Liderada por The Edge, a nova coleção do U2 é um pouco frustrante.
Depois de tantas décadas de carreira, há algo de estranho na forma como o U2 continua agindo. O resultado é “Songs of Surrender”, um álbum com uma versão padrão de 16 faixas e versão deluxe de 40 faixas. Originalmente planejado como um acompanhamento de áudio para o livro de memórias “Surrender: 40 Songs, One Story”, o projeto ganhou vida própria e fornece uma nova abordagem da banda irlandesa. Parece que o U2 e, em particular Bono e The Edge, não estão apenas revisitando sua música, mas também refletindo e se redescobrindo. Mas embora este lançamento esteja sendo comercializado como um disco do U2, é praticamente um projeto solo de The Edge. Larry Mullen Jr. e Adam Clayton estão na capa e são creditados, mas ficou claro que Adam apenas gravou um monte de linhas de baixo e deixou Edge pegar o que queria, enquanto a participação de Larry ficou a mercê de restos de fitas antigas. Portanto, com curadoria de Edge, “Songs of Surrender” mostra a banda revisitando algumas de suas canções mais celebradas, incluindo “With or Without You”, “Beautiful Day” e “Sunday Bloody Sunday” – resultando em uma gravação completamente nova de cada faixa, com novos arranjos, novos tempos e, em alguns casos, novas letras. É tudo sobre reinterpretação. Os arranjos são emotivos, despojados e às vezes sobrenaturais.
Felizmente, “Songs of Surrender” não é exatamente o desastre que inicialmente ameaçou ser. Claro, algumas das maiores canções do quarteto perderam seu brilho, mas várias foram cuidadosamente retrabalhadas aqui por olhos mais velhos e mais sábios. “Stories for Boys”, de 1980, foi escrita quando eles eram garotos. Mas essa é uma perspectiva valiosa: a versão original é dispersa e impressionista, mais sobre sentimentos do que precisão. A nova versão é simplificada para o piano com Edge nos vocais – agora, a letra tem mais especificidade do que a versão original. Essa subversão, no entanto, não melhora a música em nada. Da mesma forma, a intenção de mudar “Bad” – a música de 1984 escrita sobre a luta de um amigo contra as drogas – da terceira pessoa para a primeira pessoa desrespeita a intenção original da canção. O que fez dessa música – sobre assistir amigos passando por situações literais de vida e morte – uma das melhores do U2, foi como ela comunicou emocionalmente a desolação que as pessoas sentiam com a perda, o arrependimento e a tristeza que Bono manifestou na performance. Alterar a letra agora, para se colocar na história, não ajuda, não esclarece e não melhora.
Esses tipos de alterações desnecessárias afetam praticamente todo o resto do disco. Nenhuma dessas “reimaginações” em “Songs of Surrender” transformam fundamentalmente qualquer uma das 40 faixas. As linhas reescritas são sugestões interessantes, mas na maioria dos casos, não passam de distrações. Algumas faixas que a banda lançou na última década – como “Every Breaking Wave” e “Invisible” – ainda são exatamente o que eram antes. Depois, há o caso de “Walk On”, faixa do álbum “All That You Can’t Leave Behind” (2000). Após o lançamento, a banda a dedicou a Aung San Suu Kyi, que na época era prisioneira política em Mianmar. No início deste ano, Bono falou sobre estar “decepcionado” por suas supostas violações de direitos humanos e decidiu dar a canção para outra pessoa. Em “Songs of Surrender”, eles pegaram a música novamente, renomearam-na “Walk On (Ukraine)” e a reescreveram com referências ao presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy. Agora, a canção começa com a frase: “Se o comediante sobe ao palco e ninguém ri”. Obviamente, eles fazem referência à jornada de Zelensky de um comediante de stand-up a presidente da Ucrânia. Dito isto, o U2 não se esquivou de expressar suas crenças políticas aqui.
Desde a invasão russa, Bono fez campanha pública pela paz: ele e The Edge se apresentaram em uma estação de metrô de Kiev transformada em abrigo antiaéreo em maio de 2022, enquanto também se juntou recentemente a Antytila para uma apresentação surpresa em Londres. Mas “Walk On” já era um música inspiradora e edificante sobre a esperança e a perseverança que existem independentemente de sua associação. Eles poderiam tê-la dedicada ao povo da Ucrânia sem mudar uma palavra. A instabilidade conceitual do disco é menos problemática do que sua dificuldade de manuseio, pelo menos se você tentar ouvi-lo de uma só vez. Dados os parâmetros sonoros auto impostos (principalmente piano, guitarra e sintetizadores; pouco na forma de bateria), ele se esforça para prender sua atenção. Tomados em doses menores, há grandes momentos marcados por uma sensação de reinvenção: o single “11 O’Clock Tick Tock”, por exemplo, foi reduzido para tornar o poder da melodia mais óbvio. Os melhores momentos do álbum começam com o impressionante falsete de Edge em “Desire”, que o transforma em uma brincadeira com seus toques de Motown. “Dirty Day”, faixa subestimada do álbum “Zooropa” (1993), subtrai o som eletrônico da original para o violoncelo e uma entrega vocal que a ajusta melhor ao contexto do álbum.
“I Still Haven’t Found What I’m Looking For” consolida sua reputação como eternamente inquebrável, “Until the End of the World” se transforma em uma música country/gospel, e tanto “All I Want Is You” quanto “Stay (Faraway, So Close!)” ainda são comoventes, mesmo em seus estados remodelados. Em outros lugares, Bono faz algumas performances fenomenais, levando sua voz ao limite, como ele em “Beautiful Day” e “Sometimes You Can’t Make It on Your Own”. Mas todos esses destaques poderiam ter se manifestado em um show ou outra apresentação ao vivo; nada aqui é inesquecível ou corre o risco de substituir as versões originais. Os arranjos são estereotipados e, na pior das hipóteses, “Songs of Surrender” é exagerado. Na melhor das hipóteses, soa agradavelmente essencial. Mas não é algo que vai alterar seu legado ou a trajetória de sua arte em qualquer direção. As músicas do U2 certamente são maleáveis. Mas o maior problema com “Songs of Surrender” é que a banda falha justamente por ser inflexível. Muitos artistas retrabalham seus catálogos por diferentes motivos. Para Taylor Swift, tem sido uma forma de escapar das restrições contratuais; Para Kate Bush, foi para corrigir escolhas ruins de produção no passado; Para o U2, soa como uma espécie de libertação. Mas é uma decepção que alguns dos seus maiores hits não se traduzam tão bem aqui.