A principal força de Dan Snaith continua sendo suas habilidades como produtor; praticamente todas as músicas tem algum detalhe que faz você se apaixonar.
Qualquer pessoa que queira entender melhor a jornada que Dan Snaith teve durante este século, provavelmente deve começar com sua estreia como Manitoba. Por um lado, a paleta esplêndida de “Start Breaking My Heart” (2001) é o trabalho de um produtor que procura um arco pós-milenista; do outro, um homem brincando com um pseudo conjunto eletrônico. Snaith começou sua carreira como Manitoba antes de uma ação judicial forçar uma mudança. Posteriormente, ele também lançou álbuns como Daphni e Caribou. Seu estilo seria descrito principalmente como house, com inclinações para lados opostos da cena; como o pop e IDM. Snaith também é conhecido por tocar sintetizadores, bateria, guitarra e baixo, além de cantar principalmente em falsete. Seu novo álbum como Caribou, “Suddenly”, chega a disputar o gongo como o lançamento mais inadequado da década até agora. Faz mais de cinco anos desde que ele lançou o “Our Love” (2014), o registro que transformou sua reputação pública. Foi o primeiro lançamento desde o nascimento de sua primeira filha, criado com os mesmos elementos básicos do “Swim” (2010). A diferença era mais temática, uma mudança em direção a algo mais pessoal – um conceito aguçado, mas que sentia profundamente o exame do amor em todas as suas formas.
Com Daphni, ele encontrou mais um pseudônimo com o qual pode exercitar habilidades artísticas de DJ. Mas neste quinto álbum sob sua bandeira mais proeminente, há traços de cada uma de suas personalidades. Tudo tece alquimicamente como se fosse fácil misturar suas essências. O trabalho de um artesão no auge de seus poderes mostra uma maestria de um grande nicho: “Sister” é mais aberta e nervosa, e brilha no IDM com seus falsetes; “You and I” apresenta um sintetizador de borracha; “Sunny’s Time” corre com facilidade sob um loop de piano; “New Jade” se contorce sobre uma amostra de R&B; “Home” é uma peça de neo soul; e “Lime” distorce o deep house com grande facilidade. Com “Suddenly”, ele compartilha mais uma pegada criativa. Não dá para negar que músicas como “Home” e “Sunny’s Time” introduzem influências de hip hop, conforme os vocais sampleados ganham destaque por conta própria. Apesar desses ajustes, a gama sonora do Caribou permanece a mesma. Ele está mais uma vez usando o mesmo pincel para pintar uma imagem totalmente nova, um mergulho profundo em turbulências e tragédias. Ao lado do “Our Love” (2014), “Suddenly” pode ser considerado o seu álbum mais pessoal até hoje – e talvez o mais estranho e singular. O título surgiu depois que sua filha mais nova ficou obcecada por essa palavra na infância. De muitas maneiras, é a escolha perfeita. Porque “Suddenly” é, essencialmente, um registro sobre família e domesticidade.
Mas apesar do título, ele não nasceu repentinamente. No período de cinco anos que o separa do “Our Love” (2014), sua família cresceu e sofreu uma pressão significativa: sua filha mais nova nasceu na traseira de um carro a caminho do hospital; seu cunhado morreu repentinamente de um ataque cardíaco; sua cunhada passou por um difícil divórcio; e seu pai teve uma crise de saúde. São eventos massivos que abalaram o mundo a sua volta e alteraram a trajetória de sua vida. E as músicas do “Suddenly” passam por mudanças semelhantes; enquanto Snaith costumava se transformar em cada novo trabalho, aqui ele está com pressa e não pode esperar. Enquanto “Our Love” (2014) empacotou seu terno exame das tentativas e compromissos de longo prazo com um pop orientado para as pistas de dança, “Suddenly” está mais interessado em tocar seu coração do que mover os pés. Compreensivelmente, dado o assunto, uma sensação avassaladora de perda permeia todo o repertório. Se você não sabia que Snaith era casado, poderia até pensar que era um álbum sobre separação. Mesmo assim, não é exatamente uma audição pesada ou cansativa. As músicas mais tristes são tão bonitas e às vezes até eufóricas – sua voz acalma e não afunda. E, de fato, esse é o ponto. A faixa de abertura, “Sister”, apresenta uma amostra de sua mãe cantando uma canção de ninar para sua irmã quando ela era bebê. O título do álbum também funciona em outro sentido, mais literal.
“Suddenly” está carregado de músicas que começam de uma maneira e se transformam drasticamente. Isso tem ressonância pessoal, pois ele divulgou que esse material trata de uma mudança inesperada. O resultado é o seu álbum mais rico e estranho até agora. Se há uma coisa que você não pode acusar esse álbum de ser, é chato. Ele constantemente muda entre diferentes sons e estilos. E apesar de tudo isso, ainda soa coeso da maneira mais característica. É divertido, dançável e macio, tudo ao mesmo tempo. “Suddenly” se mantém da melhor maneira possível, oferecendo novas reviravoltas a cada música e permanecendo em uma linha fina e oscilante. Ele soa melhor a cada audição e pode terminar o ano como um dos melhores álbuns de 2020. Dito isto, há muitos momentos agradáveis, mas no geral há menos batidas e mais foco na composição. A energia oscila descontroladamente e ele canta em todas as faixas. O maximalismo dos primeiros discos de Dan Snaith está de volta em pleno efeito. Na maioria das vezes, porém, o resultado é esmagador. Mas grande parte do álbum é suave, sem o caos criativo que encontramos em projetos anteriores. Mesmo durante suas faixas mais tímidas, há reviravoltas. Em “Sunny’s Time”, por exemplo, ele passa a primeira metade cantando delicadamente em cima de um piano acústico distorcido, antes que uma amostra de rap assuma o controle.
A música então se reconstrói antes de passar alguns momentos concentrando-se no piano gaguejante. O piano e as teclas aparecem fortemente no “Suddenly”, e de várias formas, como em “Filtered Grand Piano”. Com menos de 1 minuto, é, talvez sem surpresa, um silencioso solo de piano. Em outros lugares, as teclas estão no centro do palco mais uma vez, como em “Never Come Back”. Mas mesmo em algo assim, Caribou evita soar derivado. Às vezes, o piano é usado para fazer as pessoas dançarem, mas outras vezes é utilizado por suas qualidades emotivas, como nas teclas impecáveis de “Magpie”. “Suddenly”, em muitos aspectos, poderia ser mais restrito, mais limpo e menos espirituoso do que “Our Love” (2014). Mas, por outro lado, Snaith também flerta com outros gêneros. Ele tenta uma estética mais amigável em “You and I”, uma peça impressionante com um refrão brincalhão, vozes infantis e melodias de videogame. Liricamente, essa canção foi escrita para a mãe de sua esposa, do ponto de vista dela, de luto pela perda do filho. Em “Home”, há um ritmo empoeirado, onde ele oferece sua provável melhor performance vocal do álbum. Através do R&B, pop e hip hop, ele entra no território acidentado de “Ravi”, onde o fatiado vocal feminino e as varreduras de filtro superior não adicionam muito à composição. Também há algumas composições com temas bastante pesados – como tragédia, morte, divórcio e estresse.
“Cloud Song” funciona lindamente como um capítulo final, automatizando ou aprimorando os parâmetros de sintetizadores para dar suporte aos movimentos repetitivos da melodia. Ela termina as coisas em uma nota quase transcendental. Sobre elementos eletrônicos polidos e ondulados, Snaith sobe constantemente para um clímax com sua voz desaparecendo por trás da cortina de sintetizadores. Em entrevistas recentes, ele foi aberto sobre seu casamento, paternidade e as emoções que acompanham tudo isso. Mesmo que esse álbum seja menos cru, pode ser o mais aberto liricamente. Existem alguns hinos definidos e padrões mais aventureiros, que ele habilmente alterna à medida que o álbum avança. Você nunca sabe o que esperar. Há muito o que apreciar aqui, longe de ser perfeito, mas com muito talento envolvido. De fato, “Suddenly” se manifesta de várias maneiras: possui determinação e lamenta a perda de alguém que não está mais na sua vida – seja por opção ou circunstância. Juntamente com algumas das produções mais pop de sua carreira, o álbum se torna um vislumbre de otimismo em meio a tanta tristeza. Todavia, há uma dicotomia estranha no coração da tracklist. Embora seja provavelmente o seu material mais experimental e intencional até hoje, seus vocais amarram tudo. Assim como a vida, a alegria vem da pura imprevisibilidade. Nesse sentido, “Suddenly” já é um dos álbuns mais vitais de sua carreira.