“SAWAYAMA” é um álbum pop complexo e cuidadosamente elaborado, que se beneficia da entrega excepcional de Rina Sawayama.
O álbum de estreia da Rina Sawayama explora a vida através de experiências e duras verdades. Ela viveu em Londres a maior parte de sua vida, mudando-se para o Japão ainda jovem e tendo que lidar com a dor da separação dos seus pais. Chegar a um acordo com esse contratempo em uma idade formativa, assim como os inúmeros efeitos indiretos que teve em sua vida, é algo que ela explora com precisão no “SAWAYAMA” – um álbum que se baseia em temas de identidade, percepção e família. Musicalmente, Sawayama nos traz uma grandiosa fusão de pop e rock dos anos 2000 com um sabor refrescante, produção escaldante e letras que discutem a dor entre gerações e seus efeitos colaterais. Estabelecendo-se como uma mestre em transformar clichês do passado em novos acessórios, era esperado que “SAWAYAMA” continuasse com essa pegada. Surpreendente ou não, o pop da Rina Sawayama é pessoalmente político. Ela se destaca e desperta seu interesse com facilidade: há riffs de guitarra distorcidos, seções rítmicas – estalando e rangendo como equipamentos defeituosos de fábrica – e gargalos que sangram em torno de melodias descontroladas. Somente quando o barulho do Korn recua e uma música inspiradora da Britney Spears começa, que ela se solta. “Você já pensou em fechar a boca?”, ela pergunta em “STFU!”.
O vídeo completa o pacote. Tudo começa com um encontro indescritível entre ela – que nasceu no Japão e cresceu em Londres – e um hipster barbudo com óculos. Ele expressa surpresa por ela cantar em inglês. “Atualmente, estou escrevendo, tipo, uma obra de ficção, mas da perspectiva de uma pequena mulher japonesa”, ele diz. O tempo todo, Sawayama fica lá parecendo cada vez mais desconfortável e perturbada, como se ela não pudesse acreditar que isso estivesse acontecendo. Quando o cara acidentalmente joga um pedaço de arroz nos seus olhos, enquanto finge fazer artes marciais com os pauzinhos, e questiona se ela está racialmente misturada, a violência sonora irrompe. O mesmo acontece com uma procissão de imagens contorcidas e provocadoras – a reação fantasiosa de Sawayama a esse imbecil sem noção. Se um videoclipe é, em última análise, um comercial que vende você a um artista, “STFU!” cumpre com o objetivo. Riffs contundentes com tons de nu metal e batidas açucaradas são apresentadas; uma mistura que na teoria simplesmente não deveria funcionar, mas é executada perfeitamente. “SAWAYAMA” não é potente o tempo todo, mas apresenta Sawayama como uma artista original e uma estrela em formação. Ela também se destaca quando apresenta histórias que muitas vezes não são contadas no contexto da música pop.
Como uma exploração de identidade e cultura, “SAWAYAMA” abre com uma poderosa declaração de autossuficiência e percorre toda a gama até a penúltima faixa, uma gentil declaração de solidariedade. “Dynasty” explora as relações às vezes dolorosas entre pais e filhos de imigrantes transculturais. “A dor na minha veia é hereditária”, ela canta aqui, uma das várias músicas que examinam o trauma geracional e seus laços familiares. Uma faixa dramática que abre espaço para uma ponte eufórica impulsionada por vocais crescentes em conjunto com um solo de guitarra. Em “Akasaka Sad”, ela luta com a sensação de alguém de fora do seu país natal por causa do R&B digital que soa como um remix da PC Music. Essa música converte inseguranças pessoais em um pop cativante, discutindo depressão e síndrome dos impostores, sentindo que ela não se encaixa nem em Londres nem em Tóquio. Caso em questão, “Paradisin'”, um dos destaques particulares do álbum, detalhando como Sawayama passou boa parte da adolescência atuando. Essa foi a maneira que ela encontrou para lidar com a paternidade pesada de sua mãe. É uma faixa adequadamente enérgica, alcançada em alturas ainda maiores com o solo de saxofone.
Apoiada por sintetizadores, “Tokyo Love Hotel” lamenta que os turistas tratem o Japão como um parque temático, enquanto se pergunta se a música está contribuindo para o problema. A suposta “Chosen Family”, que é muito exigente, embora especificamente dedicada à comunidade LGBTQ+, pode se aplicar a qualquer pessoa que se sinta bem depois de achar que é uma aberração. O escopo fica ainda mais amplo no dance sombrio e glamoroso de “Comme Des Garçons (Like the Boys)”. Aqui, há elementos de disco, funk e house misturados em uma receita vencedora. Essa música se concentra no privilégio masculino, ao mesmo tempo em que possui arrogância suficiente. Se eles podem fazer isso, ela também pode, e esse é o tipo de confiança necessária para lançar um álbum tão audacioso como esse. De fato, há mais de um conflito cultural acontecendo neste álbum. Enquanto Sawayama navega pelas diferenças significativas entre as duas nações insulares, ela também constrói uma ponte entre os sons pop e hard rock do início do século XXI. De uma maneira que reflete a parceria de Rosalía com El Guincho, Sawayama trabalha em estreita colaboração com o produtor Clarence Clarity, um excêntrico experimental cuja música une o passado e o presente.
Mas, embora haja uma qualidade assombrosa na produção de Clarence Clarity, suas colaborações com Sawayama transformam suas escolhas sobrenaturais em um profissionalismo elegante. Juntos, eles invadem um território desconhecido. Outras artistas, como Grimes e Poppy, hibridizaram o pop e o nu-metal, mas a combinação raramente soou tão desafiadora como o mainstream de Rina Sawayama. Ela é inconfundivelmente uma cantora pop, mas uma cuja música às vezes é atada a sons intocados. Ela atinge o equilíbrio de uma maneira que mantém a tensão entre os gêneros que trabalha. Sua devoção a esse momento também é rara, ou pelo menos à frente da curva. Enquanto Dua Lipa e a banda The 1975 brincam com os retrocessos dos anos 2000, ultimamente, ninguém se aprofundou tanto nessa estética como ela. “Dynasty” tem uma energia gótica que não vemos desde o auge do Evanescence. Isso é seguido pela crítica satírica de “XS”, talvez o ponto alto do álbum, no qual a desagradável guitarra intermitentemente se transforma em batidas acústicas apertadas, parecidas com a produção de “Like I Love You”, do Justin Timberlake. Mas nem todas as faixas são datadas diretamente dos anos 2000.
“Love Me 4 Me” pode ser sacudida com a mesma energia de “Dirrty” da Christina Aguilera, mas seu hip hop remonta claramente aos anos 90; “Parasidin'” possui um solo de saxofone rasgado diretamente dos anos 80. Embora a balada sintetizada “Bad Friend” receba influências da Imogen Heap, ela também pisca diretamente para uma sessão de karaokê de “Call Me Maybe”, da Carly Rae Jepsen. Este álbum é a sua tentativa de escalar as alturas do estrelato pop e conquistar o mundo. Como imigrante japonesa em Londres, tendo que reconstruir sua vida do outro lado do mundo, Rina Sawayama teve que criar seu próprio nicho. Mas a música lhe ajudou a conseguir uma clareza de propósito que pode ser notada por todo o “SAWAYAMA”. Por fim, o repertório termina com a experimentação deliciosamente estranha de “Snakeskin”. É um último suspiro dado por alguém que está profundamente interessado em ultrapassar as fronteiras musicais e culturais. Como uma façanha de produção e composição, “SAWAYAMA” é emocionante, reconfortante e assustador – uma audição satisfatória que serve como a declaração pessoal de uma artista que busca conexão e transformação pessoal. De fato, “SAWAYAMA” ultrapassa os limites do que a música pop pode ser – ele pode lidar com o trauma do passado, mas Rina Sawayama parece estar vivendo no futuro.