Lucas Santtana compartilha um álbum magnífico com uma mensagem ecológica.
A volta de Lula à presidência do Brasil foi recebida com uma onda de otimismo e alegria. Estamos assistindo ao fim do oportunismo, da ganância e do fascismo da extrema-direita de Jair Bolsonaro. Esperamos que agora a floresta Amazônica, que se abriu para a destruição, consiga respirar. Momento perfeito para o lançamento do novo álbum de estúdio de Lucas Santtana; “Não acredite neste progresso que afirma a sua ganância”, ele afirma em “La Biosphère”. Com o seu tenor acompanhado por seu delicado violão, Lucas Santtana canta com louvor à natureza e ao nosso lugar dentro dela. Ele canta em português, inglês e francês, de um jeito que acalma. Mas “O Paraíso” é o primeiro álbum realizado em ambiente francês – e possivelmente o seu melhor. Santtana está morando na França há pouco tempo. O álbum foi gravado em Paris com músicos franceses. Com destaque para a seção de sopros de Rémi Sciuto e Sylvain Bardiau, que deu uma nova cor às suas composições. Mas convenhamos, continua sendo um disco brasileiro. Santtana é um herdeiro do movimento sociopolítico da Tropicália. Ele tem um lado folk, mas sempre próximo das raízes brasileiras. Suas letras ecologicamente corretas são um pouco ingênuas? Sim, mas também podem trazer lucidez.
Com isso em mente, “O Paraíso” é iluminado, meditativo e musicalmente inteligente. É um disco militante, mas gentil, em prol do meio ambiente. O músico baiano usa sua voz serena dentro de um ambiente acústico promissor para celebrar a beleza do nosso planeta e a urgência em protegê-lo. “O Paraíso” foi desenvolvido durante a pandemia. “Foi como uma mensagem enviada a nós pelo reino animal (…) Inundações, incêndios, secas, tsunamis, monções atrasadas, derretimento de geleiras e derramamentos de óleo são todos alarmes que não queremos ouvir”, ele explicou. Com esse álbum, Santtana pretende redefinir a nossa ideia de “paraíso”. “Está à nossa frente, devemos abrir os olhos e aprender a contemplá-lo com profundidade”, explica. A Terra é o único planeta no Sistema Solar onde estão reunidas todas as condições de vida. Lucas coloca isso no centro de suas canções e celebra as forças coletivas que resistem para preservá-la. Suas músicas são estruturadas com percussões orgânicas e enriquecidas com orquestrações e floreios eletrônicos. É um álbum festivo, que nos ajuda a compreender melhor onde vivemos e com quem partilhamos essa morada celestial. “Vamos Ficar na Terra” é uma mensagem clara para pessoas como Elon Musk. O futuro não está no espaço, está aqui.
A faixa-título, por sua vez, afirma que a Terra pode se tornar um paraíso se todos nos unirmos para o bem dela. Há também duas faixas em inglês e uma em espanhol; e dois covers magníficos, “Errare Humanum Est”, do compatriota Jorge Ben, e “The Fool on the Hill”, dos Beatles. Em ambos casos, são verdadeiras releituras, embora não reneguem totalmente as versões originais. “The Fool on the Hill” começa no violão, com acordes de bossa nova e aos poucos se transforma em um jazz percussivo com um intenso solo de saxofone. “Para mim, Paul McCartney canta sobre um xamã indígena com um terceiro olho. Ele vê mais que os outros. Às vezes, essas pessoas são ridicularizadas. Como os ecoativistas de hoje”, ele disse sobre “The Fool on the Hill”. No isolamento da pandemia, Santtana tem se debruçado sobre livros de ambientalistas e filósofos. Depois de ler o ensaio de David Wallace-Wells, “A Terra Inabitável”, incluindo uma descrição do inferno, ele percebeu: um alerta deve ser dado às mudanças climáticas e catástrofes ambientais. “Quantos sinais de SOS temos que enviar antes de abrirmos os olhos?”, ele pergunta na delicada “A Transmissão”.
Em “What’s Life”, ele musica textos da microbiologista americana Lynn Margulis com uma linha recorrente – “Nós somos a natureza” – queimando em seus ouvidos. Cada música é uma nova camada que vai desvendando um novo tema ligado à natureza. Quanto mais ele avança, mais dói. Santtana põe o dedo na ferida em “La Biosphère” ao lado de um coro infantil sobre a loucura das corporações agrícolas internacionais que querem dominar a natureza com plantas altamente cultivadas. “Muita Pose, Pouca Yoga”, com Flávia Coelho, surge como uma libertação; o único número realmente otimista do álbum é uma sátira ao consumismo na era da internet. Lucas Santtana usa o Brasil como cenário para textos inteligentes. Após quatro anos sob o governo conservador de Jair Bolsonaro, o país está politicamente dividido, milhões de pessoas empobrecidas e grande parte da Amazônia foi destruída. Mas Santtana quer consertar e dar esperança para todos. Com o novo governo Lula, o Brasil pretende recuperar sua antiga posição no mundo, de mediador entre grandes potências e de lugar místico e espiritual onde tudo pode acontecer. A imagem do Brasil no resto do mundo é moldada por fantasias de uma terra misteriosa e paradisíaca.
Lucas Santtana é filho da Bahia, centro do sincretismo afro-brasileiro e seus orixás, e sempre abordou assuntos sérios com elegância e leveza. Um exemplo é “Sobre la Memoria”, faixa cantada em espanhol. A leitura do ensaio de David Wallace-Wells, “The Uninhabitable Earth”, com sua descrição do inferno para um aumento de 4°C na temperatura terrestre, poderia ter deixado Santtana desesperado; mas em vez disso, ele transforma o drama da situação em esperança e encontra um contrapeso nos escritos do filósofo italiano Emanuele Coccia. Santtana mostra as origens de nossas pragas para melhor combatê-las. Ele já misturou sua voz sedosa e seu violão delicado com samples eletrônicos em discos como “The God Who Devastates Also Cures” (2012), “Sobre Noites e Dias” (2014) e “Modo Avião” (2017). Em 2019, voltou à simples combinação de violão e voz com o álbum “O Céu é Velho Há Muito Tempo”. Todas essas abordagens são combinadas aqui – com Fred Soulard, o percussionista brasileiro Zé Luis Nascimento, o violoncelista francês Vincent Segal, o saxofonista Laurent Dardainne e a trompa formada por Remi Scuito e Sylvain Bardiau. Todos são mestres da sutileza.
Lucas Santtana nasceu em Salvador em 1970. Seu pai é o produtor Roberto Sant’ana e seu tio o conhecido Tom Zé. Agora, com 52 anos, ele tem uma mensagem ecológica clara. “O Paraíso” é um exemplo particularmente bem-sucedido de sua arte, expandindo a tradicional MPB, a bossa nova e o samba com influências de jazz e música eletrônica. Santtana, assim como o colega uruguaio Jorge Drexler, se vê como um embaixador musical muito além do continente sul-americano. Além dos violões tipicamente relaxados que despertam sentimentos em Copacabana, há sintetizadores, saxofones e flautas. Em geral, os arranjos de sopros são um grande trunfo, tão elegantes quanto experimentais. Mas as letras também são duras: a Terra, o “paraíso” a que dá o título, está em perigo, e a humanidade é responsável pela sua sobrevivência. É um álbum adorável que evoca uma comunhão espiritual, dedicado à rica e diversificada natureza do Brasil e do mundo. É um apelo à humanidade para viver de forma mais sustentável e ser mais consciente. Para ele, o “paraíso” já existe aqui e agora: é a nossa Terra e todos somos responsáveis pelo seu bem-estar.