“Free” é o trabalho de um cara que, a essa altura, não dá a mínima para o que as pessoas pensam.
Iggy Pop tem 72 anos de idade. Começando como baterista no ensino médio, ele faz música há 59 anos. “Free”, o seu décimo oitavo álbum solo, é bastante curto e direto – possui 10 faixas e apenas 33 minutos de duração. Ele nasceu depois que a turnê do disco anterior chegou ao fim – Iggy Pop estava cansado e desejava ser “livre”. “Post Pop Depression” (2016) foi promovido como o último álbum de estúdio do padrinho do punk rock. Após meio século de gravação, ele parecia estar jogando a toalha e encerrando suas atividades. Escrito e gravado com Josh Homme, o LP foi lançado algumas semanas após a morte do seu amigo David Bowie. Ele exumava grande parte da grandeza do avant-rock que tipificava o trabalho realizado nos álbuns “The Idiot” (1977) e “Lust for Life” (1977). Bowie e The Stooges se foram – o garoto esquecido agora é o último homem de pé. Consequentemente, o contexto do “Post Pop Depression” (2016) deixa o seu mais novo esforço em um lugar estranho. Em “Free”, ele finalmente aceita o papel de um cantor jazzístico – é um registro auto reflexivo com um tom meio sombrio. Sua voz, quando desacelerada e proposital, é um truque de mágica. É um som divino e igualmente sujo. Autoritário e atraente. A triste trombeta de Leron Thomas casou perfeitamente com a imagem da capa do álbum.
Também era impossível não sentir um vínculo com a obra-prima final do David Bowie, “Blackstar” (2016). Antes do lançamento, Pop disse se sentir “esgotado” depois de finalizar sua última turnê. Infelizmente, é exatamente isso que o “Free” parece: um disco fragmentado e desnutrido. A faixa-título define o tom – um ambiente formado por guitarras, trompetes e uma ligeira interjeição do Iggy. “Quero ser livre”, essas são as primeiras palavras da música. Por quase 2 minutos, a guitarrista Sarah Lipstate, também conhecida como Noveller, fornece um ambiente gelado e desolado. Enquanto isso, Leron Thomas pinta suas vistas com tons inerentemente tristes. Enquanto Iggy Pop repete seu desejo, sua voz ecoa como se seu corpo estivesse desaparecendo. O instrumental da faixa-título inicia uma tendência que percorre o álbum inteiro. Instrumentos exuberantes dominam o lirismo medíocre. O repertório continua com a bombástica “Loves Missing”, uma balada com um som de guitarra semelhante ao trabalho de Josh Homme no “Post Pop Depression” (2016). Dessa vez, Iggy descreve a ansiedade que surge por causa da ausência do amor em um relacionamento – parece um soco no estômago. “Loves Missing” é um congestionamento que faz do “Free” um álbum complicado de dissecar.
Um riff de rock descendente é embelezado, e de repente dominado pelo trompete de Leron Thomas. Parece febril e agorafóbico. Escrita por Ruby Sylvain e Thomas, “Sonali” tem um instrumental estimulante, mas é um trabalho árduo quando Iggy canta. Esse é o principal problema do álbum; ele não é mais o cantor que costumava ser. Liricamente é um pretexto para uma pessoa que não atende suas ligações quando está embriagado. Não há como questionar a honestidade de sua afiliação com os alcances mais experimentais de jazz. “James Bond” tem uma sensação que lembra vagamente os anos 60, uma música matadora com um ótimo solo de trompete. Aqui, Pop se diverte com uma fatia parisiense do passado – “James Bond” é uma anomalia e, ironicamente, a música mais descartável. Isso por si só é superado pela misteriosamente pobre “Dirty Sanchez”, cujas letras também foram escritas por Thomas. “O pornô online está me deixando louco”, ele diz em uma linha, “Só porque eu gosto de peitos grandes, não significa que eu gosto de paus grandes”. A leitura mais caridosa disso é que a escrita de Thomas está se esforçando para corresponder a estética idiota que Iggy Pop explorou com tanto sucesso ao longo de sua carreira. Nesse sentido, “We Are the People” é um recital de um poema de Lou Reed que não foi publicado até a sua morte em 2013.
“Free” pode compartilhar uma melancolia e um espírito auto-referencial como o “Post Pop Depression” (2016), mas é um saco cheio de ideias incompletas que buscam coesão. Com sua voz rouca, Pop resmunga sobre um trompete funerário e toques de piano. Essa música não teria a influência que tem sem a trombeta de Leron Thomas soprando um vento reflexivo ao seu redor. Pop fala sobre deslocamento e privação de direitos em uma direção niilista, quase vingativa. “Somos vítimas do manifesto incalculável”, ele diz com uma atitude conspiratória. Em seguida, Leron e Noveller improvisam em torno de si enquanto ele recita o poema “Do Not Go Gentle into That Good Night” de Dylan Thomas. Aqui, Pop incita a ação. Ele não está deitado em decúbito dorsal de sua mortalidade: “A velhice deve arder e delirar ao fim do dia”. A mensagem é clara: viva a vida ao máximo, até o fim. Pop também polemiza contra a liberdade como a capacidade de comprar bens materiais em “Glow in the Dark”. “Se queremos prata e ouro e diamantes e pérolas / Então todos devem fazer sua parte neste mundo / Servos servirão e reis governarão”, ele canta. Novamente, qualquer aparência – qualquer esboço – se dissolve em uma descida louca e apodrecida. Essa música é quase uma queda livre. À medida que a cacofonia gira, ela apaga seu rosto, sua aura e sua própria essência.
“Page” continua na mesma linha com um vocal baixo e um vibrato suave, transmitindo sua mensagem de desculpas ao ouvinte. Aqui, ele canta verdades universais como “somos apenas humanos” e “sou para você, apenas um artefato”. Iggy está ciente de sua idade e mortalidade. O poema “The Dawn” encerra a segunda metade do álbum de maneira semelhante. Como um álbum do Iggy Pop, ele oferece momentos clássicos, além de algumas ofertas mais reflexivas. “Você precisa fazer alguma coisa, alguma coisa, porque a escuridão é como um desafiante”, ele diz. Fiel ao seu título, “The Dawn” lança uma luz no fim do túnel. É um momento revelador para Iggy Pop. Com esse sentimento, ele parece ter encontrado aceitação e até satisfação. Ele parece ter percebido que a liberdade não está purgando a vida de seus momentos negativos; antes, a liberdade está aceitando-os como inevitáveis. James Newell Osterberg Jr. forjou muitos sons e vestiu muitas formas ao longo de sua carreira. Mas somente agora, ele finalmente parece livre. “Free” é ousado, engraçado e cheio de reviravoltas inesperadas. Ele é construído para o crepúsculo e para profunda contemplação. Excedeu as expectativas, especialmente para um artista que já existe há meio século. Se o padrinho do punk decidir se aposentar após esse álbum, será uma boa maneira de terminar sua carreira.