“Kisses” é um show de confiança que não precisa quebrar a marca de 30 minutos. É tão cativante que Anitta sente vontade de se beijar.
Em 2013, Anitta provocou um novo momento no pop brasileiro quando lançou “Show das Poderosas”. A fórmula pré-estabelecida por essa música, que mesclava o funk carioca com o dance-pop, serviu de base para vários hits nos anos seguintes. Hoje, Anitta é a artista brasileira mais reconhecida fora das fronteiras do país; ela tem mais de 3,5 bilhões de visualizações no YouTube e é a artista brasileira mais divulgada no Spotify. No entanto, apesar de sua posição na América Latina, ela permanece relativamente desconhecida no mercado de língua inglesa. Crescendo no subúrbio do Rio de Janeiro, Anitta mostrou que é possível viver de pop no Brasil. Seu impacto ajudou a desenvolver novos moldes para artistas nacionais. Entretanto, parece que sua fórmula mágica está mostrando sinais de desgaste – especialmente depois que ela passou a lançar vários singles simultâneos com outros artistas. Uma estratégia compreensível, uma vez que visa o consumo relâmpago do streaming, porém, correndo o risco de saturação. Ontem, Anitta divulgou o aguardado “Kisses”, o quarto álbum de sua carreira e o primeiro com foco no mercado estrangeiro – com canções em português, espanhol e inglês (na tentativa de alcançar todos os três públicos que atende).
Não dá para negar que trata-se de um trabalho ambicioso, principalmente levando em consideração que cada canção possui um videoclipe – tendência iniciada por Beyoncé no final de 2013. Mas “Kisses” ainda soa e parece um álbum pop latino. A produção contou com um grande time de produtores e compositores, além de onze colaborações, com destaque para Becky G, Snoop Dogg, Swae Lee e Caetano Veloso. O alto valor de produção, no entanto, não conseguiu esconder os erros e a falta de coesão do “Kisses”. Além de cantar em três idiomas, as faixas são diferentes uma da outra e mostra cada faceta de sua personalidade – um conceito desenvolvido pelo diretor criativo Giovanni Bianco. Neste álbum, a flexibilidade da Anitta é testada – e o título não poderia ser mais sugestivo e propício. A capa provocativa e apelativa – onde temos duas versões dela beijando a si mesma – causou alguns rebuliços na internet. Anitta descreveu o álbum como “a coisa mais arriscada que já fiz na minha carreira”. Sabemos que este projeto significa muito para ela, já que, como a própria disse em uma entrevista, é feito para que possamos ver sua versatilidade no campo musical. Sabemos que ela está de olho no mercado internacional, mas são as batidas que realmente impressionam.
De resto, o disco é pouco variado e não se destaca pela criatividade, tendo em vista que apresenta elementos habituais da música moderna – passando pelo pop, trap, R&B, reggaeton, funk carioca e electropop. Talvez por isso, “Kisses” não soa tão original, afinal. A primeira faixa, “Atención”, é uma canção que fortalece o poder feminino. Cantando em espanhol, Anitta encoraja as mulheres a viverem do seu próprio jeito. O clipe, gravado em San Pablo, Califórnia, tem a participação de mulheres de diferentes idades, raças e cores e enfatiza a importância do autoexame da mama. Com “Atención”, ela cria uma mistura elegante de reggaeton com gaitas, batidas de trap e um trompete incrivelmente cativante. “Banana”, com Becky G, é um destaque instantâneo repleto de frases com duplo sentido. “Nada traz duas mulheres mais perto do que a mesma BANANA”, Becky escreveu na legenda de uma foto. Para essa música, Anitta descreveu a versão de si mesma como uma “devassidão amorosa”. Vibrante e brincalhona, possui um refrão adorável e pode ser a grande aposta para single. “Me dê, venha me dar um pouco / Eu tenho uma gula por amor, querido, me dê um pouco”, elas cantam sobre o riff infeccioso.
É uma colaboração refrescante e sensual, executada com sarcasmo e humor. A hiperatividade e as insinuações fornecem um veículo para a positividade sexual da Anitta, com algumas letras hilárias: “Oh, Willy Wonka, como você fica tão gostoso? / Tão saboroso / Mamãe fez uma prancha, mas ela deveria ter feito uma pastelaria”. Em “Onda Diferente”, Snoop Dogg fornece um rap preguiçoso e pervertido, mas ainda assim, complementa apropriadamente as empolgantes batidas de funk. “Anitta, Anitta, que prazer te conhecer / Eu sou o grande Snoop Dogg, e eu serei a participação / Nascido e criado na cidade de Long Beach / Tudo pela Double-G / Gim e suco, maconheiro convicto”, ele recita tentando lembrar como funciona uma colaboração. Apesar de inicialmente parecer uma balada – com teclas de piano e uma introdução broxante (“A noite está cada vez melhor / As minhas pernas já, já vão dar um nó”) – “Onda Diferente” é um banger produzido por Supa Dups. O piano permanece ao fundo, enquanto fortes batidas de funk apoiam o refrão interpretado por Anitta e Ludmilla: “Sai, sai, sai da minha frente / Hoje eu vou dar trabalho numa onda diferente”.
A quarta faixa, “Sin Miedo”, nos apresenta uma Anitta que gosta de viver intensamente, sem pensar nas consequências. Os porto-riquenhos DJ Luian e Mambo Kingz também participam da música. “Barman, me traz outra dose / E desta vez, não traz só uma”, ela canta exalando um sentimento universal. É uma das faixas mais viciantes e dançantes do álbum, especialmente pelas batidas de reggaeton e riff proeminente. Seu vídeo é uma festa para os olhos. Rebelde e divertido, suas reviravoltas mantêm você entretido do começo ao fim. “Poquito”, com Swae Lee, é certamente uma das minhas faixas favoritas. Uma música romântica e melodiosa com um forte poder de permanência – há belas guitarras acústicas e inspiração trap por trás. “Pouquinho, demora só um pouquinho / Só um pouquinho pra te deixar viciado em tudo isso”, ela murmura para o seu parceiro. O verso do Swae Lee é auto-sintonizado, mas muito agradável. Ela gravou o videoclipe em San Pablo, enquanto Lee filmou em Los Angeles. Imagens da Anitta são projetados sobre ele e vice-versa, enquanto ambos cantam e interagem com a câmera. O clipe de “Tu y Yo”, por sua vez, foi gravado em Búzios, Rio de Janeiro, e conta com a participação do americano Chris Marshall.
O vídeo apresenta vistas à beira-mar e olhares abafados, enquanto eles cantam sobre um encontro sexual. Sobre licks de guitarra acústica, Anitta apresenta um dos mais belos vocais do álbum. Destaque para a linda melodia do refrão. “Get to Know Me”, produzida pelo DJ Alesso, é a única faixa cantada inteiramente em inglês. Essa é a segunda vez que ambas colaboram, uma vez que “Is That for Me” foi lançada em 2017. Ao longo da produção dance-pop, Anitta procura uma aventura em potencial para chamar atenção de um pretendente. “Você quer muito me conhecer / Mas não tenho certeza se você consegue lidar com isso”, ela canta. É uma viagem de volta para sua adolescência, um momento onde ela tenta amadurecer e conhecer melhor a si mesma. Sonoramente, é um congestionamento extremamente melódico e explosivo – embora não dê para esconder a sensação genérica por trás da produção. A oitava faixa, “Rosa”, é uma colaboração romântica com Prince Royce – seu colega no La Voz Mexico. Inspirada no filme “Beleza Americana”, o videoclipe foi gravado em um estúdio de São Paulo sob a direção de Bruno Ilogti. Aqui, eles se reúnem para um breve interlúdio em meio a um mar de flores.
Mais tarde, o nativo de Nova York assiste à sua amada em uma sala repleta de rosas vermelhas. Além do romantismo, “Rosa” é uma peça vocalmente sensual – onde Anitta usa suas armas de sedução para ter um homem a seus pés. Se você estiver com disposição para um banger, ouça “Juego” imediatamente. Foi uma das primeiras faixas do “Kisses” que ficou pronta. Essa canção mostra um lado mais autoritário e confiante da Anitta – onde ela é uma líder implacável. Uma combinação de teclas e batidas de tambor fornecem o principal motor da música. “Você Mentiu”, com participação de ninguém menos que Caetano Veloso, fornece uma melodia docemente suave. As letras contam a história de um relacionamento que não dá certo. É uma colaboração acústica, lânguida e jazzística com riffs de violão que coloca Anitta no ramo da bossa nova. A faixa mais diferente do repertório é paradoxalmente aquela que encerra o álbum. Em “Kisses”, sua personalidade palpável pode ser sentida em quase todas as músicas. É outro show de confiança que não precisa quebrar a marca de 30 minutos. Suas dez faixas são tão cativantes que Anitta sente vontade de se beijar. Entretanto, não é uma coleção particularmente emocionante ou substancial. Dificilmente vai colocá-lo nos maiores radares internacionais.
