“Future Nostalgia” é tão excepcional que é difícil não se deixar levar por sua energia – o próprio título reivindica um status de clássico moderno.
Geralmente, a música pop não é levada a sério pelos críticos e é taxada como descartável por muitos. Talvez por causa das letras repetitivas ou devido a estrutura mais simplificada. No entanto, é possível criar uma música pop perfeita. Qualquer um que tenha talento para produção e/ou composição pode construir uma música pop de qualidade – Katy Perry, Lady Gaga, Rihanna e Taylor Swift já conseguiram a proeza de lançar uma pop perfection. À medida que o hip hop se tornou o gênero mainstream do momento, a música pop que estourou na década de 2010 simplesmente foi perdendo suas forças. No meio disso tudo, eis que surge o “Future Nostalgia”, o segundo álbum de estúdio da Dua Lipa. Uma coleção literalmente pop que apresenta a britânica com uma aparência vintage e igualmente moderna. Se você deseja uma distração agora, ouça este álbum. É a perfeição pop sem qualquer desculpa; uma mistura de várias décadas em um único lugar. De todas as novas cantoras que surgiram na segunda metade da década de 2010, Dua Lipa é aquela que chegou mais perto de ocupar o posto de popstar mundial. Filha de um ex-cantor de rock, a ex-modelo foi contratada com grandes expectativas pela Warner em 2015. Seu álbum de estreia teve hits inegáveis, evidenciado pelo enorme sucesso de “New Rules” – agora com 1,3 bilhão de streams no Spotify.
Foi esse single que a tornou um nome familiar. Dois prêmios no BRIT Awards e o título de “Best New Artist” no Grammy de 2019, lhe rendeu mais aclamação. Julgada por não dançar tão bem, Lipa agora está fazendo apenas dance e disco music. Enquanto Lady Gaga adiou indefinidamente o “Chromatica”, Lipa foi forçada a adiantar o “Future Nostalgia” para o final de março – provavelmente devido ao vazamento do mesmo. Tornou-se um momento de perfeita sincronicidade. Ela instantaneamente chegou com o incontestável álbum pop em uma época em que precisamos urgentemente de escapismo. Implicado pelo título, o sucesso do álbum reside em sua capacidade de formar algo novo combinando dois estilos: disco dos anos 70 e pop dos anos 80. Carly Rae Jepsen e Bruno Mars tentaram inserir uma vibe retrô em suas músicas há poucos anos, mas com o “Future Nostalgia” sendo lançado praticamente junto com o “After Hours”, do The Weeknd, parece que uma nova era do pop oitentista está chegando. Enquanto o mundo está cheio de medo, nostalgia pode ser o único sentimento que temos para manter a sanidade. Além disso, podemos ficar otimistas por um futuro melhor. No entanto, o álbum é mais adequado para uma balada; aquela onde o contato físico é essencial.
A influência do funk e os arranjos de cordas irradiam como uma noite banhada pelas luzes de uma balada. Mas como tudo está fechado devido a quarentena, o “Future Nostalgia” não pode ser digerido da forma que realmente deveria. Em outro sentido, é o álbum certo para um momento em que todos estão isolados e cheios de ansiedade. Talvez você ainda não possa aproveitar sua glória nas boates, mas ainda assim, o repertório insere uma grande euforia dentro da privacidade de sua casa. O baixo, a bateria, o teclado e a guitarra são tão retorcidos e empolgantes que você pode imaginar as contorções do seu corpo. As cordas costumam varrer o ritmo da mesma maneira que um drama cinematográfico. Disco e house são a linha de base do “Future Nostalgia”, mas ela e seus produtores fizeram uma varredura por várias vertentes da música pop: aqui você pode encontrar electropop, dance-pop, synth-pop, pop rock, house, power pop, eurodisco e nu-disco. Ou seja, uma infinidade de possibilidades. O primeiro single, “Don’t Start Now”, não sai da nossa cabeça desde novembro – outro smash hit para o seu currículo. Uma música sobre separação que serve como repreensão aos céticos: “Se não quiser me ver dançando com alguém / Se quiser acreditar que qualquer coisa pode me parar / Não apareça, não saia de casa / Não comece a se importar comigo agora”.
A mensagem é clara e direta e o intrincado arranjo de disco, cheio de peculiaridades rítmicas e melódicas, é completamente irresistível. É uma música que se resume pela instrumentação em camadas e principalmente pela linha de baixo funky. A faixa-título, por sua vez, consegue capturar a atitude agressiva da Dua Lipa em relação a um homem que é conscientemente conservador em seus ideais. “Não importa o que você faça, eu vou conseguir sem você / Eu sei que você não está acostumado com uma mulher alfa”, ela canta com seu falsete agridoce. Sua voz sai da linha de baixo descolada com o mesmo espírito do Daft Punk. “Physical” é outra joia do álbum, uma peça sensual de synth-pop fortemente inspirada pela magia dos anos 80. Ela rasga o conceito e a letra inspirada no hit de mesmo nome de Olivia Newton-John, e ainda se destaca inesperadamente como uma peça titânica futurística. A excepcionalmente cativante “Cool” possui uma vibração funk dos anos 70 e também se aventura pelo pop oitentista. Enquanto a maior parte do álbum se concentra em uma mulher fria e dura, “Cool” é maravilhosamente vulnerável. Após um preenchimento com bateria e sintetizador, o memorável refrão explode com reverberação e linhas de baixo. É uma música perfeita para o verão!
Ocupando o meio do álbum, “Levitating”, “Pretty Please” e “Hallucinate” são transcendentes e conseguem manter o ímpeto do álbum. Cheia de adrenalina, “Levitating” representa uma artista que confia em cada movimento que faz. É um electro-disco com uma hipnótica linha de sintetizador, palmas sincopadas e cordas em cascata que prometem lhe dar uma sacudida. A sobressalente “Pretty Please” possui outra linha de baixo groovy, mas não explode como as outras citadas. Em vez disso, se transforma em um coro sensual e sedoso, onde Lipa canta “por favor, eu preciso das suas mãos em mim”. Sua influências são retiradas de graves latejantes e sintéticos que ocasionalmente marcaram presença no disco dos anos 70 e dance-pop do começo dos anos 2000. “Hallucinate”, por sua vez, é um dance-pop doméstico inspirada pela Kylie Minogue e no house da década de 90. Antes mesmo de florescer em seu refrão, que possui cerca de quatro ganchos fantásticos, sua linha de baixo agarra o ouvinte instantaneamente. Os acordes de sintetizador rhodes que apoiam o verso e a bateria filtrada atrás do falsete no pré-refrão são muito bons. O refrão, delicioso e arrebatador por si só, com sua alta linha de baixo e batida contundente, também possui um sabor delicioso.
“Love Again”, com sample de “My Woman”, de Al Bowlly, exemplifica como os produtores do álbum combinaram uma infinidade de gêneros. As cordas se tornam mais complexas e ambiciosas, e refletem diretamente nas linhas vocais – outra peça exuberante e bem orquestrada. Da mesma forma, a luxúria insaciável de “Break My Heart” é inspirada no icônico hit “Need You Tonight”, da banda INXS. Aqui, Lipa fornece uma última introspecção que quase contradiz as faixas anteriores. “Estou me apaixonando por alguém que poderia partir meu coração?”, ela se pergunta. “Break My Heart” demonstra sua grande habilidade de transformar problemas cotidianos de um namoro em um sublime dance-pop. O final do álbum é um pouco mais subjetivo. “Good in Bed” é cativante, mas um tanto quanto repetitiva. É um número ingênuo e superficial que pouco acrescenta à maior sofisticação do álbum; para não mencionar que o refrão é severamente subscrito. É a única canção verdadeiramente contemporânea de um álbum comprometido com décadas do passado. É tão maliciosa com seu piano saltitante que poderia fazer parte de algum disco da Lily Allen. Por fim, “Boys Will Be Boys” faz uma crítica aos padrões de gênero. Embora as letras não sintetizem a experiência de todas as mulheres, é importante lembrar que a Dua Lipa não está se proclamando feminista.
As letras tocam em detalhes específicos que jovens como ela estão acostumadas a passar. No refrão final, os vocais isolados proporcionam uma sensação de hino enquanto as cordas orquestrais e o coral infantil tentam injetar um certo sentimentalismo. É a única música sociopolítica do “Future Nostalgia”, um álbum que trabalha para fornecer escapismo nas horas difíceis. Cada música tem seu próprio momento e se torna preciosa do seu jeito. Juntas, todas se transformam em uma narrativa maior: uma festa em que todos estão convidados. Faz muito tempo que não ouço um álbum pop que me faça querer dançar tanto. Já faz anos que parece haver um vazio na música pop. No momento, muitos querem voltar para o começo da década de 2010 quando Katy Perry e Lady Gaga dominavam as paradas com “Teenage Dream” (2010) e “The Fame Monster” (2009), respectivamente. De fato, Dua Lipa uniu os nostálgicos e os baladeiros em um álbum que satisfaz literalmente qualquer fã de música pop. A verdadeira tragédia reside no fato de ter sido lançado durante a quarentena, quando ninguém pode ficar bêbado ouvindo suas poderosas linhas de baixo. Parecido com Taylor Swift no “1989” (2014), Lorde no “Melodrama” (2017) e Carly Rae Jepsen no “E•MO•TION” (2015), Dua Lipa pode se orgulhar por ter lançado um dos melhores álbuns pop da nova década.