Agora, mais do que nunca, o escapismo da música não pode ser negligenciado; Little Dragon criou um mundo cheio de cores em seu sexto álbum.
O novo LP da banda Little Dragon, “New Me, Same Us”, é uma refinada coleção de synth-pop com fortes influências de soul clássico e R&B contemporâneo. É o seu primeiro disco pela gravadora independente Ninja Tune. O quarteto o gravou e produziu em seu estúdio em casa e, mesmo que tenha sido criado dentro dos limites digitais dos computadores de mesa, as músicas conseguem soar orgânicas. Os vocais sensuais de Yukimi Nagano e as letras emocionalmente incisivas são o coração e a alma do álbum. Little Dragon é uma daquelas bandas tão consistentemente boa que quase passa despercebida. “New Me, Same Us” desafia essa familiaridade, produzindo o que eles fazem de melhor. Depois de seis álbuns juntos, deixar de lado os egos pode ser estranho, mas “New Me, Same Us” tem honestidade e comprometimento em igual medida. Cada faixa é como a peça de um quebra-cabeça. Você está olhando as formas à sua frente, pensando que elas nunca se encaixam; então, de alguma forma, com o tempo, tudo começa a se encaixar. Esse encaixe é algo que Little Dragon tem procurado. Eles habilmente lixam as bordas do pop, R&B, hip hop e soul, desconsiderando as regras impostas a eles.
“New Me, Same Us” pode não ter faixas instantaneamente reproduzíveis, mas é unificado e forte candidato para o posto de melhor álbum da banda até hoje. Depois de apresentar uma batida encharcada de disco em “Hold On”, o quarteto passa as dez faixas seguintes oscilando entre essa energia propulsora e as paisagens exuberantes de “Kids” e “New Fiction”. A citada “Hold On” mistura os vocais com um paleta instrumental venerável enquanto faz referências a uma ruptura na forma de libertação. O ritmo do chimbal sincopado e a batida dançante nos induzem a refletir sobre a mensagem. As primeiras músicas são uma prova da qualidade do Little Dragon. São canções vivazes, cheias de energia e nos dão uma oportunidade de dançar através do desespero. O auge desse som se manifesta em “Rush” – a batida é constantemente refrescante, tão proeminente quanto os próprios vocais. Apesar de sua dançabilidade inerente, há uma qualidade inegável. A balada “New Fiction” se deleita com o brilho do neo-soul e confronta algo totalmente novo e emocionante. O pacote completo é formado por um ecossistema de sinos e pianos. “New Me, Same Us” é liso, bem feito e conjura o repertório mais coeso do grupo. Às vezes, é gentil e meditativo e outras vezes inesperadamente dançável.
A banda disse que trata-se do seu álbum mais colaborativo até hoje, adequado desde que passaram os últimos anos trabalhando com Kaytranada, Gorillaz, Big Boi e Flying Lotus. Imediatamente após ouvir o álbum completo pela primeira vez, é preciso ter consciência de sua instrumentação cuidadosamente construída. Little Dragon sempre se destacou ao criar melodias que não sobrecarregam o ouvinte – e esse álbum não é exceção. Ouvir o “Plastic Beach” (2010) do Gorillaz parece um curso intensivo; você pode se imaginar tomando um banho de sol em uma ilha tropical com um coquetel gigante na mão. Obviamente, o Gorillaz tem um som fantástico, mas já tiveram ajuda de colaboradores como o Little Dragon. Eles não são estranhos à construção de um trabalho parecido com o Gorillaz. A voz da Nagano, sempre caprichosa e encantadora, fez do Little Dragon o ajuste perfeito para trazer “Empire Ants” para a estratosfera. Pouco mais de uma década depois, a banda ainda está incorporando o escapismo em seus trabalhos, numa época em que precisamos desesperadamente dele. “New Me, Same Us” foi anunciado como um retorno às suas raízes e, consequentemente, há uma clara influência do seu álbum de estreia.
Podemos notar que o Little Dragon parece mais disposto a se retirar para um mundo de sua própria criação, confortando de frente sua artificialidade. Nagano frequentemente canta fragmentos de frases enquanto os vocais transformam até as linhas mais absurdas em poesia. Em “Another Lover”, ela canta: “Não consigo entender o que estou fazendo / Não entendo para onde estamos indo”. O baixo subestimado e o drone melódico acabam se transformando em uma mistura intrincada, conforme a bateria programada e o som vagamente disco aparecem por trás. De fato, o álbum não se afasta muito da assinatura sonora do Little Dragon. As batidas estão estourando e a vibração é gelada. “New Me, Same Us” parece totalmente desprovido de raiva e agressão. Até a tristeza parece bonita, em vez de sombria. “Are You Feeling Sad?” é uma ode ao pensamento mais positivo da colombiana Kali Uchis. Ela está destinada a ser um sucesso nas pistas de dança, que pode muito bem ser em sua sala de estar no momento. O bumbo e a batida de chimbal fazem você querer dançar no seu sofá, cantando com a colher de pau na mão. “Não se preocupe, não se preocupe, você vai ficar bem”, Nagano canta. Parte da esperança oferecida, no entanto, é falsa.
“Sadness” faz parte da metade mais relaxada do álbum. Parece haver um foco maior na melodia, com a percussão – embora ainda aparente – recuando para uma seleção encantadora de carrilhão. No auge do repertório, “Where You Belong” surge com sua natureza despojada. A bateria minimalista permite que o sutil riff de piano permaneça como ponto focal. A integração do baixo e da guitarra como pano de fundo é muito adequada. Tudo flui de maneira natural. “Where You Belong” se mantém sem qualquer floreio desnecessário e se estabelece como uma das canções mais fortes. Certamente, há momentos no álbum que podem parecer cansativos, mas mesmo assim parece revigorante e cheio de vitalidade. Mesmo depois de 13 anos de sua estreia homônima, as ruminações do Little Dragon continuam funcionam com a nudez do “New Me, Same Us”. Agora, mais do que nunca, sua qualidade escapista não pode ser subestimada. Com este álbum, Little Dragon abriu a porta para um mundo de cores, onde as batidas são frias e cada palavra é cantada suavemente. Todavia, “New Me, Same Us” merece o tempo necessário para crescer em você. Ele é atencioso e comovente, e a maioria das músicas se baseia na auto-reflexão e resiliência – exatamente o que precisamos agora.