“Norman Fucking Rockwell!” emerge como uma obra-prima – uma reflexão dourada da vida americana sobre o amor e o poder.
Conhecida por sua melancolia e inspiração vintage, Lana Del Rey costuma lançar álbuns cinematográficos que poetizam o lado sombrio do romance, os aspectos glamorosos do passado e a tragédia. Sua última oferta, “Norman Fucking Rockwell!”, não é uma exceção; esse álbum está cheio de faixas épicas e arrebatadoras dedicadas à Califórnia, cenas musicais dos anos 60 e 70, um verdadeiro senso de si e o significado de sua constante mudança. Produzido por Jack Antonoff, o soft rock e o pop psicodélico do álbum serpenteiam com fortes acordes de piano e nítidas influências de folk. Como sempre, ela canta sobre o passado como se o tivesse vivido, evocando a nostalgia de tempos que ela não estava lá para testemunhar. O que é diferente aqui é o forte senso de realidade; “Norman Fucking Rockwell!” é consciente do poder das histórias, sejam elas verdadeiras ou falsas, e se trata da própria Del Rey ou do que pensamos coletivamente sobre a cultura pop. Você se lembra da primeira vez que ouviu “Video Games”? Olhando para trás, era uma ode impecável ao amor bêbado e aos homens intoxicantes de sua vida – uma mudança perceptível na música pop da década de 2010. O vocal contralto da Lana Del Rey, a melodia oscilante, o simples riff de piano – quando foi a última vez que você ouviu uma música como essa nas rádios?
Até o título era brilhante, incongruente com o clima da música, como se ela estivesse sendo transmitida para nós em uma época anterior à existência dos videogames. Em nove anos e seis álbuns, Del Rey passou de uma artista desconhecida e em dificuldades, para uma estrela em ascensão, para agora, um fenômeno cultural. Ela não apenas provou que é uma verdadeira visionária, como também se posicionou como uma das compositoras mais importantes atualmente em atividade. O primeiro indício de que “Norman Fucking Rockwell!” potencialmente se colocaria um degrau acima de sua discografia, foi quando “Venice Bitch” foi lançada no ano passado, em meio a uma enxurrada de elogios na internet. Uma peça de 9 minutos que derrubou o fraseado vocal característico da Lana Del Rey; é diferente de tudo o que ela havia gravado até aquele momento. “Você é linda e eu sou louca / Somos americanos”, ela ronrona através de ondas de reverberação. Essa sempre foi sua mensagem, mas a magnitude das ideias por trás de “Norman Fucking Rockwell!” sublinha-a como os fogos de artifício de 4 de julho. A mulher que chamamos de Lana Del Rey sempre foi uma fantasia, um avatar, um espelho refletindo o que a América deseja ver através de sua arte. Ela nunca foi tão deliberada e sucinta como agora.
O que ela cultivou na última década equivale a algo mais detalhado, introspectivo e sincero. Só ela ousaria fazer um cover de “Doin’ Time” do Sublime, uma banda universalmente difamada fora do sul da Califórnia. “Norman Fucking Rockwell!”, como uma declaração em si – com ponto de exclamação e tudo – parece um encapsulamento cristalizado de sua estética. O pintor Norman Rockwell foi famoso por suas ilustrações que refletiam a vida americana idílica. Igualmente, Lana é famosa por ser um reflexo de outro conglomerado vago e questionável de arquétipo: a garota triste. Nessa década, ela conquistou um lugar firme no cânone pop moderno através de cantos abafados e sensuais, e arranjos que fazem fronteira com a orquestra e a obsessão pela nostalgia. Nunca antes, porém, essa coleção de qualidades soou mais genuína e a serviço de um sentimento singular do que em “Norman Fucking Rockwell!”. Seu ponto de vista único é tão compreensível e, durante todo o tempo de execução, podemos vislumbrar seu mundo ou talvez apenas o que ela escolhe compartilhar sobre si mesma. Com esse projeto, a nativa de Nova York faz uma homenagem à Costa Oeste, não apenas aludindo a locais como praias de Veneza e Malibu, mas também adotando elementos de gêneros como surf e folk para capturar o nostálgico som californiano.
Com 1 hora e 7 minutos de duração, “Norman Fucking Rockwell!” pinta um retrato cor-de-rosa da América contemporânea com reflexões pungentes sobre o amor, a solidão e a juventude. Surpreendentemente, apesar da natureza aparentemente simplista das composições, é um álbum que se beneficia de um bom par de fones de ouvido. Desde a orquestração inicial da faixa-título, uma história sobre amar um homem imaturo e emocionalmente indisponível, Del Rey dá o tom ao álbum. Dito isto, o repertório começa com o seu sentimento mais característico de todos os tempos. “Maldito crianção, você me fodeu tão bem que eu quase disse eu te amo”, ela canta. Uma canção de partir o coração, ainda que sombria, bem-humorada e contraditória. Neste ponto, um mestre em trabalhar com arquétipos incorporados à consciência popular, Del Rey fornece uma imagem crível antes de reafirmar as contradições emocionais que tornam sua luta emocional tão ressonante. Em seu arranjo e humor, essa canção não está muito longe de “Video Games”, exceto, talvez, em autoconfiança. No entanto, longe está a triste e sombria devoção do “Born to Die” (2012) e “Ultraviolence” (2014). “Norman Fucking Rockwell!” é mais velho, sábio e mais disposto a reconhecer o que ela merece – ou não merece.
“Sua poesia é ruim e você culpa as notícias / Mas eu não posso mudar isso, e não posso mudar seu humor”, ela canta, descrevendo um poeta petulante que ela está cansada de mimar. Em “Mariners Apartment Complex”, Del Rey pegou dois de seus temas favoritos, a tristeza e o romance, e os transformou em uma mistura extravagante de psicodelia e folk. Nas letras, ela faz referências à cultura pop como, por exemplo, mencionando canções de Elton John e Leonard Cohen. O conteúdo é como sussurros, sugere uma nova confiança e um forte senso de vulnerabilidade, especialmente quando ela canta: “Será que uma garota não pode simplesmente fazer o melhor que consegue?”. Poucos artistas conseguem transformar a escuridão em beleza como Lana Del Rey. “Mariners Apartment Complex” começa com o piano, algumas cordas e um sólido riff de violão, antes de chegar no refrão pela primeira vez. Quando esse momento chega, a canção fornece uma linda e intemporal melodia. O violão ecoa um som folk inspirado na segunda metade do “Lust for Life” (2017), enquanto o segundo refrão contém guitarras levemente psicodélicas. Elas trazem de volta a paisagem sonora mais escura que dominou o “Ultraviolence” (2014). Ela reflete sobre como um homem pode interpretar mal quem você é e como você age diante de suas fraquezas.
Curiosamente, no primeiro pré-refrão, ela faz referência às praias. Se você acompanha Del Rey, já percebeu que ela tem várias músicas que fazem esse tipo de menção, incluindo “High by the Beach” e “13 Beaches”. A produção de “Mariners Apartment Complex” é bastante minimalista, mas é isso que faz com que ela seja tão grandiosa e melancólica. “Venice Bitch” é definitivamente mais apropriada para uma longa viagem pelas estradas do que para as rádios mainstream. Inicialmente, ela possui uma estrutura pop padrão com um verso seguido pelo refrão, mas depois da marca de 3 minutos, explode em um longo e ligeiro solo de guitarra psicodélico. A própria Del Rey aparece de vez em quando para repetir o refrão ou murmurar algumas novas letras. “Venice Bitch” é autoindulgente e poderia ser facilmente reduzida, mas é inegavelmente uma excelente canção cinematográfica. O enredo trata-se de um relacionamento do passado, conforme Del Rey reflete sobre os momentos felizes que viveu. “Oh, Deus, sinto sua falta nos meus lábios / Sou eu, sua vadiazinha de Venice”, ela canta. A produção é incrivelmente nostálgica enquanto os vocais sussurrados são deliciosos e a melodia maravilhosamente suave. É uma música para seus fãs de longa data e, embora a maioria das pessoas não consiga chegar aos 9 minutos, seus fãs certamente vão saborear cada momento.
“Venice Bitch” possui uma qualidade old-school reminiscente dos anos 60 e 70, em parte graças à sua vibração psicodélica. Sobre o ruído da guitarra elétrica, dos sintetizadores e do dramático chimbal, ela murmura linhas sobre um amor do passado. O tom fabuloso e o acompanhamento adorável das guitarras é seguido por um pós-refrão que diz: “Você é lindo e eu sou insana / Fomos feitos na América”. A ponte é um forte ponto de venda, especialmente quando a intensidade aumenta e a bateria eleva sua dinâmica. No final, “Venice Bitch” se transforma em um congestionamento pop psicodélico formado pela parede da guitarra e do traiçoeiro solo de sintetizador. A balada “Fuck it I love you” possui uma certa diversão nas letras, enquanto as entrega com um alto tom angelical. Sonoramente, a melodia poderia ser descrita como uma irmã mais leve de “West Coast”, com uma instrumentação similar e uso mais sutil de sintetizadores. Enquanto isso, sua versão de “Doin’ Time”, o cover da banda Sublime, permanece surpreendentemente fiel ao original, com tons de harpa e quebras de batidas. Felizmente, ela não mudou sequer uma palavra ou pronome – as letras possuem o ajuste perfeito para sua voz e estética. Embora nascida e criada em Nova York, Del Rey muitas vezes parece uma artista da Califórnia.
Se “Brooklyn Baby” foi seu último suspiro sobre Nova York, ela andou pisando frequentemente em Long Beach – cantar uma música da Sublime compete o processo. A versão original foi um apetite para o som consagrado da Sublime, visto que mistura elementos de dub, trip hop e hip hop para criar algo longe de suas raízes de ska punk. Para sua felicidade, “Doin’ Time” não ficou distante da versão original. Em suma, é um cover essencialmente leve e um belo retorno ao sabor praiano de “High by the Beach”. A belíssima “Love Song” lentamente se desenvolve a partir de cordas e teclados, conforme ela canta sobre o amor por excelência. Quando ela diz: “É seguro ser quem nós somos”, Del Rey de alguma forma se torna exclusivamente dela e completamente universal. “Love Song” e “Happiness Is a Butterfly” capitalizam o romance de uma maneira que ela dominou completamente ao longo dos últimos anos. “Cinnamon Girl” é a primeira música que parece se alinhar musicalmente com suas letras. À medida que ela termina com as cordas, enquanto se mistura com a bateria eletrônica e os sintetizadores, tudo soa tão bonito. Mais uma vez, ela perde o ritmo em sua tristeza perpétua e melancólica. “How to Disappear”, por sua vez, é um número clássico da Lana Del Rey, que praticamente se desenrola na neblina do pôr do sol de Los Angeles.
A resplandecente melancolia de “California” lamenta a distância entre ela e seu amor no cenário mais californiano possível. Sobre teclas de piano e cordas suaves, ela nos conforta depois de toda melancolia e sarcasmo oculto das faixas anteriores. Assim como a citada, “The Next Best American Record” segue o exemplo, mas com suas próprias harmonias. Esse álbum não teria o selo de aprovação da Lana Del Rey sem algumas palavras direcionadas para os românticos sem esperança. Seleções grandiosas como “The Next Best American Record” e “The greatest” a fazem cantar sobre The Beach Boys, The Eagles e Led Zeppelin como se estivesse observando-os. Naturalmente, essa nostalgia se presta a hinos sombrios dedicados ao estado da Califórnia. Liricamente, “The Next Best American Record” é sobre sua obsessão em escrever o próximo melhor álbum americano e, ironicamente, ela pode ter conseguido isso com “Norman Fucking Rockwell!”. “The greatest”, por sua vez, é potencialmente a canção mais forte do álbum. Uma peça de 5 minutos com um grande refrão e letras sobre um desalento pessoal em escalas maiores. “A cultura é incrível e eu tive meu momento / Acho que vou me aposentar depois de tudo”, ela canta.
Mas além disso, ela toca na mudança climática e chama Kanye West de “loiro e esquecido”. Essa música basicamente resume todas as razões pelas quais ela é uma compositora tão singular. As letras são um pouco mais escuras do que o cenário ensolarado sugere. Na introdução, ela se entrega a fantasias antigas da Califórnia, cantando: “Tenho saudades de Long Beach e sinto sua falta, amor / Eu sinto falta de dançar com você mais do que tudo / Eu sinto falta do bar onde os Beach Boys iam”. Ela pode parecer uma garota da Califórnia por excelência, mas também se recorda de Nova York. É um número quase psicodélico com uma lenta bateria, solo de guitarra e vocais fascinantes. Mas além de acarinhar texturas vintage, ela está inquieta elogiando sua juventude. Quando Del Rey navega na escuridão, fica claro que suas ideias são totalmente tingidas de nostalgia. O álbum perde um pouco de seu charme em “Bartender” – o refrão carece de um certo refinamento que o distinguiria do resto do álbum. O lirismo não é tão poético, sinalizado pela monotonia no lugar de vocais habituais. Embora ainda seja divertida, é um pouco sem graça e homogênea, tornando-a facilmente esquecível.
Se há uma coisa que você pode sempre contar com Lana Del Rey, é a dedicação à sua personagem e seus temas: uma espécie de hedonismo deprimido e auto-reflexão sobre a passagem do tempo. Sua intenção sempre foi mitificar uma era, uma época em que ela talvez nem tenha vivido, mas uma que ela encarna em espírito e forma um compromisso honesto. “hope is a dangerous thing for a woman like me to have – but i have it” é uma balada de piano minimalista com uma performance vocal emotiva sobre uma instrumentação discreta. Ela nos dá um sentimento de esperança, como está implícito no título, em um mundo caótico e decepcionante. Aqui, Del Rey confessa que é uma carga de estresse querer ser uma mulher de alta classe. Ela solidificou-se como uma compositora proeminente, sempre fornecendo vocais melancólicos e evocando conceitos abstratos. Mais uma vez, a encontramos atrás do piano, permitindo que seu lirismo brilhe. Em termos de arranjos, “hope is a dangerous thing for a woman like me to have – but i have it” permanece relativamente simples, o que faz sentido dado o escopo das letras. Além de Sylvia Plathy, conhecida por seus movimentos feministas através da poesia, Del Rey também evoca memórias de Slim Aarons, um fotógrafo famoso por capturar as classes de elite social e celebridades, geralmente em suas casas de luxo.
A canção em si é um olhar auto reflexivo de sua vida: a jornada para a sobriedade após problemas de abuso de álcool em sua adolescência e de um romance problemático. Seus melhores momentos aparecem no final, quando ela ostenta um belo falsete. Mesmo trabalhando com uma duração tão longa, “hope is a dangerous thing for a woman like me to have – but i have it” possui o combustível perfeito para ela. “Norman Fucking Rockwell!” é o álbum ideal para o crepúsculo do verão, que examina relacionamentos e nossa memória coletiva com olhos mais cansados - ou mais realistas, dependendo do seu ponto de vista – do que românticos. Lana Del Rey torce o passado e o presente para criar uma nova definição de si mesma e da cultura pop americana em nosso presente caótico, equilibrando nostalgia e realidade de forma maravilhosamente sonhadora. “Norman Fucking Rockwell!” evita tendências de trap e abraça uma forte presença de piano e violão, permitindo um foco maior em seus vocais e harmonias. As letras continuam sendo amplas e evocativas, criando épicos sádicos de tudo, desde os aspectos cotidianos e mundanos dos relacionamentos, às ambições de músicos anteriores e ao estado da Califórnia em toda a sua glória.