“Modus Vivendi” é essencialmente a antítese dos trabalhos que surgiram das sessões com Kanye West em Wyoming.
Depois de ouvir Danielle Balbuena em 2018, que na época lançou principalmente singles e faixas no SoundCloud, Kanye West e Pusha-T a convidaram para participar de seus álbuns – “ye” (2018) e “DAYTONA” (2018), respectivamente. Embora esse sucesso inicial a tenham levado à vanguarda da indústria há um ano e meio, 070 Shake demorou um pouco para lançar seu álbum de estreia, “Modus Vivendi” (uma frase em latim que se refere à coexistência pacífica de duas forças opostas). Criada em Nova Jersey, seus primeiros anos tiveram suas contendas, e sua voz reflete isso. Ela é coberta por uma quantidade suficiente de emoção, algo que outras artistas passam a carreira inteira tentando expressar. No “Modus Vivendi”, 070 Shake torna sua dor completamente tangível. Mas ela não conta com composições sofisticadas ou produções autoritárias. Em seus melhores momentos, parece real, como uma conversa de alguém desabafando ou uma pessoa colocando seu peso emocional para fora. Shake é uma artista que precisa criar a música para si mesma, mais do que precisa de um público para ouvi-la.
Esse sentimento despojado é mais evidente em “Come Around”, uma das faixas mais fortes do repertório; seu desespero e desejo chegam a um nível quase insustentável, como se fosse transbordar a qualquer momento. Suas letras são enganosamente simples, elas não vão muito longe e raramente são metafóricas. “Esse fogo, eu sei que queima por dentro / É sua decisão, mas você ainda faz o meu”, ela canta na maravilhosa “Morrow”. Uma peça formada por uma bela guitarra espanhola, progressões de 808 e melodias encantadoras. O lirismo brilha com facilidade, uma vez que 070 Shake é levada por sua convicção. Quando ela diz alguma coisa, você realmente sente. Dito isto, Balbuena demorou quase dois anos para criar o “Modus Vivendi”, adiando a data de lançamento enquanto meticulosamente aprimorava o seu som. Isso se manifesta principalmente nos pontos fortes do registro: perfeitas transições trabalham em conjunto com as letras e vocais impecáveis. No entanto, também é evidente em algumas faixas que não têm seu senso distinto de coragem. Veja a cativante “Guilty Conscience”, por exemplo.
Apesar de estar cantando sobre a devastação de ser traída, a produção ofusca a autenticidade, o que é raro para ela e para o restante do álbum. Shake não criou um projeto apenas para capitalizar a atenção que ela gerara de suas colaborações anteriores. Em vez disso, ela criou um álbum que mostra o que absorveu entre o passado e o agora; de fato, “Modus Vivendi” é a fonte de sua experiência. A renderização cromática de um ciborgue na capa e as ricas paisagens eletrônicas da tracklist revelam o contexto mais importante do título: a unidade do humano e do mecânico. Esse tema está presente na estética sonora de 070 Shake desde que ela foi introduzida na indústria em 2018 por “Ghost Town”, de Kanye West. Quase dois anos depois, “Modus Vivendi” aprimora ainda mais a abordagem da fusão de uma mulher e uma máquina. Porém, seu hip hop futurista continua borrando as linhas artísticas, muitas vezes fazendo de sua voz o instrumento mais puro que ouvimos. Dito isto, seu estilo musical é frequentemente fugaz e difícil de definir. Às vezes ouvimos synth-pop, às vezes R&B e electropop. Essa ambivalência costuma ser chocante e é estabelecida no início das duas primeiras faixas, “Don’t Break the Silence” e “Come Around”.
O trecho intermediário do álbum é de longe o mais forte e dinâmico, pois apresenta faixas como “Pines”, “Guilty Conscience” e “Microdosing”. “Pines” é uma balada da era moderna com cordas afiadas e vocais trêmulos, representada por perguntas como: “Onde você dormiu na noite passada?”. “Guilty Conscience”, lançada anteriormente como single, é sem dúvida um destaque, pois a progressão vibrante do sintetizador apoia uma história honesta de desgosto e arrependimento. Logo após “Microdosing”, surgem camadas psicodélicas e letras trépidas que envolvem encontros amorosos. Esta parte do LP também mostra a profunda capacidade de 070 Shake em deixar seus instrumentais marinarem e se desenvolverem organicamente, seja nas explosões coloridas da guitarra de “Divorce” ou nas misteriosas calmarias sísmicas de “Under the Moon”. A parte final do álbum é formada por “Daydreamin” em um espasmo eletrônico abrasivo, e “Terminal B” com sua atmosfera flutuante. A última faixa, “Flight319”, é um hino inspirador sobre espiritualidade que nos deixa com uma confortável ignorância.
Os pensamentos finais de ambição atam efetivamente os temas contínuos de futurismo e ambivalência que ecoam ao longo do álbum. Sua voz nem sempre é utilizada adequadamente, mas isso é resultado de muita experimentação no estúdio. No conflito e lapso do “Modus Vivendi” é onde Shake prospera; sua voz une as forças justapostas de maneiras nunca vistas antes. Mais importante, seu conforto e alegria nesses contextos musicais são verdadeiramente transcendentes. O “ye” (2018), do Kanye West, foi duramente criticado quando foi lançado, no entanto, Shake foi responsável por alguns momentos agradáveis – ela participou de “Ghost Town” e “Violent Crimes”. Sua performance em “Ghost Town” foi particularmente um vislumbre de qualidade em meio à faixas desleixadas e confusas. Quando ela apareceu no “ye” (2018), o álbum provou que tinha algo de bom para oferecer. Dito isto, “Modus Vivendi” mostra que estávamos certos quando detectamos o talento de 070 Shake. É um álbum incrivelmente honesto com um alto valor de produção – a nativa de Nova Jersey deve ter ficado orgulhosa do resultado final. De fato, “Modus Vivendi” pode ser considerado o melhor álbum da gravadora do Kanye West desde o lançamento do “DAYTONA” (2018), do Pusha-T.