Em alguns momentos, “Cape God” se torna um pouco apagado. Ainda assim, é um álbum atraente e deleitoso.
Alexandra Hughes é certamente uma artista estranha, cuja estética, sempre foi um elemento crucial do seu trabalho – embora nem sempre se encaixe com a proposta de suas músicas. Nada de novo, mas há um sentimento de devoção por trás de suas sensibilidades e escolhas de imagem. Em uma época em que artistas como Charli XCX e SOPHIE se destacam na vanguarda da música pop, novos artistas começam a surgir. Com o recente sucesso de Billie Eilish, passamos a imaginar quem poderia seguir essa tendência com resultados semelhantes. Em “Cape God”, Allie X prova que ela é digna disso. No dia do lançamento do álbum, ela publicou em suas redes sociais sua tocante inspiração para o mesmo. A ideia para o título veio de um documentário da HBO sobre jovens viciados em heroína. Mas ela confessou que não encontrou inspiração no uso excessivo de drogas, mas em como as pessoas tratam os viciados. Ela ficou tão atraída por essas histórias que passou a escrever do ponto de vista deles, e milagrosamente descobriu emoções escondidas em sua própria vida. X anunciou que está lidando com uma doença autoimune desde o ensino médio e queria compartilhar sua história para que, aqueles que estão passando por uma jornada semelhante, sejam inspirados a continuar perseguindo seus sonhos.
Ela admitiu que era difícil para ela enfrentar suas emoções na adolescência e lutava para falar sobre seus sonhos de se tornar uma artista. Dito isto, “Cape God” dá voz a essa versão mais jovem de si mesma. É um álbum perturbador, mas cativante; dolorosamente cru, mas inegavelmente dançante. Capta imaculadamente o sentimento de um “forasteiro”; a dor sob a superfície escondida apenas pela determinação de nunca deixar o mundo ver suas lágrimas. Mas, como o próprio repertório prova, essa dor não leva muito tempo para transbordar. Nesta nova era, os fãs terão uma visão mais íntima dos recônditos profundos – e às vezes sombrios – de sua alma. Ela deixou para trás a irreverência ensolarada do “Super Sunset” (2018) e embarcou em uma nova jornada onírica de auto-reflexão e cura. Aqui, Allie X criou um espaço liminar – nem fantasia nem realidade, nem passado nem presente -, no qual medita sobre ideias infinitamente complicadas e inerentemente humanas. Ela explora a angústia, ansiedade, solidão, saudade e alienação através de um lirismo melancólico e um som mais minimalista. O álbum aborda temas como o desejo pela simplicidade da infância, o confronto com os demônios interiores – a piada, a popularidade, o uso de drogas, o intenso amor entre amigos e os relacionamentos familiares.
Embora os temas estejam ligados às experiências de sua juventude, “Cape God” lhe ajudou a encontrar uma maneira de expressá-los. Encontrar as palavras certas foi um processo terapêutico para ela, para dizer o mínimo. Neste ponto de sua carreira, nesta iteração mais recente, Allie X está em um momento onde não se importa mais com o que Los Angeles quer dela. Ela não tem mais vergonha de sua jornada, como ela é ou quem é. Essa é a mensagem que ela espera que os ouvintes tirem do “Cape God”. Este álbum começou a tomar forma antes mesmo de qualquer single ter sido lançado. Allie se encontrou em uma viagem para Estocolmo com o produtor Oscar Görres e o co-roteirista James Alan Ghaleb em março de 2018. Mas foi quando ela voltou para a Califórnia, três dias após sua primeira chegada à Suécia, que descobriu os verdadeiros ingredientes do álbum. “Fresh Laundry” é um número familiar, mas tem uma maturidade renovada em sua produção. Embora a música e o vídeo pareçam revigorantes, também há um sabor estranho que permanece nos ouvidos. Essa mistura é bem-sucedida na construção e introdução do “Cape God” – “Fresh Laundry” descreve um anseio por um novo começo.
Ela está cansada de “manhãs difíceis” e sente que “algo tem que morrer” em sua vida. Em seguida, nos aventuramos por “Devil I Know” – a produção instrumental parece simples, mas sua vibração astuta foi bem combinada com os vocais. Ouvi-la na superfície parece inocente, mas se mergulharmos um pouco mais, podemos notar que há uma flutuabilidade interessante. Segundo Allie X, o “diabo” sobre o qual ela está cantando é na verdade seu demônio interior. A princípio, ela é compelida a ser obediente a esses pensamentos diabólicos, mas também descobre rapidamente que esses pensamentos estão fazendo com que ela se torture. “Regulars” é um single peculiar e emocionante que ela lançou antes do álbum. É uma música que realmente brilha por causa das letras. Enquanto “pendurar-se em um prédio” gera algumas imagens na nossa cabeça, o significado por trás de tais palavras fala por aqueles que se sentem como alguém de fora. É sobre querer ser bem-vindo e admirado pela sociedade, e não evitado por causa de suas diferenças. Um apito suave nos apresenta “Sarah Come Home”, à medida que o ouvinte segue uma jornada instrumental alegre e animadora. Parece uma daquelas músicas que você toca no seu quarto e faz uma festa sozinho. No entanto, conhecendo a arte da Allie X, sabemos que tem um significado mais profundo.
A letra a encontra ansiando por uma garota chamada Sarah, que fugiu de casa. Embora admita que essa história é fictícia, ela consegue capturar suas emoções perfeitamente. Sonoramente, “Rings a Bell” é sensual e onírica. Os vocais parecem deslizar no topo enquanto afundamos em um mundo de respirações, sinos e guitarras. A principal frase lírica é tão cativante que parece uma canção de ninar. Liricamente, ela descreve um estado de paixão. Com a atmosfera em torno da música, X parece repintar essa emoção sem maiores esforços. Embora pareça inicialmente alegre, “June Gloom” é provavelmente uma das faixas mais pessoais do álbum. Recentemente, X se tornou mais pública sobre sua doença autoimune que causa dor crônica. Nesta faixa em particular, ela dá um passo adiante neste tema. O que “June Gloom” destaca, no entanto, é a mera observação de que ela não era como outras crianças. “Love Me Wrong”, com Troye Sivan, parece ser aquela música que o público senta, fecha os olhos e sente sua vulnerabilidade. Ela lida com as emoções mais complicadas da Allie X em relação a um membro de sua família. Ela descreve isso cantando: “Eu sei que você me ama / Porque você quer o melhor / Mas você me ama errado”. Enquanto ainda sente amor por sua família, ela luta contra a sensação de se sentir excluída.
Uma das joias do álbum é “Life of the Party”, uma faixa que detém o poder de um hit convencional. É definitivamente uma das músicas de maior destaque, e embora a repetição possa aludir a qualquer outra música, o significado mais sombrio por trás das palavras intensifica essa montanha-russa de emoções. Allie X canta sobre ficar completamente embriagada com um grupo de pessoas que finalmente está dando atenção a ela. No entanto, o desfoque começa a ficar aparente quando as letras sugerem as verdadeiras intenções dessas pessoas. Inspirada diretamente pelo documentário mencionado anteriormente, “Madame X” mergulha na mentalidade do apego. É uma das faixas mais lentas do álbum, no entanto, sua mensagem é clara e impactante. De fato, Allie X leva esse “caso de amor” tóxico longe demais ao personificar as drogas. A produção parece fria e despojada, como se estivéssemos testemunhando a intimidade entre o narrador e a droga. A última faixa, “Learning in Public”, é a cereja no topo do bolo. Enquanto as letras sugerem que o seu “assunto menos favorito” é “aprender em público”, o som geral é bastante animador. Tem uma sensação de libertação em comparação com as outras músicas que a precederam. Ela se rende ao universo quando admite que, como seres humanos, estamos constantemente aprendendo, crescendo e mudando de ideia.