“Through Water” refina o som de Låpsley: há pesados acordes de piano, vocais altos e tristes pancadas de sintetizadores.
Holly Lapsley Fletcher, conhecida simplesmente como Låpsley, tinha apenas 19 anos quando seu álbum de estreia foi comparado com James Blake e The xx – Billie Eilish então a nomeou como uma influência. Agora, com 23 anos, a britânica lançou um álbum de maioridade. Em “Through Water”, uma autoconfiança assume o controle enquanto a mágoa interna que permeava o “Long Way Home” (2016) fica em segundo plano. Dado o estado do mundo no momento, este álbum dá vida à destruição e à tristeza que enfrentamos. Como o título sugere, “Through Water” se aventura em águas profundas. Ao atravessar as metáforas das trevas e entrar na luz, Låpsley mostra uma maturidade recém-descoberta. A adição de algumas faixas do EP “These Elements” (2019) se encaixou perfeitamente na estética do álbum, cujas letras abordam preocupações ambientais, rompimentos amorosos e auto aceitação. A partir da narrativa da primeira faixa, “Through Water”, Låpsley anuncia imediatamente as avenidas estilísticas que ela explorará ao longo do álbum. Essas explorações de forma alguma comprometem a assinatura estética refinada que tanto apreciamos, criada principalmente a partir de acordes de teclado.
Também não podemos nos esquecer das sequências rítmicas que renovam constantemente o prazer de ouvi-lo. Aqui, os vocais são andróginos – às vezes altos e sintéticos, às vezes calmos e profundos, às vezes macios e graciosos. O primeiro single, “Womxn”, reflete essa ambiguidade com uma promessa para o futuro: “Paro de julgá-la, digo a ela quem eu quero ser / Eu pareço, respiro, me sinto como uma mulher”. O clima, a água e os elementos são temas correntes. A faixa-título mostra um discurso do seu pai sobre os impactos das mudanças ambientais sentidas pela água. Mudando de tom várias vezes, o vocal crescente se concentra em um mundo em decomposição: “Penso no óleo debaixo dos meus pés / Dos carros na estrada até a pista abaixo dos meus pés”. Låpsley se autoproduziu pela primeira vez, e o resultado é um reflexo do fluxo e refluxo de sua própria vida. Quando se mudou de Londres para Manchester, ela concluiu um curso de obstetrícia, apaixonou-se e se separou novamente. Presumivelmente, “Through Water” se beneficia disso: em vez de acompanhar uma forte produção a todo custo na corrida pela inovação, ela prefere se concentrar em composições mais sucintas.
Depois de passar 34 minutos analisando suas letras e produções experimentais, pude concluir que esse álbum é uma prova do seu crescimento artístico. Para realmente desfrutar de uma música da Låpsley, você precisa prestar atenção nos detalhes. Ela é uma cantora imprevisível que acrescenta reviravoltas interessantes em sua música – especialmente na produção. Liricamente, o álbum é repleto de belas símiles e metáforas que não haveria espaço suficiente para citar todas elas. “Through Water” é sem dúvida o melhor projeto de sua discografia até o momento. Diferente de seu álbum de estreia, ela produziu e escreveu todas as músicas deste. Após quatro anos, aperfeiçoando seu ofício, é evidente que ela se tornou uma produtora e compositora confiante. Ao contrário da maioria das músicas cheias de diferentes elementos em termos de produção, “Speaking of the End” tem uma estrutura simples que permite que sua voz realmente brilhe. Além de apresentar um dos melhores refrões, é também um exemplo do quão bom ela é como compositora. “Memórias caem como gotas de chuva, derrama no verão e me congela até o fim”, ela canta aqui. Sua voz ocupa o centro do palco juntamente com um piano que sinaliza o fim de um relacionamento e abre caminho para o nascimento de outro.
O álbum é complementado pela linda “Bonfire”, uma música sobre as complicações que acompanham alguém que não pode aceitar a mudança. Há profundidade e escuridão em suas letras que abrangem um certo tipo de nitidez e, ao mesmo tempo, um grau de vulnerabilidade. Isso também é evidente em “Our Love Is a Garden”, uma homenagem aos anos 80 e sua obsessão pela gravadora britânica 4AD. “First”, por outro lado, vê seus vocais se fundirem com o dancehall a fim de criar uma vibração deliciosa. A melancolia de “Ligne 3”, batizada com o nome de uma linha de bonde de Paris, toca na sequência de um término traumático. A beleza dessa música está em sua dor, o piano e os sintetizadores minimalistas encapsulam sua voz proporcionando uma sensação insuportável de solidão que todos nós sucumbimos em algum momento de nossas vidas. Depois de tirar um ano para se recalibrar, “Through Water” mostra Låpsley em plena floração. Com esse álbum, ela entra em um território que é ao mesmo tempo calmo e perturbador, constantemente impulsionado pelas batidas de suas composições minimalistas. Admitindo ter lidado com um monte de emoções nos últimos anos, ela começou a explorá-las nesse hipnotizante LP.
Ao mesmo tempo, ela não ignora a verdade assustadora, falando sobre “eventos climáticos extremos através de crises” na faixa-título. Mas essa vulnerabilidade é rapidamente transformada em força na peça mais proeminente do álbum, “Womxn”. Låpsley também abraça seu próprio crescimento e se volta para si mesma com empatia e confiança. “Through Water” combina momentos de dúvida com força e beleza. Também mostra que embora o mainstream não seja o objetivo, ela é totalmente capaz de gravar músicas cativantes. Certamente, “Through Water” é um relato íntimo de sua jornada magistralmente entrelaçada com declarações globais. Como uma grande compositora costuma fazer, suas letras pintam uma imagem relacionável que agarra e puxa você para o mundo dela. Embora sejam concisas e temáticas, nenhuma canção se sente repetitiva ou pisa no mesmo terreno. É evidente desde o início que Låpsley não tem medo de correr riscos. Apesar de sua paleta sombria e estética, o próprio álbum tem esperança em suas fundações. Holly Lapsley Fletcher está combinando a escuridão e a perda com um novo começo. É raro um artista ser capaz de retratar nitidamente sua visão artística de tal maneira. Ela, no entanto, faz isso com facilidade – “Through Water” é uma conquista para a jovem britânica.