O novo álbum do violonista fluminense é incrivelmente belo e caloroso.
O compositor brasileiro Fabiano do Nascimento surpreende a cada lançamento. Seu estilo não muda drasticamente, mas se torna mais refinado a cada nova gravação. “Lendas” é o quinto álbum do violonista pelo selo Now-Again, e desta vez traz arranjos orquestrais de Vittor Santos com participação especial de Arthur Verocai. Santos é um compositor, arranjador, trombonista e produtor musical carioca que atua na música há mais de trinta anos. Eles se conheceram no Rio de Janeiro em 2017 durante a gravação do álbum “Aquarelas”, de Carioca Freitas. Os dois se uniram por um apreço mútuo pelo tio de Fabiano, Lúcio, e pela cantora Leny Andrade – ambos influenciaram amplamente sua base musical. Em Vittor Santos, Fabiano do Nascimento encontrou um arranjador sensível em suas orquestrações. Ele, por sua vez, criou um diálogo orquestral entre pilhas de cordas e o dedilhar melancólico de Fabiano. Era natural convidar o mais conceituado arranjador brasileiro dos anos 70, Arthur Verocai, para contribuir com seu talento.
Verocai, que havia trabalhado com Fabiano do Nascimento em suas incursões em Los Angeles, também teve o prazer de participar do novo álbum. Dessa forma, o círculo do velho e do novo, tão crucial na obra de Fabiano, se une e flui com facilidade. “Lendas” é incrivelmente natural, belo e caloroso. O coração e a alma das composições de Nascimento são amavelmente realçados pela orquestração. Tudo flui organicamente. Ouvir “Lendas” é uma experiência mágica; é como estar envolto em um cobertor reconfortante e quente. Ou um abraço caloroso, um abraço de quem te diz “está tudo bem, vai ficar tudo bem”. E você sabe que tal sentimento é sincero; então, você relaxa. Relaxa com a música de um dos violonistas mais talentosos da atual música brasileira. Aqui, seu estilo evocativo de tocar combina lindamente com as exuberantes produções orquestrais de seus colaboradores. Os sons seráficos de Fabiano do Nascimento são hipnóticos e transcendentes, uma fusão de jazz afro-brasileiro, folk, bossa nova e samba. Seu amor pelo Brasil – uma “fundação sem fim de inspiração” – está profundamente enraizado na tapeçaria de seu som.
A combinação de suas linhas de guitarra rítmicas e melódicas batem de maneira estonteante. É uma jornada errante que nos coloca no que parece ser uma meditação, onde a frequência do cérebro se rende e a alma assume completamente o controle. Na primeira faixa, “Retratos”, Nascimento transita com belos dedilhados do violão. Além da percussão adicional, a canção conta com a bela orquestração de Santos. Em “Palácio”, ele coloca o violão em maior evidência, ao passo que as cordas enfeitam o pano de fundo. Aqui, Nascimento brinca com uma estrutura muito parecida com a abordagem de “Prelúdio” (2020) – pequenos detalhes que fazem diferença na composição. Estruturalmente dividida em duas parte, “Solo as Onze (Noite Suite)” também é guiada pelo violão, mas cresce nas orquestrações de Verocai. É uma canção tão poderosa que quase ofusca a próxima faixa, “Mãe de Luz”. Ao longo do repertório, Nascimento usa elementos parecidos e estruturas muito sutis que podem passar despercebidas em uma primeira audição. Mas qualquer um desses elementos são essenciais para a construção do repertório.
Com o violão mais uma vez no centro do palco, “Sonho” caminha sem pressa – complementada pela orquestração esfumaçada. Embora de maneira discreta, a percussão adiciona um sabor distinto. A última faixa, a reconfortante “Reflections”, por outro lado, deixa a percussão de lado a fim de destacar, novamente, a beleza das cordas de Vittor Santos. Assim como “Prelúdio” (2020) e “Ykytu” (2021), “Lendas” traz composições que resgatam memórias de lugares que já não existem; de sonhos febris na Amazônia; de partes do mundo que talvez nunca visitaremos, mas que podemos imaginar através da música. Uma coleção rica e variada que parece priorizar e prosperar nos espaços suaves e intencionais das notas. Mas “Lendas” é o trabalho exploratório de um músico que, dominado uma linguagem musical saliente, busca aplicar sua habilidade em modos de expressão mais amplos e experimentais. As ondas orquestrais de Vittor Santos, invocam a luz do sol, independentemente do clima. Mas desta vez com ambições mais clássicas: Fabiano do Nascimento tempera o álbum com melodias elegantes e uma complexidade escondida nos ritmos de cada música.