Emicida convidou Gilberto Gil para o seu novo single, “É Tudo Pra Ontem”, o tema-título do seu documentário para a Netflix, que estreou na semana passada. A produção do documentário apresenta os bastidores do show realizado no Theatro Municipal de São Paulo no final de 2019. Além da performance e a história por trás de cada música, o documentário apresenta uma profunda reflexão sobre a história da cultura negra no Brasil. Em “É Tudo Pra Ontem”, o rapper paulistano entra em comunhão com uma das lendas da música popular brasileira. A canção é basicamente uma extensão do documentário em torno do álbum “AmarElo” (2019). Na canção, Gilberto Gil apresenta um trecho de “A Vida Não é Útil”, assinado pelo líder indígena Ailton Krenak. Para Emicida, Ailton é a figura mais importante do Brasil atualmente.
Segundo ele, o texto é uma metáfora a respeito de como a sociedade está destruindo o planeta, ignorando que é filha da natureza e não sua dona. Assim como o álbum “AmarElo” (2019), o documentário é calcado na sensibilidade e, enquanto dá uma aula de história sobre a contribuição da comunidade negra na cultura brasileira, também mostra o processo de produção do disco. Fundamentalmente, o documentário passeia pela história da cultura negra e sua profunda contribuição na formação da identidade brasileira. O mergulho no passado da história negra também fala sobre o surgimento do samba e do hip hop, e funciona como o pano de fundo para entendermos a própria história de Emicida, embora não seja o foco do material. A narrativa pessoal de “É Tudo Pra Ontem” e os marcos históricos e culturais do Brasil incita uma reflexão necessária.
Retomando a história do samba junto à do hip hop, o músico une duas expressões do pensamento negro. O samba tem olhado para as realidades das periferias desde a sua origem, contado a sua história e expressando o seu valor, misturando a melancolia e a alegria dos sujeitos desses lugares. O hip hop, surgido como um gênero de contestação, é capaz de mobilizar gerações em defesa de direitos e da retomada da autoestima. Mais que uma expressão do Brasil, “É Tudo Pra Ontem” é um manifesto para que observemos como nossas formas locais de expressão e a nossa história se conectam com diversas outras no mundo. “Meu cântico fez do Atlântico um detalhe quântico”, Emicida recita. A mensagem que ele tenta transmitir é de celebração, enquanto a influência jazzística conduz os versos. Juntos, é possível ouvi-los cantando no refrão: “Viver é partir / Voltar e repartir / Partir, voltar e repartir / Viver é partir / Voltar e repartir / Partir, voltar e repartir”. O coral coloca mais força no refrão, ao passo que o piano, a percussão e os metais criam uma ambiente de pura solenidade. “É Tudo Pra Ontem” é definitivamente uma expressão de esperança.