Vestindo o indie rock com uma roupagem hardcore, o Raça sempre soube desenvolver uma sonoridade sensível. Sua jornada até aqui está sendo essencial para moldar a sonoridade de “27”, o novo registro da banda, que une peso e delicadeza de forma surpreendente. Com produção de Roberto Kramer, o quarto disco do Raça adiciona novas camadas e texturas ao seu universo sonoro. O grupo soa mais leve e abraça de vez influências brasileiras como o lirismo da MPB dos anos 70 e a produção centrada em sintetizadores dos anos 80. Como resultado, o repertório tem astral menos melancólico do que o de discos anteriores, embora soe mais reflexivo. Como uma banda com fortes raízes no hardcore, é possível dizer que o Raça se mudou bastante. Canções como “Debochado”, com Carlos Dias, da Polara, são bons exemplos da habilidade do grupo em transformar o cotidiano em versos potentes – e aqui a mensagem é entregue de maneira ainda mais direta.
O tom melancólico é agraciado pelo humor do refrão, obviamente, debochado: “Eu tô zuado / Desencontrado e debochado / Não sei por que tá tudo errado”. Tudo tem uma forte pegada de rock psicodélico e pop rock. Mesmo quando estreita laços com outros parceiros criativos, essa maior fluidez da banda no processo de composição se mantém. “Debochado” também transita por ritmos pouco usuais para o grupo. Tudo se entrelaça de maneira dinâmica, como se abrisse passagem para algo novo. Sonoramente, lembra bandas como The Sundays e Mazzy Star, cada uma num canto diferente do indie rock. Raça manteve sua propensão para títulos de canções sardônicas, embora o tempo livre os tenha revigorado e dado um novo senso de risco à sua música. Longe de ser uma novidade, “Debochado” parece ter ensinado a banda uma ou duas coisas sobre como engatar mantras em dissonâncias dançantes. Uma prova de que a banda possui seu caminho como um grupo verdadeiramente bom e focado, em um momento em que bandas assim estão em falta no Brasil.