“Gaslighter” é um álbum encantador – mas apesar de uma requisitada equipe por trás, não possui canções tão memoráveis.
The Chicks, anteriormente conhecido como Dixie Chicks, é um grupo de country fundado em 1989. O trio atualmente consiste na vocalista principal Natalie Maines e nas instrumentistas irmãs Martie Maguire e Emily Strayer. Enquanto a banda começou originalmente fazendo country, americana e bluegrass, depois de alguns anos passou a trabalhar sobre um estilo mais country pop e encontrou o sucesso mainstream uma década depois com “There Your Trouble”. The Chicks recebeu algumas críticas de seu público-alvo em 2003, quando falaram sobre a guerra com o Iraque e sobre o ex-presidente George W. Bush. Elas se afastaram um pouco dos holofotes e entraram em um hiato logo depois. Agora, em 2020, a banda tirou o “Dixie” de seu nome devido às suas conotações negativas e também lançou seu primeiro álbum em mais de 13 anos, intitulado “Gaslighter”. É um excelente exemplo de como o som da banda evoluiu ao longo da carreira, de um subgênero eclético do country para um som pop suave com resquícios de country. “Gaslighter” se mantém fiel ao seu som de marca registrada, mas também explora o reino pop mais do que nunca.
The Chicks sempre teve a reputação de serem francas e corajosas. Em 2003, Natalie Maines transformou o futuro da banda em apenas alguns segundos, ao criticar a invasão do Iraque pelo colega texano George Bush, dizendo que elas estavam “envergonhadas pelo presidente dos Estados Unidos ser do Texas”. Seguiu-se uma reação imediata – as rádios country recusaram-se a tocar sua música, com algumas estações fornecendo caixas para os fãs jogarem os CDs fora, e o trio enfrentou inúmeras ameaças de morte. Seu retorno três anos depois, com a desafiadora “Not Ready to Make Nice”, ganhou três Grammys Awards. Mais recentemente, Maines recorreu às redes sociais para acusar abertamente Donald Trump de manipulação psicológica. Em comparação com a força deste álbum, no entanto, esses exemplos parecem suaves, na melhor das hipóteses. “Gaslighter” é brutalmente honesto, com boa parte do material falando sobre o seu recente divórcio, tão complicado que o ex-marido pediu a um tribunal para bloquear as letras do álbum. É fácil entender por quê; ele não escapa ileso: “Você está tão doente quanto seus segredos, então eu estou contando tudo” (“Sleep at Night”); “Depois de tanto tempo, aprendi a segurar minha língua, e agora que acabou, eu posso escrever essa música” (“Hope It’s Something Good”).
Por 47 breves minutos, Maines está no controle da narrativa e não se contêm. É difícil não achar a intensidade e a especificidade das letras impressionantes. Elas deixam pouco para a imaginação, revelando música por música, linha por linha, enquanto expõe os detalhes da deterioração de seu relacionamento. Desde a faixa-título até a apropriadamente intitulada “Tights on My Boat”, detalhes de um caso que arruinou um casamento de 20 anos são lentamente revelados. No entanto, seus hinos ardentes perderiam seu impacto se não fossem equilibrados pelos números mais silenciosos do repertório. O tema subjacente do “Gaslighter” é de sofrimento e perda – um momento assumindo a forma de uma fúria incandescente, corredeiras implacáveis de emoção; as mais retraídas águas de auto-reflexão e contemplação. Por mais fascinante que a raiva incendiária da Natalie possa ser, as progressões graduais e os refrões de músicas como “Hope It’s Something Good” e “Set Me Free” são simplesmente incríveis. Faixas como essas, delicadamente contidas e com notas de bluegrass, são onde elas realmente brilham. Como as irmãs Martie Maguire e Emily Strayer fornecem seu clássico violino e banjo, o coração partido e a mágoa se erguem por conta própria, sem serem lavados por uma produção excessivamente polida.
Enquanto a voz da Natalie oscila em momentos de emoção, as harmonias de três partes, tão características do grupo, fornecem o devido suporte. O trio nos revela com firmeza seu lado mais cru e autêntico. Ademais, sua composição parece intencional. É um raro exemplo de álbum sem faixas fillers – cada música é equiparada pela última e desempenha um papel integral na narrativa. É uma história de frustração e solidão, de ressentimento transformando-se em tristeza, de como é ser traído por tudo aquilo que antes era sua segurança e proteção. É uma história não apenas sobre um casamento desmoronando, mas mais universalmente sobre as provações e tribulações inevitáveis da vida. Falando com seus ex-maridos, seus filhos e até mesmo com os mais jovens, The Chicks nos pega pela mão e nos conduzem por um mundo cheio de dor. Elas nos tranquilizam, mas também nos preparam para as dificuldades que vamos enfrentar. Apesar de sua mensagem sombria, “Gaslighter” é uma celebração da complexidade da vida e, especialmente, de ser mulher.
Estar triste e ficar com raiva não são mutuamente exclusivos. É esse desafio, essa recusa em destilar as dificuldades em uma emoção, fácil de lidar e bonita de se olhar, que torna The Chicks tão atraente. A dor, em qualquer forma, é uma experiência inerentemente humana – rotulá-la insensivelmente feminina é ignorar isso. Em vez disso, o álbum prefere se deleitar com sua beleza, por mais feio que possa parecer. As mulheres devem se divertir e ser românticas, mas também devem ficar tristes e com raiva ao mesmo tempo. O álbum revela essa complexidade: comovente e dolorido em sua essência, mas ao mesmo tempo indignado e cautelosamente esperançoso. Em um ano de emoções caóticas, “Gaslighter” chegou em um momento necessário. Com esse lançamento, The Chicks voltou resiliente e vulnerável. Elas podem ter ajustado seu som, mas seu coração foi preservado. Amando, mas sem piedade, fascinante, mas intransigentemente feroz, este é The Chicks no seu melhor. Seria difícil negar o apelo do álbum a qualquer pessoa, seja um fã de longa data ou um recém-chegado.