Em uma revisita às suas origens baianas, Pitty acaba de lançar seu quinto álbum de estúdio, “Matriz”. A sexta faixa, “Roda”, foi produzida por Rafael Ramos e reúne um time de grandes artistas baianos em sua gravação — além de Pitty participam da faixa os integrantes do BaianaSystem Russo Passapusso, Roberto Barreto e Seko. Introduzida pela inconfundível guitarra baiana de Roberto Barreto, a faixa logo se transforma num rock and roll cheio de efeitos. No entanto, possui uma paleta instrumental bem diversa, formada por pesadas guitarras, cavaquinho distorcido, bandolim, sintetizador, baixo e percussão. Uma colaboração entre Pitty e BaianaSystem poderia facilmente se perder em uma simples união de nomes conhecidos, mas tem um viés completamente diferente. Ao unir duas forças baianas, a canção ganhou outras dimensões.
“Roda” fornece uma verdadeira simbiose entre os estilos de ambos artistas – é uma canção pesada e sonoramente agressiva com elementos de rock, do candomblé e do próprio BaianaSystem. E mesmo com tanta mistura, nada se torna confuso; há uma conversa contínua entre os ritmos. Os versos de Russo Passapusso trazem representatividade enquanto Pitty mostra que não se esqueceu de suas raízes. Nascida na Bahia, ela cresceu com o samba, com a capoeira e com as religiões de matriz africana. Mas essas referências só foram aparecer em sua música agora com o álbum “Matriz”. Embora a inspiração inicial tenha sido a roda de pogo, parte da cultura punk rock, a ideia da canção em si tem um significado mais amplo.
Musicalmente, há um forte vínculo com a cena alternativa e hardcore. No entanto, liricamente podemos ver a canção como uma manifestação de resistência de culturas e religiões que costumam ser alvo de intolerância. “Essa roda nos abraça, essa gira é pra girar / É só chegar no barracão que o couro vai dobrar / Só não mexa no meu jeito de dançar / Só não mexa”, ela canta aqui. O lirismo reforça o sentido espiritual de “roda”, tendo em vista que possui vários termos ligados às religiões de matriz africana como “gira”, “barracão” e “dobrar o couro”. Apesar do simbolismo relacionado à cultura e às religião negras, os versos passam uma mensagem de acolhimento. “Nunca é tarde demais para voltar para o azul que só tem lá”, ela recita no final da música enquanto exalta a força da Bahia: “Pode olhar atravessado (mas vê se muda) / É o nosso jeito de expressar / Quando se entra na roda, pai / Ninguém quer parar / Roda, gira / Nunca é tarde demais”.