“WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?” é um álbum de estreia corajoso e imprevisível que captura as esperanças, os medos e a vulnerabilidade de toda uma geração.
Billie Eilish é a artista mais recente que está perturbando a indústria através de sua ascensão meteórica. Sua arte é salpicada com o tipo de imagem que você esperaria de algum artista gótico. A capa do álbum faz referências aos seus frequentes pesadelos e sonhos lúcidos, enquanto os videoclipes apresentam coisas como agulhas nas costas, lágrimas negras e rostos manchados de sangue. “WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?” foi um dos álbuns mais esperados do ano – meses antes de ser anunciado – e ela definitivamente entregou algo que vale a pena escutar. Seu título nos convida a considerar pensamentos e sonhos obscuros, talvez assustadores, que se escondem logo abaixo da superfície. Embora o repertório não siga uma linha específica, ele certamente possui uma consistência de tom e tema – muitas vezes ausente nos álbuns pop de hoje – o que permite contar uma história coesa. Não vai demorar muito para que até mesmo o ouvinte mais casual perceba que a música da Billie Eilish não é qualquer outra coisa nas paradas. “WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?”, juntamente com seus lançamentos anteriores, foi produzido com seu irmão, Finneas O’Connell, na casa onde eles cresceram.
Os irmãos são a prova viva de que os trabalhos mais criativos podem vir de ambientes familiares. Sua música enfatiza a angústia adolescente por uma era existencial, ao passo que musicalmente utiliza vocais abafados em cima de texturas indutoras, percussões minimalistas e pesadas linhas de baixo com espírito enraizado no SoundCloud. Dito isto, a produção complementa perfeitamente seus vocais discretos e sussurrados. A primeira faixa, estranhamente intitulada “!!!!!!!”, mostra ela rindo ao lado de seu irmão antes de apresentar a excelente “bad guy”. É apropriado que seja a primeira música real que ouvimos. Embora seja difícil definir o estilo da Billie Eilish, a alegria juvenil encontrada em seus vocais a representa adequadamente como artista – talvez melhor do que qualquer outra música do álbum. Momentos excêntricos e aquele baixo estrondoso aparecem sobre uma corrente oculta melhor capturada em linhas sobre seus “joelhos machucados” e insinuações surpreendentemente sexuais. A linha de baixo acima mencionada também se instala ao lado de sua assinatura vocal harmoniosamente em camadas. Uma canção cativante que ressoa com transgressões adolescentes e pode ser considerada a mais dançante do repertório.
Essa interação entre luz e escuridão continua em outros destaques como “all the good girls go to hell” e “my strange addiction” – ambas canções precoces cheias de letras subversivas que deslizam ao longo de alguma batida. Mas essa experimentação não é apenas um truque. “my strange addiction”, em particular, contém amostras de um icônico episódio da série “Vida de Escritório”. A música em si é cativante, enquanto as letras são dignas de nota. Eilish e seu irmão costumam brincar com a produção, mas a maneira como o fazem sempre tem um propósito, seja para criar uma atmosfera particular ou reforçar a mensagem da música. Em “xanny”, o ritmo da batida desacelera em momentos inesperados, enquanto mistura um baixo lo-fi inspirado no mumble rap com tons sombrios. Liricamente, ela acompanha – intencionalmente ou não – o estado de adolescentes americanos medicados, e a apatia nebulosa que os segue. Enquanto isso, “8” manipula a textura de sua voz para parecer muito mais jovem. É o outro lado da conversa, tendo a perspectiva de quem foi ferido no relacionamento. Entre isso e as risadinhas aleatórias, fica claro que os irmãos O’Connell estão aproveitando sua imaginação coletiva.
O título do álbum pergunta para onde vamos quando adormecemos e, de muitas formas, a jornada que esse disco fornece nos empurra para o mundo dos sonhos da Billie Eilish. Em teoria, a natureza sobrenatural de seu trabalho poderia nos alienar, mas para os adolescentes de hoje, não há nada mais confiável do que artistas como ela, uma vez que personifica o impulso entre a diversão juvenil e os seus desejos mais sombrios. Ser jovem é se preocupar em se encaixar em algum grupo ou comunidade, então, de certa forma, é surpreendente que a estranheza dela tenha encantado tantos adolescentes. Porém, também é importante notar que as três últimas faixas são obcecadas por pensamentos de depressão e morte, talvez até demais em alguns pontos. Músicas como “listen before i go” soam lindas aos ouvidos, mas as letras suicidas perdem o equilíbrio entre a luz e a escuridão que funciona tão bem no resto do álbum. “WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?” não é o primeiro álbum pop a explorar a inocência dentro de uma estrutura mais adulta. Vinte anos atrás, Britney Spears fez exatamente isso com sua ideia icônica e possivelmente problemática de sedução colegial, mas ainda é chocante ouvir Billie pensar em seduzir “seu pai” em canções como “bad girl”.
Mas se você puder enxergar além disso, então “WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?” a cimenta como uma das artistas mais empolgantes e revolucionárias que chegou às paradas nos últimos anos. É raro ouvir alguém tão jovem ser tão poderoso em seu álbum de estreia. O primeiro single, “you should see me in a crown”, traz consigo outro baixo extremamente pesado e a leva para o trono do dark-pop. Uma canção que mescla o hip hop, trap e pop, e captura o que é emocionante sobre ela; sua vontade de estar confiante na frente de todos que lhe dizem para ser normal. “wish you were gay” é uma das faixas onde ela se sente vulnerável em relação às canções românticas. Embora seja uma boa música, também é o nível de problema que não é realmente desejado ou necessário em 2019. Aqui, ela zomba de sua própria mágoa. Em vez de aceitar que o amor não é correspondido, ela egoisticamente pergunta: “Como eu poderia te fazer se sentir bem / Sendo que tudo que você faz é sair andando? / Não posso te dizer o quanto eu queria não querer ficar / Eu só meio que queria que você fosse gay”. Infelizmente, há uma falta de insensibilidade com à homossexualidade nesta canção – usada como uma saída fácil para uma paixão não correspondida.
A balada de piano “when the party’s over”, por sua vez, é tranquila e introspectiva, e a encontra vocalizando sua necessidade de espaço. Como notamos, Billie Eilish é uma artista que assume uma personalidade sombria e misteriosa sempre que possível – “bury a friend” provavelmente superou qualquer outro single nesse quesito. Acredita-se que seja sobre aquele “monstro” debaixo da cama. As emoções que ela transmite durante as letras são perfeitamente demonstradas no videoclipe. Ela é vista sendo empurrada e puxada por múltiplas mãos desconhecidas em um prédio assustadoramente mal iluminado. Em uma cena grotesca, ela é despida e injetada com cerca de dez seringas nas costas. Em outra cena misteriosa, vemos o seu corpo sem vida flutuando no ar. “bury a friend” é tudo que você espera e quer da Billie Eilish, visto que conta a clássica história do monstro debaixo da cama. “Quando todos dormimos, para onde vamos?”, ela pergunta nas primeiras linhas. O enredo ganha vida através da produção sombria e arrepiante que soa como uma nova versão de “Black Skinhead”, do Kanye West. Ela abre com uma batida pulsante – é uma das canções mais eletrônicas e experimentais que ela já lançou. O auto-tune durante o refrão faz os vocais soarem ainda mais assombrosos do que de costume.
Vocalmente, ela sabe quando recuar e felizmente seu irmão reflete seu exemplo. Escura e melancólica em sua natureza, Eilish navega sobre a percussão com um ouvido aguçado – um testemunho de seu potencial crescimento artístico. A canção em si é minimalista e apresenta um fluxo auto-sintonizado mascarado. No clímax, ela fala sobre enterrar um amigo enquanto repete a frase “eu quero acabar comigo”. É um dos momentos mais assustadores da música. “WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?” não é perfeito. Apesar da impressionante coesão e engajamento emocional, a experimentação da produção possui seus erros e falhas. No entanto, ele abriga composições distintas com conflitos que se infiltrarão até a idade de uma geração. Às vezes cheia de si mesma, outras auto-referencial demais, é uma coleção onde Billie Eilish se aproxima do mundo ao seu redor. Muito confiante, para seu próprio bem ou não, ela defende firmemente o que acredita. Sonoramente, o álbum constantemente oscila entre a produção pesada e as peças instrumentalmente mais suaves. O título coloca uma questão que parece digna de ser explorada dentro dos limites de um filme de terror. Billie Eilish mantém o roteiro com letras viscerais e imagens que você não pode deixar de imaginar.