“KIDS SEE GHOSTS” deixa o ouvinte com uma impressão muito melhor do que aquela causada pelo “ye” (2018).
Um álbum como “KIDS SEE GHOSTS”, uma colaboração entre Kanye West e Kid Cudi, faz sentido quando você lembra de tudo que aconteceu com os dois. É um projeto sobre liberdade e, de certa forma, parece o álbum que ambos gostariam de ter feito há anos. Igualmente ao “DAYTONA” (Pusha-T) e o “ye” (Kanye West), “KIDS SEE GHOSTS” têm apenas sete faixas cronometradas em 24 minutos. Todos esses discos foram produzidos por West em Jackson Hole, como parte do projeto “Wyoming Sessions”. Um disco tão curto pode ser arriscado, embora eficaz, se feito corretamente. Geralmente, é difícil para um artista estabelecer sua presença e fazer grande narrativas em um registro assim. Entretanto, Kanye West e Kid Cudi exploraram as partes mais profundas e sombrias de suas vidas pessoais. Dada a controvérsia de suas declarações polêmicas, envolvendo o presidente americano e a escravidão, Kanye West tenta resgatar sua reputação. “ye” (2018), seu oitavo álbum de estúdio solo, não foi a explicação clara que todos esperavam. Simultaneamente, é o seu registro menos aclamado até a presente data. Felizmente, “KIDS SEE GHOSTS” – o seu tão esperado álbum conjunto com o Kid Cudi – reafirma sua genialidade.
Os maiores esforços colaborativos entre eles poderiam colocar esse disco no mesmo caminho do “808s & Heartbreak” (2008). Porém, West não é mais o mesmo de dez anos atrás. A vida o endureceu – principalmente depois da morte de sua mãe. “808s & Heartbreak” (2008) era um disco intergaláctico conduzido principalmente por pesadas baterias e sintetizadores. Era um projeto sombrio, emotivo e cheio de auto-tune. Um álbum que solidificou-se como um dos mais transformadores da última década. Ao lado do Kid Cudi, ele exalou sua angústia em faixas como “Welcome to Heartbreak”, “Heartless”, “Paranoid” e “RoboCop”. Tudo isso causou um contraste gritante da personalidade sombria exibida no “Graduation” (2007). “808s & Heartbreak” (2008) era gelado e causou uma ruptura. E assim como uma ruptura na vida real, este álbum mudaria sua música pelos próximos dez anos. Desde 2008, não há um álbum do Kanye West do qual o Kid Cudi não tenha participado. Mas com a chegada do “KIDS SEE GHOSTS”, fica a pergunta: eles são capazes de criar outro álbum tão inovador quanto o “808s & Heartbreak” (2008)? Embora seja comercializado como um álbum conjunto, parece mais um projeto do Kid Cudi com alguns versos do Kanye West.
Se esse álbum é indicativo de alguma coisa, é que talvez o ego do Kanye West esteja encolhendo, já que este lançamento parece uma tentativa de finalmente colocar seus colegas em primeiro lugar. Em vez do Cudi se sentir como um enfeite, ele toma o centro das atenções para si. “KIDS SEE GHOSTS” é tudo o que “ye” (2018) não é, ou seja, convincente e conciso. Um registro que traz o que há de melhor nos dois artistas. Até agora, a brevidade não tem sido um ponto forte do Cudi, afinal seu álbuns anteriores são gigantes. “Speedin’ Bullet 2 Heaven” (2015), por exemplo, possui vinte e seis faixas e abrange 1 hora e meia de duração. Em contrapartida, as sete faixas contidas no “KIDS SEE GHOSTS” possuem menos de 24 minutos, e dão espaço para ele exibir uma sensação imaculada. Aqui Kid Cudi renasceu com uma confiança recém descoberta. Se a construção do “ye” (2018) é instável, o “KIDS SEE GHOSTS” é um produto completo e bem sucedido. Através da rotação de harmonias distorcidas, tambores maníacos, riffs sujos e amostras obscuras – intercalados com risadas demoníacas e um punhado de outros artistas – este álbum explora menos o rap tradicional e mais a música psicodélica.
É mais parecido com os trabalhos do Tame Impala ou Danny Brown, do que qualquer outro disco de rap. Sua arquitetura ambiciosa se assemelha a uma destilação melhorada da discografia eclética do Kid Cudi. Sua flexibilidade vocal é o verdadeiro cúmplice do Kanye West – que mais uma vez extraiu um valor de grandeza do seu colega de destaque. A inspiração melódica e psicodélica do álbum equilibra suas forças com zumbidos de sintetizadores e floreios eletrônicos. Ao contrário do “ye” (2018), no entanto, este álbum não parece estar faltando algo. A criatividade está em pleno vigor e as faixas são introspectivas. A arte da capa dá uma boa noção de sua estrutura sonora, que destila, entre outros elementos, sobre amostras de Kurt Cobain e tambores meticulosamente programados. Em suma, “KIDS SEE GHOSTS” é um triunfo que canaliza o gosto do Kid Cudi pela música psicodélica, soul, rap-rock e indie-rock. “Feel the Love” o encontra gritando repetidamente: “Eu ainda posso sentir o amor”. Essa música é um bom exemplo da eficácia do “KIDS SEE GHOSTS”. Os primeiros sintetizadores podem não ser impressionantes, mas espere até Pusha-T terminar seu verso como convidado.
É nesse momento que Kanye West espalha sons de armas, explosivos estrondosos e gigantescos sons de bateria. Ele cria efeitos sonoros realmente agressivos, enquanto Cudi continua repetindo a mesma frase sobre a produção de alta energia. A produção do Kanye West não é nada menos do que alucinante. “Feel the Love” serve como uma introdução para o álbum, uma vez que Pusha-T possui o único verso da música. As mensagens do “KIDS SEE GHOSTS” são surpreendentemente sucintas. Muitas canções lidam de forma introspectiva, como a assombrosa “Fire” e sua estranha batida marchante. Kid Cudi e Kanye West falam sobre seus fracassos e eles encontram uma maneira de seguir em frente. Cudi faz referências aos dias em que orava para que sua dor fosse embora. Aqui, ambos revelam que têm demônios que os assombram, mas nenhum quer ou permite que isso os defina. Guitarras rosnantes, bateria lo-fi e zumbidos de fundo fornecem a agitação da música. Embora se desdobre através de uma estrutura musical pouco tradicional, “Fire” é construída em torno de “They’re Coming to Take Me Away, Ha-Haaa!” do Napoleon XIV. A música termina depois de 2 minutos, enquanto você fica com a batida distorcida e desalinhada de uma guitarra.
“4th Dimension” possui uma das produções mais impressionantes do repertório, uma vez que mostra a voz de Louis Prima cantando “What Will Santa Claus Say (When He Finds Everybody Swingin’)”. As batidas vão do agressivo ao refrigerado, embora isso não deixe a mensagem desconexa. Apesar de parecer preso no primeiro verso, Kanye West apresenta algumas linhas inteligentes que detalham um encontro sexual. O verso denso do Kid Cudi faz referências às suas lutas pessoais nos últimos anos. Deixando a bagagem para trás, os dois aproveitam a oportunidade para apresentar a faixa mais pesada nas guitarras. Em “4th Dimension” um calor extra é adicionado. Além do sample de Louis Prima, ela é ancorada por uma batida oscilante e algumas das rimas mais atraentes do LP. “Freeee (Ghost Town, Pt. 2)”, a continuação de “Ghost Town” do “ye” (2018), é provavelmente a música mais ambiciosa do registro. Ela também é baseada na ideia de críticas incessantes, mas se mantém ancorada na perspectiva de seguir em frente. Ambos trazem a liberdade mental juntamente com um ótimo recurso de Ty Dolla $ign. As camadas vocais insanas e o modo como eles explodem quando gritam, é simplesmente incrível.
Após a amostra do diálogo de Marcus Garvey, West entra com o gancho explosivo que fará você rir na primeira vez que ouvir. É um pouco dramático e talvez até estranho, mas inegavelmente divertido. Também vale a pena notar que Kid Cudi recebe seu próprio refrão e ponte: “Morri e voltei duas vezes / Agora estou livre”. Da mesma forma, é animador ouvir Kanye West gritar: “Eu não sinto mais dor / Adivinhe, querida? / Eu me sinto livre”. Enquanto isso, os elementos de rock ajudam a transformar “Freeee (Ghost Town, Pt. 2)” na peça central do álbum. As últimas três músicas mudam o ritmo drasticamente, dando-lhe tempo para recuperar o fôlego após a primeira parte. A maravilhosa “Reborn” surge em torno de um gancho contagioso, conforme Kid Cudi canta: “Continue em frente, continue andando / Eu estou tão – estou renascendo, estou indo pra frente”. Raramente eu me identifico completamente com uma letra de rap, mas quando eu ouvi isso, meu pensamento foi de total compreensão. Seguir em frente é o principal tema de “Reborn”, uma faixa onde Kid Cudi discute sua luta contra as drogas e o abuso de álcool.
Enquanto isso, Kanye West parece aceitar alguma responsabilidade por suas ações recentes. “Eu estava fora da cadeia, eu era frequentemente drenado / Eu estava fora dos remédios, eu era chamado de insano”, ele diz. Seu verso é particularmente forte porque aborda suas tendências antissociais. É tão inesperadamente cru e pessoal que você praticamente não sabe como reagir na primeira vez ouve. São músicas como essa que destacam a verdadeira harmonia entre os dois. A surpreendente beleza do órgão, a produção verdadeiramente psicodélica, a batida suavemente controlada pelo piano e a linha de baixo dão o suporte para as melodias. A música mais longa do repertório é também aquela que melhor desenvolve a narrativa. Há um motivo para que “Reborn” seja a faixa mais longa do álbum. É um verdadeiro hino para os momentos sombrios. Entretanto, o maior destaque do álbum é justamente a faixa-título. Um número escuro conduzido por uma percussão em loop e produção introspectiva. É tudo sobre flutuar pela vida e buscar a redenção. É a canção que reflete perfeitamente a arte da capa criada por Takashi Murakami.
“Kids See Ghosts” apresenta uma das melhores batidas do álbum e contém um gancho horripilante do rapper Yasiin Bey. Como esperado, sua produção dá espaço para sons incrivelmente arrepiantes que poderiam até fazer parte de algum filme de terror. Felizmente, os latejantes sintetizadores e a excelente percussão impulsionam o verso do Kid Cudi. Desta vez, ele comenta de forma sincera sobre sua luta para encontrar a real felicidade. Yasiin Bey, por sua vez, contribui com a paranoia e a escuridão do refrão: “As crianças vêem fantasmas às vezes / Espírito, andando por aí, apenas andando por aí”. Surpreendentemente, Kid Cudi parece trazer um senso de equilíbrio para Kanye West. A faixa de encerramento, “Cudi Montage”, é construída a partir de um riff sujo do lançamento póstumo de “Burn the Rain” do Kurt Cobain – enquanto Kanye West e Kid Cudi investigam as complicações da mentalidade e a violência das gangues. Ademais, West também oferece um verso socialmente consciente. O violão e a bateria carregam os dois versos – separados por um refrão sintetizado que encontra o duo pedindo salvação a Deus. No geral, “KIDS SEE GHOSTS” possui as melhores qualidades de ambos artistas, ao lado de uma produção expansiva e melodias cativantes.
O lirismo os mostra de forma vulnerável enfrentando a pressão da fama e lidando com demônios interiores. Em outras palavras, esse registro é profundamente terapêutico para os dois rappers. Ele não é uma celebração, mas sim uma recuperação. Meses atrás, Kid Cudi enfrentou a depressão e impulsos suicidas, semanas depois de Kanye West ser internado à força por exaustão e psicose – uma provação que culminaria em um diagnóstico de bipolaridade e a dependência de opiáceos. Portanto, é difícil não ver o “KIDS SEE GHOSTS” como um conforto para eles. Como West provou com suas recentes artimanhas, tudo pode desabar repentinamente, afinal o futuro é imprevisível e, como o título do álbum sugere, “crianças sempre vêem fantasmas”. Graças a produção do Kanye e a energia espiritual do Cudi, o álbum tornou-se coeso. Em última análise, posso afirmar que os dois formam uma ótima dupla. Isso não é surpreendente, dado o quão bem suas colaborações anteriores funcionaram. Às vezes, as estruturas das músicas são questionáveis, mas é um álbum curto com ótimos momentos e sem grandes erros. Por fim, “KIDS SEE GHOSTS” serviu como um processo de recuperação e libertação pessoal para o Yeezy e Scott Mescudi.