O novo álbum duplo da banda australiana Nick Cave & the Bad Seeds serve como um epílogo celestial, com o compositor de 62 anos escrevendo de forma mais alucinógena possível. A faixa-título de 12 minutos de duração, por exemplo, exige muita atenção e tempo. É uma das duas longas faixas finais que Nick Cave descreve como “pais” das outras oito faixas anteriores. Honestamente, é sua composição mais impressionante dos últimos anos. Adequando-se a um casal que encontrou um prolífico trabalho de meio período, Cave e o colaborador de longa data, Warren Ellis, contam uma história inteira com um único arranjo. É uma balada de piano incrivelmente ambiental e psicodélica.
Acompanhada por cordas, sinos, bateria e sintetizadores, sua ascensão e queda são estruturadas para tirar o fôlego – a narrativa é igualmente transportadora. Sua voz está cansada e suas visões surgem em meio a explosões desorientadoras. A certa altura, ele foca em um conto de fadas que se transforma em pesadelo, onde uma família de ursos “envelhece a vida toda” enquanto assistem TV. Sua parede flutuante de detritos eletrônicos cai no meio do cenário doméstico inesperado: “Mamãe ursa segura o controle remoto, Papai urso apenas flutua / Bebê urso foi para a lua em um barco”. Em outros lugares, Cave canta sobre esperança e desesperança. “O amor é assim, você sabe”, ele observa, lembrando que o amor é muito mais místico do que imaginamos. Comparada à outras músicas recentes da banda, como “Higgs Boson Blues” e “Jubilee Street”, “Ghosteen” não encontra catarse nos momentos dramáticos e irregulares da Bad Seeds.
Em vez disso, seu clímax chega com o coro surreal, onde a voz do Nick Cave fica coberta de efeitos que parecem assustadoramente inorgânicos. Quando “Ghosteen” diminui a velocidade, a tecla muda para um tom menor e o sonho – uma figura brilhante dançando na palma da mão – desaparece, deixando um vazio profundo no centro da música. “Não há nada errado em amar algo que você não pode segurar na mão”, ele canta mais tarde enquanto aponta para um mundo cheio de amor e dor. Há ecos de “Low” (1977) do David Bowie, assim como a maneira que Bill Fay canaliza introspecção. É uma obra-prima absoluta da beleza que podemos encontrar na melancolia. “Ghosteen” constrói um mundo de imagens sinistras e infantis, para demonstrar a tristeza e a solidão da narrativa central – se essa é a palavra certa. O som do refrão é um momento de verdadeira libertação.