasia cheio de imagens retrô-futuristas. A instrumentação solda teclados com sons dos anos 60 para criar uma vibe que pareça distópica e fictícia, mas ancorada pela realidade das letras inteligentes do Alex Turner. O que inicialmente parecia conceitual e bem alto astral, acabou se tornando bastante pessoal. Além disso, começa com uma confissão hilária: “Eu só queria ser um dos The Strokes”. À primeira vista, tudo parece um típico registro do Arctic Monkeys: 11 faixas com apenas 41 minutos de duração, sem nenhuma música passando da marca de 6 minutos. Mas como todas as coisas envolvendo a banda, há algo escondido por trás da superfície. Na verdade, a estranheza desse disco é mais óbvia do que nunca, já que há poucas guitarras barulhentas no repertório.
O “Tranquility Base Hotel & Casino” é muito mais orientado pelo piano, com o baixo de Nick O’Malley se tornando mais escondido e a bateria de Matt Helders adicionando ritmos mais lentos e jazzísticos. Quanto ao piano, é o principal instrumento que grava cada música. Em outras palavras, trata-se de um lançamento mais barroco e austero que certamente surpreendeu os fãs de longa data. O Arctic Monkeys é sem dúvida uma das bandas de garage rock mais icônicas que surgiram em meados dos anos 2000. Por isso, cada novo lançamento é tão aguardado pelo público. Liricamente, Alex Turner retornou à gloriosa forma, trazendo à vida seu mais recente personagem, um cantor de banda de garagem que viaja para um hotel-cassino na lua. Dito isto, perceba que o “Tranquility Base Hotel & Casino” acontece em um ambiente moderno de ficção científica, vagamente na metade do século, em um futuro pós-apocalíptico não muito distante. O hotel na base lunar que Alex Turner sonha é por vezes psicodélico, sinistro, evocativo e colorido. Certas letras referenciam explicitamente a cultura pop e a política contemporânea. “One Point Perspective” nos leva por águas mais experimentais, culminando com a faixa-título, “Tranquility Base Hotel & Casino”, que utiliza órgãos espaciais para colorir o ambiente.
Apropriadamente, há uma abordagem cinematográfica ao construir o mundo por trás deste álbum. Essa canção apresenta o cassino e serve como um zoom das canções que abordam o personagem central. Esse personagem – que talvez seja baseado no próprio Alex Turner – passa boa parte do álbum questionando as características do mundo ao seu redor, como a tecnologia, as redes sociais, o cinema, a indústria da música, o amor e o capitalismo. O cassino parece abrigar o passado e o futuro. A banda canta sobre uma recepcionista chamada Mark, que dirige as chamadas para o cassino sobre sons eletrônicos e letras sexualizadas. No entanto, há algo mais sombrio debaixo dessa música. A ponte elíptica faz uma pergunta incontestável: “E você celebra seu lado negro? / Então, desejaria nunca ter saído de casa? / Você já passou uma geração tentando descobrir isso?”. Estas perguntas poderiam ser lidas como pessoais, já que parecem referenciar tal recepcionista que tem sido elogiada por sua “escuridão”. No entanto, também pode ser política, visto que evoca imagens do momento dessensibilizado do nosso mundo atual. “Golden Trunks”, por sua vez, trata-se de uma conversa entre dois apaixonados. O bate-papo passa de pensamento para pensamento enquanto um som glam rock cativa o ouvinte.
Em alguns momentos, podemos notar que as letras fazem claras referências a Donald Trump, aludindo um futuro preso por sua autocracia. A partir de músicas como essa, podemos notar que realmente trata-se de um disco politicamente consciente, embora de uma forma mais reflexiva. Musicalmente, “Four Out of Five” é uma canção de glam rock comparada, por alguns veículos de comunicação, com os trabalhos de David Bowie e o projeto paralelo do Alex Turner, a banda The Last Shadow Puppets. Uma das poucas faixas do álbum que apresenta um refrão tradicional. Tematicamente, “Four Out of Five” faz referências a uma variedade de temas, incluindo o espaço e os desastres naturais. Os acenos da deliciosa linha de baixo e a ameaçadora guitarra elétrica são empolgantes e lembram algumas faixas do David Bowie. Há mais contenção e menos urgência, onde cada um dos instrumentos têm seu próprio espaço para brilhar. Algo que começa como um conto hipnótico, floresce com um refrão maravilhosamente melódico: “Acalme-se por um tempo / Venha, e fique com a gente / Quatro de cinco estrelas”. Ademais, quem mais além de Alex Turner conseguiria colocar ganchos pop dos anos 60 em um conto como este? As harmonias caem uma sobre as outras, enquanto o delicioso refrão nos remete aos Beatles.
Mais tarde, com Turner no piano, o guitarrista Jamie Cook prova ser um ótimo recurso em “She Looks Like Fun”. De qualquer maneira, Turner continua sendo a estrela do álbum, com sua voz preenchendo todas as faixas com muita profundidade e bravura. Em “Batphone”, ele explora seu papel em uma máquina capitalista. Uma canção inspirada no pop dos anos 60 que busca interseção entre a fama, vendas e redes sociais. Através do “Tranquility Base Hotel & Casino”, Turner mergulhou dentro e fora da narrativa surrealista, construindo seu próprio mundo em um passo distante da realidade. Apesar de sua pompa e circunstância, é certamente o esforço mais elegante e requintado que a banda já lançou. Um trabalho paranoico, auto-referencial e melancólico que quase desafia as convenções tradicionais. Uma jogada confiante, se não presunçosa, para o Arctic Monkeys. Um ato relativamente acessível e conceitual que certamente dividiu a carreira da banda em duas. Os menos favoráveis chamariam isso de ambicioso e pretensioso demais. Entretanto, “Tranquility Base Hotel & Casino” reinventa o Arctic Monkeys. Suas melodias e linhas de base são lindamente estruturadas, enquanto as letras cuidadosamente escritas e perfeitamente entregues. A audácia artística do Alex Turner é fascinante!