Sua nova mixtape é cheia de composições errantes que mudam de forma e flertam com o afrobeat e o hip hop.
Desde o início de sua carreira, Tahliah Barnett tem sido extremamente meticulosa. Seus dois primeiros álbuns, “LP1” (2014) e “MAGDALENE” (2019), envelheceram absurdamente bem, o que pode ser atribuído ao quão exigente o seu processo criativo parece ser. Mesmo seus lançamentos mais curtos, especialmente o EP “M3LL155X” (2015), são incrivelmente focados e precisos. Não há arestas nas músicas de FKA twigs. O magistral “MAGDALENE” (2019), por exemplo, foi sobre desconstruir uma imagem, apresentando-a como alguém capaz de desmoronar, embora é claro que ela desmoronou da maneira mais graciosa e operística possível. Mesmo quando ela está em pedaços, ela não peca. Mas “CAPRISONGS” funciona como uma lição ou um aprendizado – é principalmente sobre se sentir bem com você mesmo, independentemente do momento ou da situação. Em 11 de dezembro de 2020, twigs entrou com uma ação contra seu ex-namorado, o ator Shia LaBeouf, por agressão sexual e abuso físico e psicológico. O relacionamento durou pouco menos de um ano, mas em seu relato angustiante ela fala de ter sido estrangulada e espremida a ponto de se machucar.
Twigs também experimentou todos os sinais reveladores de abuso psicológico, ou seja, isolamento social – a cantora deixou sua casa em Londres depois que LaBeouf a convenceu a ficar em Los Angeles com ele. Um mês depois que as alegações foram divulgadas, a artista londrina disse a Louis Theroux, da BBC, que passou a maior parte da quarentena de 2020 se recuperando do péssimo relacionamento. “Quanto trabalho precisa ser feito para se recuperar e voltar à pessoa que você era antes. Isso consome tempo e é exaustivo”, ela disse. Nessa entrevista, twigs sugeriu “um álbum mais leve”, algo que ela expandiu em suas várias postagens no Instagram promovendo-o na semana que antecedeu seu lançamento. Dito isto, “CAPRISONGS” foi inspirado no tempo que ela passou isolanda durante a quarentena – como muitos de nós, twigs dependia mais da conexão virtual e conversas socialmente distanciadas com amigos. Durante esse período, ela ficou curiosa sobre as conexões que mantêm os humanos durante esses momentos sombrios, o que a levou a começar a registrar trechos de suas interações.
“MAGDALENE” (2019) carregava uma melancolia majestosa. Foi o álbum que a viu aprender a lutar com espadas e pole dance com o único propósito de incluir a coreografia nos videoclipes, enquanto as músicas, despojadas na produção, centravam-se em seus vocais. “CAPRISONGS”, por outro lado, é mais divertido, e até mesmo bobo. Aparentemente, o título foi inspirado em seu signo astrológico. De fato, “CAPRISONGS” é FKA twigs em sua forma mais descontraída; é mais desgrenhado e sinuoso do que qualquer outra coisa que ela lançou até agora. Há algum tecido que o amarra ao par de mixtapes que Charli XCX lançou em 2017 – duas especialistas de seu ofício que surgiram na mesma época e no mesmo clima pop. Mas enquanto XCX está interessada em amplificar sua energia com as mixtapes, twigs está tentando lançar alguma luz sobre seu processo de fazer música. Ela produziu a mixtape com El Guincho, o veterano produtor espanhol que ganhou destaque nos últimos anos como colaborador de ROSALÍA. Trechos de conversas do estúdio entram e saem – “track girl interlude” introduz a participação de Jorja Smith e Unknown T em “darjeeling”.
De fato, twigs e seus colaboradores conversam entre si o tempo todo; eles relembram e se compadecem de relacionamentos passados, zombam um do outro. Há uma parte divertida quando um dos seus amigos implora para ela lançar uma colaboração com Dua Lipa que até agora só existia como um vídeo de performance ao vivo. “Estou cansado de ouvir no YouTube”, ele comenta. “Por favor, twigs, vamos, faça meu desejo se tornar realidade”. A música em questão, “Why Don’t You Love Me”, não faz parte do “CAPRISONGS”. Há mais convidados em destaque do que em qualquer outro projeto de FKA twigs. The Weeknd, Daniel Caesar, Shygirl, Pa Salieu, Jorja Smith – todos têm tempo para brilhar. Há também muitas pessoas por trás das contribuições, como Mike Dean, Arca, Fred again…, Sega Bodega e muitos escritores em ascensão. Os álbuns de FKA twigs sempre foram precisos e insulares, independentemente de quantos nomes possam ser listados nos créditos. No entanto, você pode dizer que há mais uma energia aqui. Nenhuma das músicas é tão imediatamente satisfatória quanto os seus melhores singles, mas há muitos momentos interessantes.
“Eu ainda sou aquela vadia misteriosa”, ela diz na faixa de introdução. “Porque ninguém faz como eu (apesar de tentarem) / Eu continuo me movendo, continuo dançando / Por você”. Em “Ride the Dragon”, fica claro que esta mixtape pode transformá-la em uma estrela pop. “lightbeamers” é um destaque a parte, com uma espinha dorsal que dá lugar a um refrão gaguejante: “Você se entregou de novo? / Não faça isso de novo, não faça isso de novo”. É uma canção envolta de doces notas de piano semelhantes a carrilhões. Aqui, ela apresenta um falsete flutuante enquanto faz uma serenata para aqueles oprimidos e inseguros: “Eu vou te dizer o que você vai fazer para esta noite / Faça uma lista da verdade / Anote as coisas que fazem de você você”. “papi bones”, com Shygirl, a encontra explorando o dancehall, enquanto na breve, mas eufórica “which way”, apresentando Dystopia, ela pode ser confundida com a Grimes cantando sob batidas peculiares. Em sua colaboração com Jorja Smith e Unknown T, “darjeeling”, ela mergulha no grime, tentando fazer rap, o que ela realmente faz com maestria várias vezes ao longo do repertório. Em “tears in the club” ela se une a The Weeknd para uma canção otimista, mas inevitavelmente triste. Todas essas músicas levam o seu R&B para novas e emocionantes direções.
A última faixa, a solene balada de piano “thank you interlude”, começa com as linhas mais cruas e relacionáveis do projeto: “Eu queria morrer, estou apenas sendo honesta / Não tenho mais medo de dizer isso em voz alta”. O álbum também é salpicado de interlúdios que capturam as histórias compartilhadas entre amigos, principalmente mulheres. Anedotas de casos amorosos surgem, junto com lembretes encorajadores para não perder o sono por causa de “garotos estúpidos”. Em “meta angel”, twigs confessa que, apesar das metas anuais para superar a timidez, não fez progressos significativos. “Eu quero ser mais confiante, eu realmente quero”, ela diz. É uma canção trinada, onde sua voz estala no auto-tune enquanto ela fala sobre todas as vozes diferentes em sua cabeça. Artistas de seu valor raramente são associados ao tipo de emoções pouco glamorosas que permeiam a vida cotidiana, as chamadas manchas de timidez, sentimentos de indesejabilidade e insegurança. Mas em “CAPRISONGS”, tão encoberta quanto ela na aura do estrelato, o ouvinte também testemunha as facetas de sua personalidade que a maior parte do público desconhece.
“CAPRISONGS” começa forte, mas perde força conforme se aproxima do final, sendo vítima do mesmo mal de muitas mixtapes, pois é muito longa. Com quase 1 hora de duração, é mais longa do que qualquer um dos seus álbuns de estúdio. Na metade de trás, há algumas músicas (“careless” e “minds of men”) que são um pouco preciosas, ou outras que são versões menos dinâmicas do que já ouvimos (“jealousy” e “darjeeling”). Twigs e seus colaboradores continuam retornando a frases de efeito sobre encontrar confiança em si mesmo. E as músicas ecoam esse desejo. Mas em nenhum lugar essa mensagem é mais poderosa do que no coro de “lightbeamers”: “Você está fugindo da sua vida? / Derrube porque não há ninguém do seu lado / Diga a si mesmo que te ama tanto / Abandone seus medos / Baby, ninguém morre por um não”. Embora “CAPRISONGS” não tenha a exatidão dos seus álbuns, não posso culpá-la por soar um pouco dispersa. Claro, não é um projeto tão focado quanto o “MAGDALENE” (2019), mas há canções boas o suficiente para justificar o seu lançamento.