“HiRUDiN” cultiva o prazer do pop sem se esquivar da estranheza que ilumina sua carreira desde 2011.
Em álbuns como “Olympia” (2013) e o subversivo “Future Politics” (2017), Katie Stelmanis, da banda canadense Austra, abordou sonora e liricamente uma maior extensão de seus pensamentos sobre a magnitude de nossa realidade material. O “HiRUDiN”, em comparação, é mais introvertido e faz mudanças radicais na visão de Stelmanis sobre o que Austra pode ser. Se a principal mudança é destacar a vulnerabilidade e desafiar as noções pré-concebidas dos modelos sonoros desejados e das repetições líricas, essa transição vale a pena. “HiRUDiN”, acima de tudo, oferece uma surpresa agradável, apresentando uma espécie de refutação ao seu disco anterior. É uma versão complexa e bonita de uma alma fugaz, curvando-se e distorcendo as apostas do tempo, corpo e mente. Um álbum que alcança uma clareza admirável com uma produção exuberante e um maximalista alcance vocal. Desde seu som eletrônico bem esculpido até sua implementação artística e letras pungentes, “HiRUDiN” é uma declaração que vem da alma, uma visão do eu como uma pessoa entre ruínas. Qualquer que seja o meio, todo artista tenta criar sua arte a partir de experiências pessoais, na esperança de falar universalmente.
Álbuns sobre separações é um rito de passagem para a maioria dos músicos; uma maneira de encontrar um fechamento para um relacionamento destruído e usar essa catarse para ajudar a superá-lo. Houve muitos álbuns seminais que falam sobre separação, incluindo “Blood on the Tracks” (1975), “Rumours” (1977) e “For Emma, Forever Ago” (2007) – e agora podemos adicionar “HiRUDiN” a esta lista. É um LP que documenta as consequências de um relacionamento tóxico e leva o ouvinte ao longo de uma grande jornada emocional, procurando olhar interiormente para encontrar algum consolo externo. Austra esteve na vanguarda do cenário da música eletrônica canadense com seus três últimos discos – e “HiRUDIN” já pode ser considerado o mais imediato e abertamente emocional até agora. Tudo começa com “Anywayz”, onde sua voz primitiva é um reflexo de um interior dolorido, que contrasta com as contrações jubilosas do cenário pop, ainda dominado pelo tremendo ritmo do refrão. Essa mesma dualidade contrastante é aparente nas letras, quando ela se volta para alusões a fim de destacar a natureza assustadora do inevitável e da fisicalidade que muitas vezes é ignorada: “Eu corro minhas mãos ao longo de sua coluna / Quando você não está comigo / A forma de você que eu conheço completamente”.
Não há escapatória, os vocais ocupam o centro do palco, ao passo que alguns sintetizadores nebulosos se transformam em um todo alegre. Você pode ouvir a influência de artistas como ABBA e Boney M com um sabor quase new age. Embora a canção possa elevar sua mensagem, a constatação de que, mesmo depois que seu relacionamento está condenado, o mundo continuará girando e a vida não vai parar. Em “Anywayz”, Stelmanis também canta que, mesmo com o seu caso amoroso, “as flores surgem de qualquer maneira, as montanhas se erguem de qualquer maneira”. É apenas a primeira referência sobre como o mundo natural continuará, mesmo quando você sentir que está desmoronando. As composições desse álbum geralmente são complexas e inebriantes; “All I Wanted” apresenta acordes difusos ao mesmo tempo em que os vocais capturam e dominam imediatamente os sentidos, sendo embrulhados e escondidos em um mar de sintetizadores. Os vocais miraculosamente conseguem inserir um toque retorcido e uma flexibilidade que espelha o belo caos que se desenrola. Sua voz luminosa é desafiadora e a grande estrela do show. Essa tendência continua em “How Did You Know?”, onde notas delicadas e igualmente confusas surgem e oscilam, transformando-se em um coro volumoso que é tão sublime quanto luxuoso.
Austra parece ter aperfeiçoado essa estrutura ao longo do trabalho, atraindo o ouvinte com um esforço minimalista e, eventualmente, levando-os a uma rica recompensa de maximalismo. “Your Family” tem a ver com saber se a família de seu ex perguntará sobre ela quando os virem novamente. A tensão inerente a esses pensamentos se reflete nos sintetizadores pulsantes que permeiam a maravilhosa performance vocal da Katie Stelmanis. “Risk It” a encontra empregando um modulador vocal com um sintetizador mínimo – mesmo que sua voz permaneça acima de tudo. É uma gloriosa canção feita para dançar e chorar ao mesmo tempo. Há uma mudança de tom agradável no começo, inclinando-se mais para o lado alegre do pop, mas sem se se comprometer com uma escolha artística. É difícil dizer se funciona completamente, uma vez que o dinamismo de sua presença vocal é sentido de maneira inesperadamente forte – mas é certamente uma escolha interessante para single. Um elemento chave que fornece a este álbum uma identidade única é o trabalho de seus percussionistas. Kieran Adams coloca sua alma no imenso backbeat de “It’s Amazing”, que já apresenta um imenso refrão por si só.
A mesma percussão ao vivo define a próxima faixa, “Mountain Baby”, que apresenta Cecile Believe. Aqui, há uma onda de acordes de sintetizador ao longo de um piano silencioso. Tudo é construído para que Stelmanis e Cecile Believe façam um dueto sem grandes esforços, com pausas repentinas e alturas elevadas. O destaque do álbum, “I Am Not Waiting”, mostra uma leveza musical sobre alguns subgraves escuros e melodias assombrosas de sintetizador. Austra faz um ótimo trabalho, justapondo esses elementos divertidos com uma conexão emocional genuína. O álbum termina apropriadamente com “Messiah”, absorvendo o ouvinte em uma fusão operística e clássica. É no conteúdo lírico em que ela mais se destaca, vestida com inteligência, e conectando o início do álbum à sua conclusão. Um peso existencial é perceptível quando ela canta: “Eu serei sua sombra, você será a luz / Um equilíbrio se estabelecerá entre nós / Você será o corpo, eu serei a espinha”. Ao longo de 34 minutos, Austra leva você a uma incrível jornada emocional. É uma afirmação poderosa sobre desembaraçar em um labirinto de sentimentos e quebrar os padrões tóxicos que se tornaram comuns em seu passado. Ouvimos em primeira mão como ela olhou para dentro para encontrar a decisão de seguir em frente e, mesmo que essa jornada seja exclusivamente dela, ainda podemos nos identificar.