O monumental “Teenage Dream” (2010), da Katy Perry, é um dos maiores e melhores álbuns pop do milênio. Isso se deve em grande parte a Max Martin e Łukasz “Dr. Luke” Gottwald. Martin praticamente inventou a moderna fábrica de composições, por longos períodos servindo como caneta principal para Backstreet Boys, *NSYNC e Britney Spears. Ele também ajudou a projetar a virada pop de Taylor Swift, co-escrevendo trechos de “Red” (2012) e produzindo o “1989” (2014). Katy Perry governou a década de 2010 com seu pop edificante e sua teatralidade. No citado “Teenage Dream” (2010), o seu espírito livre brilhou em contraste com a seriedade temática de outros. Perry parecia ter a fórmula perfeita para criar não apenas singles de sucesso, mas canções que fluíam e refluíam tanto tematicamente quanto sonoramente, ao mesmo tempo em que amarrava as coisas com sua peculiaridade característica. O título do seu sexto álbum, “143”, é um código numérico para “eu te amo”, popularizado na década de 90, quando os pagers ainda eram um modo de comunicação digital rápida – também é um código para “i love you” com base no número de letras em cada palavra.
O objetivo do “143” é levar seriedade e existencialismo para as pistas de dança. De fato, está longe de ser uma abominação musical como muitos estão tentando fazer você acreditar. Mas o lançamento foi marcado por tropeços, desde seu amplamente criticado primeiro single, “WOMAN’S WORLD”, até sua colaboração com o Dr. Luke. Tudo foi planejado para um grande retorno quatro anos após o seu último álbum, “Smile” (2020): muito tempo em uma era em que cantores parecem constantemente pressionados a fornecer material novo para os serviços de streaming. Mas as coisas não funcionaram como o esperado: “WOMAN’S WORLD” foi recebida com muita frieza. Houve muita discussão online sobre a conveniência de lançar uma música, sobre o empoderamento feminino, produzida por Dr. Luke — um homem anteriormente acusado de abuso sexual, físico e emocional por sua ex-colaboradora Kesha, embora ele a tenha processado por difamação e eles tenham feito um acordo fora do tribunal. A campanha promocional em torno de “WOMAN’S WORLD” saiu tanto do eixo que o álbum foi recebido com críticas, muitas vezes, exageradas e abusivas. Basta olhar para a relativa falta de indignação do público sobre o trabalho de Dr. Luke com Doja Cat, Latto e Nicki Minaj.
A capa do álbum apresenta Katy Perry flutuando em um redemoinho colorido e intergaláctico. O LP enquadra esse momento em sua vida como uma poderosa demonstração de resiliência – ela aumentou sua guarda, postando um vídeo mastigando chiclete enquanto polia suas certificações de diamante da RIAA, e vestindo uma camisa que diz: “Eles não constroem estátuas de críticos”. Na semana passada, ela recebeu o icônico prêmio Video Vanguard da MTV no Video Music Awards. “Há tantas coisas que precisam se alinhar para ter uma carreira longa e bem-sucedida como artista. Não há acidentes de uma década”, ela declarou. “Um dos maiores motivos pelos quais estou aqui agora é porque aprendi a bloquear todo o ruído, contra o qual todo artista nesta indústria tem que lutar constantemente — especialmente as mulheres”. E ela está completamente certa. Felizmente, a sagacidade que encorajou seus maiores hits aparece no álbum. Katy Perry é uma das artistas mais bem-sucedidas do milênio — poucas cantoras podem reivindicar um álbum com cinco singles número #1 na Billboard Hot 100.
Ontem, ela também fez uma apresentação surpreendentemente triunfante diante de 100 mil pessoas extasiadas no Rock in Rio. A multidão cantou alto até mesmo a amplamente criticada “WOMAN’S WORLD”. Não é difícil reconhecer que, no começo da década de 2010, ela teve o tipo de fase imperial que apenas um grupo de elite consegue vivenciar. O “Teenage Dream” (2010) consolidou sua imagem: colorida, maluca e resiliente o suficiente, e, talvez o mais crucial, uma compositora de músicas de sucesso. “143” é o seu primeiro álbum após o nascimento de sua filha, Daisy, e algumas das músicas projetam um amor maternal incondicional com uma precisão que aspira à universalidade. É um LP repleto de sintetizadores e ideias líricas tolas, mas é fácil deduzir a verdadeira intenção por trás. Perry anunciou o álbum como um trabalho sobre o sentimento de totalidade e suas letras sobre afeição conseguem consolidar essa ideia. Que poder vem de se sentir completo(a), o que torna esse amor tão especial? Ela elucida por que esse momento em sua vida é tão excepcional que exigiu um disco inteiro dedicado ao amor.
Em “143”, as batidas e refrões são congelados com uma gosma de estúdio brilhante e gelada. O seu charme insinuante está enterrado sob as grossas camadas de brilho e fulgor. Embora Perry seja dotada de uma voz distinta — embora às vezes áspera —, também é um instrumento incrivelmente comovente e flexível. Uma das melhores características do álbum são as transições perfeitas entre as faixas, que operam como correias lubrificadas de uma música para a outra. “143” é uma coleção sobre a natureza prismática do romance. Perry está intoxicada pelo amor, certamente inspirada por seu noivado com o ator Orlando Bloom. Aqui, o amor salva (“ALL THE LOVE”), o amor fere (“TRUTH”), o amor satisfaz (“GIMME GIMME”). Parte do que reforçou o mérito artístico de Katy Perry é sua acuidade performática. Mesmo quando suas músicas são apresentadas em sua forma mais simplista, ela tem uma maneira atrevida de infundir especificidade e humor — seu trabalho em “One of the Boys” (2008) e “Teenage Dream” (2010) exalava personalidade por causa disso.
Em alguns lugares, seu floreio melódico e propensão a geração Millennial vêm à tona de maneira que sugere que sua criatividade ainda queima. Há uma curiosa sensação de estar fora do tempo, no entanto – seja pelo tempo de execução reduzido (11 faixas e 33 minutos) ou pela produção. Certamente, há faixas de destaque aqui: uma dose impetuosa de cor para uma cena pós-Millennial. Certamente, Katy Perry provou várias vezes que consegue misturar o camp com luxúria e romance em um pop divertido que domina estações inteiras, se não anos e décadas. “Last Friday Night (T.G.I.F)” detalhou tantos resquícios descarados de uma festa — de lustres e chupões a Barbies em uma churrasqueira — que a menção de um ménage à trois era somente uma nota de rodapé. A primeira faixa é justamente o primeiro single, “WOMAN’S WORLD”, um pop espumoso com sintetizadores e batidas excessivamente cativantes. Um hino de empoderamento feminino com letras clichês, mas com um charme característico. Katy Perry pinta as mulheres como “enviadas do céu” e “campeãs”, mas também como “irmãs” e “mães” — identidades das quais as mulheres certamente podem se orgulhar. Como o título indica, é um manifesto feminista, tema que ela explorou com mais sucesso na atemporal “Firework” (2010) e na triunfante “Roar” (2013).
Felizmente, a produção extravagante, que inclui um sintetizador potente, e a performance vocal, exacerbam a fraqueza do lirismo. Em “GIMME GIMME”, o rapper 21 Savage parece entediado enquanto entrega versos como: “Eu sou como a Amazon porque eu tenho o que você precisa”. Ele permanece ocioso sob o pulso monótono que parece uma regressão às alturas de “Dark Horse”. A faixa se deleita com um amor-próprio selvagem expresso por meio de letras simples. A repetição rapidamente se torna cansativa. “Me dê, me dê, querido, pare de desperdiçar meu tempo / Essa gatinha, gatinha quer festejar hoje à noite”, ela canta, pelo menos ostentando um pouco de energia em sua voz, sob a linha de baixo elástica. Como grande parte do álbum, a chegada de 21 Savage parece lamentavelmente desatualizada, cuspindo sobre batidas de trap que atormentam os streaming desde 2018. “GORGEOUS”, com a discípula de Dr. Luke, Kim Petras, se apresenta como uma tentação cheia de libido. É uma música mais propensa a despertar química, especialmente por causa de suas medidas liricamente sedutoras – a dupla se diverte em meio a produção escandalosamente plástica.
É uma colaboração um tanto improvável que compensa em uma mistura melosa das vozes das duas artistas. Ambas nos lembram que compartilham as mesmas iniciais ao se revezarem gritando um flerte de “K.P.” antes de colidirem com um refrão delicioso. O verso de Petras muda o ritmo da música, mas segue a mesma estrutura melódica do rap malcriado de “Unholy”. “GORGEOUS” usa o mesmo flerte safado da canção de Sam Smith e os sons mecânicos de SOPHIE e PC Music. É um dueto realmente furtivo onde Kim Petras fornece a energia caótica que a música precisa: “Mandando ver na boate, não pagamos pelos estragos (sem arrependimentos)”. Seus sintetizadores angustiadas criam uma nova camada de misantropia que o álbum pede. Um dos destaques do repertório é o verso de Doechii em “I’M HIS, HE’S MINE”, que a dupla apresentou durante o medley de Katy Perry no VMA. A autointitulada Swamp Princess consegue injetar substância e charme suficientes sobre o sample exótico de “Gypsy Woman (She’s Homeless)”, de Crystal Waters.
Doechii entrega uma performance surpreendentemente carismática e ajuda a destacar o quão incrível o clássico de 1991 é. O sample de “Gypsy Woman (She’s Homeless)” atua como a espinha dorsal de “I’M HIS, HE’S MINE”, embora a faixa expresse sentimentos pouco fraternais. “Eu te vejo dando em cima dele / Por que se dá ao trabalho? / Tá grudada nele que nem uma sunga / Vai lá e arranja o seu próprio homem”, Perry canta. A instrumentação de Dr. Luke não é notavelmente enraizada na guitarra — ele é um instrumentista talentoso e já tocou na banda do “Saturday Night Live” — e, em vez disso, se esgueira em direção à pista de dança com seu sintetizador cintilante. “I’M HIS, HE’S MINE” tenta oferecer insights sobre um relacionamento romântico, mas reduz sua metáfora a imagens mais planas. Linhas como “eu sou sua rainha, eu sou sua aberração, eu sou toda mulher que ele quer e precisa” são interpretadas em frequências mais baixas, enquanto o estilo vocal excessivamente açucarado de ambas cativa nossos sentidos.
A próxima faixa, “CRUSH”, é construída sobre sintetizadores mais flexíveis que você encontraria nas discotecas do leste europeu no início dos anos 2000. Tem grande influência de europop: pós-refrão murmurante, batidas de bumbo e caixa estagnadas – o arranjo é cativante o suficiente. O refrão sintetiza a vibração que permeia o álbum enquanto sampleia “My Heart Goes Boom (La Di Da Da)” da banda alemã French Affair. “CRUSH” consegue facilmente transmitir a euforia borbulhante do sentimento titular e ecoar pelo seu cérebro. Ofegar de tesão é uma tradição consagrada no pop, e colocá-lo na frente faz o título parecer ainda melhor. O segundo single, “LIFETIMES”, parece presa em uma vibração do final dos anos 90, cercada de entusiasmo e nostalgia – uma homenagem à sua filha Daisy. Aqui, os vocais são decorações em uma paisagem vívida. Seu riff de piano lembra vagamente clássicos de italo house, construído em torno de uma batida e gancho melódicos relativamente fortes. No final, a canção volta ao mesmo verso e refrão: “Eu sei que você sente isso / Pode acreditar? / Eu vou te amar até o fim e depois repetir isso”.
“ALL THE LOVE” tem uma estética que lembra uma praia ensolarada da Califórnia. Enquanto a instrumentação tenta entregar uma vibração arejada com percussão contida e floreios ocasionais de sintetizador, ela acaba fornecendo lampejos do magnetismo que fez de Katy Perry uma estrela. Uma balada com toques dos 80 que aparentemente faz referência ao seu casamento com Orlando Bloom, e possivelmente também toca em seu divórcio do comediante britânico que virou teórico da conspiração Russell Brand. O álbum está mergulhado na estética club da última década, com a faixa mais notável sendo “NIRVANA”. A música começa com uma introdução promissora, onde sintetizadores e graves profundos criam uma antecipação tentadora. É uma canção realmente insana, mas abre mão da oportunidade de levar a música a uma velocidade alta com um refrão matador e, em vez disso, serpenteia com um instrumental quase europop e toques de acid house. Dessa vez, o amor a leva a grandes alturas: “Você me faz sentir, me faz sentir tão alto / Você me faz sentir, me faz sentir viva”, ela canta no trecho mais emocionalmente celestial do álbum.
A espumosa “ARTIFICIAL”, com o rapper JID, tenta clonar a sensualidade cibernética de “Dark Horse” e o lirismo tecnológico de “E.T.” – embora desta vez ela esteja cantando sobre máquinas em vez de alienígenas. “Você vai me amar como um humano? / Você pode me tocar em uma simulação?”, ela pergunta enquanto compara o calor humano à frieza do mundo digital. É uma peça sobrecarregada de efeitos e técnicas vocais surpreendentemente intrigantes. Os versos sólidos, o refrão matador – que quase te leva ao céu – e o fluxo sólido de JID conseguem transformá-la em um dos destaques do álbum. “Tem uma visão que me tira o sono de noite / Minha intuição me diz que tem algo errado”, ela canta em “TRUTH”. Essa canção é um momento fugaz de clareza – um verdadeiro oásis. Com batidas frias criando o clima para a introspecção, Perry consegue cantar sobre as brasas de um relacionamento, sugerindo que a verdade pode fornecer respostas. “TRUTH” captura a suspeita corrosiva de que um parceiro foi infiel. A faixa molda a ansiedade em um pop elegante que evoca as revelações anteriores de Perry, de partir o coração, da melancólica balada de piano “Not Like The Movies” à caleidoscópica “Never Really Over”.
A voz de uma criança, possivelmente de sua filha de quatro anos, abre a última faixa, “WONDER”, com o refrão: “Um dia, quando formos mais velhos / Ainda olharemos para cima com admiração?”. Ao destacar o gorjeio destreinado de sua filha, Perry tenta demonstrar os riscos do mundo enquanto vive de acordo com seus próprios conselhos. É um momento interessante, mãe e filha olhando para o céu e se sentindo tocadas pelo divino. Sonoramente, “WONDER” é um synth-pop confortável com um refrão forte e produção inspirada nos anos 80. No entanto, a melodia, embora leve e cativante, serpenteia por acordes muito familiares e previsíveis. A paisagem sonora do álbum é tão mágica que os ouvintes terão facilidade em se relacionar com a felicidade que ela acena. As canções são escassamente povoadas com vocais de apoio ou harmonias, e a nostalgia por si só é suficiente para produzir excitação. O resultado é um disco que às vezes acerta o alvo e deixa uma impressão duradoura. Seu pop maximalista vem passando por um renascimento e, graças a sua vibração otimista, “143” continua exalando uma excentricidade atrevida e caricatural.