“Madame X” soa como dois álbuns diferentes lutando por espaço; é um registro intrigante, embora ocasionalmente ruim.
Os sinais eram promissores para o 14º álbum da Madonna, mas “Madame X” é pontuado por momentos abaixo do esperado. “Madame X é uma agente secreto”, Madonna precedeu. Ela continuou a descrever as muitas personalidades da protagonista que empresta seu nome ao disco; “Ela é dançarina, professora, chefe de estado, hipismo, prisioneira, mãe, professora, freira e santa”, para citar alguns. Ao longo de 15 faixas, cada personagem dita o seu próprio ritmo. O registro, uma aventura extensa dirigida por uma variedade de gêneros, desde o reggaeton até o funk carioca, foi influenciado pela recente residência da Madonna em Portugal. Trabalhando com o produtor francês Mirwais Ahmadzaï, com quem colaborou no “Music” (2000) e “American Life” (2003), a rainha do pop tentou recuperar uma era de ouro. Poucos artistas vivos se comparam a Madonna por impacto cultural e legado musical. Ao longo de quase quatro décadas aos olhos do público, ela causou polêmica por simplesmente existir. Gravado entre suas casas em Nova York, Lisboa, Londres e Los Angeles, “Madame X” a vê tentando se globalizar em sua busca musical por paz e igualdade, cantando em inglês, espanhol e português. Ela assume inúmeros personagens e sotaques a fim de criar um universo selvagem e dinâmico.
Ela vive em Lisboa, e não apenas se pode ouvir a influência do fado português, como também os sons da diáspora afro-lusófona como o baile funk do Brasil e o batuque cabo-verdiano. No entanto, a execução parece um pouco estranha, pois esses estilos talvez não sejam traduzidos tão bem em um contexto pop americanizado mais tradicional. Além disso, sua voz está fortemente disfarçada e auto-sintonizada. Enfrentando a distorção tecnológica, social e política, o álbum tem uma produção bizarra em alguns lugares. Dito isto, Madonna se apropria de culturas e influências e acaba causando um efeito fatalmente desajeitado – e musicalmente desagradável. Quanto às músicas em si, os títulos fornecem uma boa indicação do que você espera. Não há um pingo de autoconsciência. Sua voz nunca foi o ponto mais forte, e aqui está encharcada em auto-tune e outros efeitos desnecessários. “Madame X” é tão descarado e confiante que você quase consegue admirá-lo. Mas pode ser visto como uma resposta desafiadora aos trolls – um LP que atravessa barreiras étnicas, religiosas, geográficas e econômicas. Fala de consternação, mas mantém o otimismo. Viajando por suas encarnações, Madonna finalmente se tornou sua própria musa. Musicalmente, “Madame X” une todos os álbuns da Madonna que vieram antes em um único arco.
Mas como no “Hard Candy” (2008), ela parece estar perseguindo tendências, em vez de inventá-las, como fez nos primeiros 20 anos de sua carreira – sendo o “MDNA” (2012) a principal falha. De certa forma, “Madame X” pode ser dividido em duas partes. Em uma coluna, há as canções amplamente experimentais, politicamente carregadas e produzidas por Mirwais. No outro, somos tratados com ofertas pop mais acessíveis, em grande parte criadas por Mike Dean e Billboard. O primeiro single, “Medellín”, é bem diferente de tudo que já ouvimos da Madonna. Então, você seria perdoado por supor que se trata de uma tentativa de lucrar com a crescente popularidade do reggaeton. Ela abre a canção sussurrando ritmicamente as palavras “one, two, cha-cha-cha”. O primeiro verso possui sintetizadores arejados e vocais fortemente auto-tunados, enquanto Maluma sussurra uma palavra ou duas entre suas frases. Uma batida rítmica entra em cena no refrão e dá início à festa. O ritmo parece refrescantemente relaxado, embora contenha alguns clichês líricos e estereótipos relacionados à Colômbia. O refrão aparece depois do primeiro par de versos, mas na verdade, é o pós-refrão em espanhol que se torna a parte mais cativante. Vocalmente, Maluma faz a maior parte do trabalho pesado, com linhas repletas de insinuações e referências à sua cidade natal e a própria Madonna.
A diversão de “Medellín” é rapidamente ofuscada por “Dark Ballet” e “God Control”, músicas que assumem uma posição experimental contra o autoritarismo e o controle de armas. “Dark Ballet” é inegavelmente uma das coisas mais bizarras que ela já criou, e personifica a pura estranheza à qual o álbum se apega. Após uma série de declarações enigmáticas sobre o estado do mundo, Madonna faz algumas reflexões ambíguas, muitas vezes incoerentes. “Eu posso me vestir como um garoto / Eu posso me vestir como uma garota”, ela canta diante do piano. A abertura prospera com sua produção sombria, incluindo o uso de linhas de piano e cordas exuberantes. Ela canta sobre a fama e, na maioria das vezes, soa bem. Depois de alguma normalidade, as coisas ficam completamente esquisitas. Tudo se transforma em algo futurista: “Diga que sou uma bruxa e me queime na fogueira”, ela provoca através do vocoder. É um momento bizarro e desafiador, retratado através de uma interpolação distorcida de “The Nutcracker Suite: Dance of the Reed-Flutes” composto por Pyotr Ilyich Tchaikovsky. “God Control”, por sua vez, é uma odisseia com mais de 6 minutos que reúne um coral gospel e batidas de disco. Por mais dançante que seja, Madonna não se esquiva de questões politicamente carregadas.
“Preparar as crianças, levá-las para a escola / Todo mundo sabe que eles não têm uma chance / De conseguir um emprego decente, ter uma vida normal”, ela canta se referindo a falta de controle de armas e o desemprego. É ampla, energética e talvez desnecessariamente barroca, mas arde de ambição e raiva – e ainda consegue ser pop. “Future”, uma colaboração com Quavo, não é menos sutil em sua mensagem ou execução. Essa faixa se destaca pelo uso intenso de auto-tune, que começa a parecer um pouco exagerado. É um número de reggae com influência de hip hop e mais uma auto referência aos anos 2000. Apesar da vibração de dancehall, dos tambores, do piano e trompete, “Future” não consegue cativar imediatamente. Ainda assim, é bom ouvir Madonna cantar sobre resistência e sobrevivência. “Batuka” é um apelo à mudança que combina um coral com instrumentos africanos e tambores da Orquestra Batukadeiras. É dinâmica e totalmente atraente – uma saída interessante que nos leva às ilhas de Cabo Verde para um ritual militante. Notavelmente, “Batuka” apresenta amplas referências espirituais, particularmente na ponte. Além de adotar uma abordagem diferenciada, a Orquestra Batukadeiras realiza um interlúdio distinto entre o refrão e o segundo verso.
Outro aspecto importante do “Madame X” é sua mensagem política. Têm questões relacionadas ao controle de armas, contém um discurso de Emma González – uma sobrevivente do massacre na Stoneman Douglas High School – e possui referências diretas à presidência de Donald Trump. Mas talvez a afirmação mais óbvia seja a de “Killers Who Are Partying”. Sob um instrumental minimalista, Madonna fala sobre se identificar com os africanos, pobres, gays, muçulmanos, mulheres e basicamente todos aqueles que sofrem opressão. É um número indubitavelmente bem-intencionado, cheio de comparações entre ela e os oprimidos do mundo, mas as letras são um pouco desajeitadas. “Eu serei gay, se os gays forem queimados / Eu serei a África, se a África for destruída / Eu serei pobre, se os pobres forem humilhados / E eu serei uma criança, se as crianças forem exploradas”, ela canta. “Eu serei muçulmano, se o muçulmano for odiado / Eu serei Israel, se eles estiverem encarcerados / Eu serei um nativo indiano, se o índio tiver sido levado / Eu serei uma mulher, se ela for estuprada”. Em seguida, “Crave” conta uma história recheada de vulnerabilidade. Ao contrário do resto do álbum, segue uma fórmula mais tradicional com pouco mais de 3 minutos de duração. A produção possui uma sensibilidade trap que a torna acessível a um público mais amplo.
Com guitarras fanhosas e o rap suave de Swae Lee, “Crave” se destaca como uma ode ao amor obsessivo. O solo de acordeão que apresenta a vulnerável “Crazy” serve como uma tréplica para quem espera encontrar alguma coerência no álbum. Uma coisa que brilha é a presença de sua voz – ela está na frente da produção. Comparada as outras faixas, “Crazy” tem uma forma e som mais tradicionais, além de algumas linhas em português. O sulco de “Come Alive” é infeccioso até o enésimo grau. Em termos vocais, ela apresenta uma performance mais rítmica apoiada por um colorido trabalho de produção. É uma canção gospel comovente com um otimismo empoderador, ausente em grande parte do repertório. O Brasil tem sua parcela de influência na atrevida “Faz Gostoso”, uma colaboração inesperada com Anitta. Um brinde valioso, exótico e sedutor com vocais repletos de atitude e personalidade. O ritmo latino vem equipado com alarmes, sirenes, sintetizadores e tambores – além de influência do funk carioca e samba. Madonna assume o controle do volante e acelera em “Faz Gostoso”, inclusive se arriscando mais uma vez no português. É uma música empolgante com uma virada surpreendentemente carismática da Anitta.
As palavras não são uma poesia – “eu não nego, ele é safado e ainda por cima é carinhoso, ele faz tão gostoso” – mas são interpretadas com urgência e paixão suficientes para não exalar qualquer imaturidade superficial. Na verdade, “Faz Gostoso” é um cover da BLAYA, cantora nascida no Ceará, mas que mora no Portugal desde quando tinha 2 meses de idade. Em seguida, Madonna flerta novamente com o reggaeton em “Bitch I’m Loca”, outra colaboração com o Maluma. Embora seja um campo comum para o colombiano, Madonna não se adapta muito bem ao gênero, tornando suas interações bilíngues um pouco confusas. Ela acaba sendo apenas mais uma pessoa na lista cada vez maior de artistas anglófonos tentando atrair um público latino. Mais uma vez, a produção é de alto nível, principalmente as batidas e os sintetizadores. Entretanto, é um dueto com exagerado auto-tune e um gancho muito fraco, mesmo Maluma sendo tão sexy como de costume. Em seguida, quando a linha de baixo de “I Don’t Search I Find” cai, há um raio de luz. Embora seja quase uma cópia de “Vogue”, é uma das melhores coisas do álbum. Madonna nos leva de volta ao território familiar com uma mistura de house, dance-pop e disco – praticamente um filho do “Erotica” (1992) com o “Confessions on a Dance Floor” (2005).
As letras são inquietas e transcendentes e nos convida para um universo onde o amor está em abundância. Mas não confunda essa necessidade de amor com fraqueza. Talvez as letras não sejam tão profundas, mas a vibração é incrivelmente elegante. A faixa de encerramento, “I Rise”, é bem-intencionada, mas não era necessário um coral de crianças para discordar do assunto. Ela fecha o repertório com uma produção mais discreta e letras previsíveis sobre superação. O refrão é simples, mas inspirador, Madonna fornece uma enorme dose de força e resistência. “Madame X” parece um álbum de transição, um trabalho onde Madonna se prepara para o que vem a seguir em sua carreira. Sendo uma figura estabelecida, uma lenda da música, ela sempre fará algo com certa substância, quer as pessoas gostem ou não. Com exceção da segunda aparição de Maluma em “Bitch I’m Loca”, uma música imprevisível com referência desnecessária a “Bitch I’m Madonna”, a jornada pelas culturas de línguas espanhol e portuguesa empresta ao álbum sua mais forte vantagem criativa. Entre seu alto conceito e execução ocasionalmente instável, é improvável que “Madame X” seja lembrado como mais do que uma nota de rodapé em sua carreira – isso é uma pena, pois contém algumas das canções mais extravagantes que ela já produziu.