“Segue o Baile” brinca com a possibilidade de dar uma fardagem mais leve para clássicos do funk carioca.
Luana Carvalho é uma cantora e compositora brasileira, filha da também cantora Beth Carvalho com o jogador de futebol Édson Cegonha. Em 2017, ela lançou o seu álbum de estreia produzido por Moreno Veloso – o LP também foi lançado no Japão pela Tower Records. No ano passado, a carioca apresentou “Baile de Máscara” (2020), um EP calcado no repertório de sua mãe. “Segue o Baile” – álbum lançado nesta quarta-feira, 20 de janeiro – possui forte ligação com o projeto anterior. A conexão se faz particularmente pelo indie pop de Alexandre Kassin, produtor dos dois registros. No entanto, o repertório de “Segue o Baile” é claramente diferente. Aqui, Carvalho sai da aura carnavalesca para as pistas onde toca o batidão do funk carioca. A artista põe sua voz a serviço de melodias por vezes abafadas pelo peso dos tambores. O álbum é composto por nove faixas. As letras de cinco delas fazem releituras de sucessos dos anos 90 e início dos anos 2000, como “Me Leva”, do Latino, e “Rap do Solitário”, do MC Marcinho. Mas são versões sem qualquer novidade instrumental que flertam com subgêneros do funk – é praticamente uma gentrificação do movimento. Grande parte do álbum fala sobre racismo e preconceito e são inspiradas no candomblé.
Ademais, algumas faixas também falam sobre câncer de mama e homenageiam sua mãe. “É um álbum em homenagem a uma época em que eu frequentava os bailes e chorava na cama com essas letras”, ela disse ao site da TV Cultura. No entanto, o funk melódico de “Segue o Baile” levantou a questão de apropriação cultural, uma vez que ela aposta em um gênero criado nas favelas. Uma coisa é certa: com esse álbum, Carvalho posou longe de qualquer originalidade ou autenticidade. Embora algumas performances sejam interessantes, ela enfraquece o batidão com a percussão de Dedê Silva (também na bateria) e as programações de Kassin (também no baixo acústico). O funk melody de “Me Leva”, que o Latino cantou pela primeira vez há 27 anos, e que foi coincidentemente regravado por Alice Caymmi em dezembro do ano passado, não funciona tão bem sobre o toque do violão e da névoa em torno de sua voz. Utilizando um coral juntamente com o citado violão e a bateria, ela transforma um funk saudoso em uma música opaca. Infelizmente, a falta de expressividade do canto não consegue levantar o astral do “baile”. Quando ela canta o refrão – “Me leva, que eu te quero, me leva, me leva, que o futuro nos espera” – provoca um desânimo inexplicável. Carvalho consegue apagar qualquer nostalgia em torno da versão original.
Além de “Me Leva”, o álbum possui outras faixas bem conhecidas, como “Rap do Solitário” e “Garota Nota 100”, ambas do MC Marcinho, que, durante o preconceito em torno do funk nos anos 90, surgia como um “cara romântico”. Ademais, o repertório também possui covers mais modernos, como “Hoje”, hit da Ludmila produzido por Jefferson Junior e Umberto Tavares. Aqui, Luana Carvalho preferiu utilizar instrumentos de percussão em vez das batidas eletrônicas da música original. Embora a performance vocal não seja surpreendente, ficou mais atraente do que o cover turvo de “Me Leva”. “Selfie”, a primeira canção autoral do álbum, aborda questões raciais sobre leves batidas de funk: “Sobe favela aprova projeto / Curte um cunho social / Mas dois beijinhos só na galera / Nos porteiros nem a pau”, ela canta enquanto aponta a hipocrisia dos brancos. Dito isto, o seu discurso antirracista ocorre justamente quando os brancos usam de sua posição privilegiada para dar voz às necessidades dos pretos. Lançada originalmente por Bom Rum em 1996, “Está Escrito” alcançou o primeiro lugar nas rádios daquele ano. Um funk incrivelmente melódico que fez o MC se tornar conhecido em todo o Brasil, e ainda foi tema de abertura da novela “Cristal” exibida pelo SBT em 2006.
Dessa vez, “Está Escrito” recebeu uma nova roupagem com a percussão complementar de Dedê Silva e os acodes de violão de Pedro Sá e Alexandre Kassin. Novamente, o contexto romântico e o clima nostálgico da versão original são apagados pelo tom depressivo da Luana Carvalho. Acompanhada por um leve coral, a música perde a descontração e fluidez do MC Bom Rum. Você já imaginou a confessional “Rap do Solitário”, do MC Marcinho, sendo transformada em uma bossa nova? Porque foi exatamente isso que Luana Carvalho fez. Ele criou um dos maiores funk melódicos da história em 1995, mas ela fez questão de “embranquecer” sua abordagem. A nova versão criou um abismo entre a música original; não foi à toa que ela recebeu críticas e foi acusada de apropriação cultural. Sua mixagem possui elementos eletrônicos, auto-tune, violão e chicotadas de percussão. No entanto, tudo ficou tão denso e gelatinoso, que me causou náuseas. Como se não fosse suficiente, ela fez a versão original de “Garota Nota 100” perder sua magia por completo. Outro sucesso do MC Marcinho na década de 90, a canção fortaleceu o funk dentro das comunidades e mostrou mais de sua inspiração melódica e romântica.
A versão da Luana Carvalho começa com um dedilhado no violão e pavimenta seu caminho de forma calma e leve – ademais, também possui acompanhamento da bateria e de um coral. Escrita com a atriz Andrea Horta, “Teta Sem Treta” fala sobre o câncer de mama – um tema mais delicado – em cima da percussão de Zero Telles. Segundo Horta, a música nasceu de uma conversa com a Luana Carvalho sobre o câncer em um dia qualquer. Completamente guiada pelo tambor, a cantora aborda um tema pouco discutido na indústria musical. No entanto, embora seja uma música tematicamente bem-vinda, ficou completamente perdida dentro do álbum. Em seguida, “Oração” fornece uma forte base percussiva com tambores, arranjos e corais – além de utilizar influências africanas – enquanto “Mainha” finaliza o repertório com óbvia inspiração no candomblé. A música fornece sons de água escorrendo – aparentemente invocando a divindade Iemanjá -, ao passo que ela tenta se reconectar com sua mãe em meio a tambores marciais. “Segue o Baile” brinca com a possibilidade de dar uma fardagem mais leve para clássicos do funk carioca. No entanto, se perde dentro desse universo. Sua premissa é arriscada e suscetível a muitos erros, e foi exatamente por isso que ela não atingiu o objetivo desejado.