Bob Dylan, poeta e intérprete que fez seus primeiros shows na primavera de 1961, sabe como nos comover. Na superfície, “Murder Most Foul”, sua primeira música original em 8 anos, documenta o dia em que o Presidente John F. Kennedy foi assassinado. Além disso, também fala sobre as marés instáveis da cultura popular dos últimos 60 anos. Ao invocar e justapor pontos históricos, Dylan pinta um retrato de uma década que, felizmente, ganhou fôlego graças à arte e esperança. As pessoas estão achando esse lançamento oportuno, uma vez que março de 2020 está passando por momentos cheios morte, horror e medo apocalíptico. Para uma peça de 17 minutos, não há muita coisa acontecendo musicalmente. O arranjo paira na atmosfera: uma névoa de piano cai enquanto a bateria, o baixo e o violino são levemente tocados – sua suavidade realmente contraria o tom das letras.
Aqui, não há nada que se pareça com uma estrutura padrão, ao passo que Dylan abandona qualquer pretensão de criar melodias vocais: “Murder Most Foul” é essencialmente uma recitação musical. A maior questão é claramente a letra, que é intrigante o suficiente para despertar seu interesse. Além de todas as referências culturais, há um narrador que continua dando uma infinidade de detalhes sobre o assassinato. “Não diga que Dallas não o ama, senhor presidente”, é uma distorção das últimas palavras ditas a JFK por Nellie Connally, a primeira-dama do Texas. A litania de música, filme e literatura que consome a segunda metade da canção nos faz questionar se a arte é uma distração sem sentido em momentos de tragédia ou algo de importância vital. Dito isto, “Murder Most Foul” é o trabalho mais impressionante do Bob Dylan em anos. Este é o autor de “Desolation Row” e “Like a Rolling Stone” que preenche uma música de 17 minutos com uma variedade de fragmentos culturais. Sua voz é sombria, o humor moderado e as letras ocasionalmente iluminadas pelo piano. Como um sonho febril, a narrativa do assassinato se funde com as visões da década de 60. “Os Beatles estão chegando, eles vão segurar sua mão”, ele canta, anunciando o single da banda, que chegou aos Estados Unidos aproximadamente um mês após a morte do então Presidente. O Prêmio Nobel de Literatura concedido a ele em 2016 permanece em boas mãos. Portanto, é bom tê-lo de volta – “Murder Most Foul” merece seu lugar no cânone da música.