Com “Curyman”, o músico carioca finalmente alcança uma audiência internacional.
Ao longo da história, muitos artistas tentaram abordar a música brasileira em todas suas formas – da bossa nova ao samba, principalmente contracenando com obras de mestres como Antônio Carlos Jobim, Caetano Veloso e Jorge Ben. E não foram apenas artistas brasileiros, mas do mundo todo. Rogê, cantor e compositor da cena noturna da Lapa, faz sua estreia internacional aos 47 anos. No aniversário de 20 anos de seu álbum de estreia, Roger José Cury mostra o valor da persistência. Seus vocais arenosos e seu violão o colocaram em uma residência de 10 anos no clube de samba Carioca da Gema, no centro do Rio. Um público mais amplo provou ser indescritível, mesmo depois que ele compôs o tema para as Olimpíadas de 2016. Alarmado com a violência de sua cidade natal, Rogê mudou com a sua família para Los Angeles, onde um encontro com o produtor americano Tommy Brenneck se transformou em uma química instantânea. Brenneck conhecia pouco da música brasileira, mas com um currículo que inclui Amy Winehouse, Mark Ronson, Jay-Z e Beyoncé, ele poderia produzir qualquer coisa. Logo depois de gravar um disco com Seu Jorge, lançado por uma gravadora holandesa em 2020, a pandemia atrapalhou os planos de Rogê.
Mas felizmente ele conheceu Brenneck que, impressionado com o seu carisma e a emoção de suas canções, fez a demo de um álbum na primeira noite em que se conheceram. O resultado dessa colaboração é nada menos que brilhante – gravado em Los Angeles e no Rio, “Curyman” possui onze faixas que saltam pelo léxico do samba em uma mistura amigável com o funk americano. É um álbum saudoso, centrado na esperança e na nossa ligação com a natureza e os orixás. O golpe de mestre de Rogê foi persuadir o consagrado arranjador Arthur Verocai – que estava em uma aposentadoria auto imposta – a contribuir com as cordas. Verocai é um veterano da era de ouro da música brasileira dos anos 70 e já trabalhou com Jorge Ben e Caetano Veloso. Em meio a lágrimas, Brenneck e Rogê assistiram o álbum se expandir bem diante de seus olhos. Canalizando o espírito tropicalista, “Curyman” voa muito alto – especialmente por causa dos arranjos. Com Rogê em forma, “Curyman” nasce como um álbum élfico, transparente, leve e edificante. Impulsionadas por um violão de cordas de náilon e vocais elegantes, as canções são simultaneamente alegres de espírito e melancólicas de alma.
Os sons clássicos da tropicália e da bossa nova são habilmente implantados: além do dedilhado do violão, há backing vocals femininos, linhas de baixo e muitas percussões. O álbum tem um espírito feliz e brilha principalmente nas faixas mais exuberantes, como “Pra Vida” e “Mistério da Raça”. Os últimos dois anos viram uma espécie de renascimento na MPB – e certamente “Curyman” é um dos melhores LPs recentes do gênero. Como todos os melhores lançamentos da MPB, ele transborda emoção. Rogê traz a clássica música brasileira para o presente, irradiando-a através de um prisma orquestral e uma vida na Costa Oeste americana. Há uma sensação retrô palpável aqui, mas de um tipo diferente: embora influenciado pelo soul americano, “Curyman” exibe um som pós-Tropicália. Sob o violino, Rogê pode invocar Jorge Ben e Gilberto Gil em números mais rápidos como “Existe Uma Voz”, e José Mauro e Milton Nascimento em músicas mais lentas como “Camará”. Auxiliado pela calorosa produção, ele coloca vários ritmos brasileiros dentro de uma carta de amor musical. Mas o verdadeiro limão da caipirinha é certamente Arthur Verocai, cujas orquestrações colocam o álbum na companhia de obras de Jorge Ben, Gal Costa e Tim Maia.
Se isso parece uma tarefa difícil, basta mergulhar na faixa “Pra Vida” ou “Se Eu For Falar de Amor”. Enquanto a alegre “Mistério da Raça” e o funk dissimulado de “Existe Uma Voz” exemplificam o status de Rogê como um verdadeiro habitante da noite carioca, canções como “Yeminjá” refletem uma certa saudade de sua casa no Rio. Os momentos mais suaves são uma reminiscência do folk deprimido que Caetano Veloso lançou durante seus anos de exílio. Seguindo seu exemplo, Rogê supera a distância com o som de “Curyman”, dando nova profundidade à sua música ao abraçar novos ambientes sonoros, homenageando as ricas tradições musicais do Brasil e olhando para o futuro da MPB. Parece que “Curyman” foi desenterrado em algum canto esquecido do Rio de Janeiro para ser aclamado como um clássico – um samba-funk cinematográfico tingido com psicodelia e saudade. Carismático e desalinhado com sua voz distintamente rouca, Rogê criou um farol para a MPB moderna. Mas enquanto ele se sente à vontade ao lado de colegas contemporâneos como Sessa e Tim Bernardes, também há um charme exuberante no “Curyman” que remonta à era de ouro da MPB dos anos 70.