A nova coleção de instrumentais de Mac DeMarco evoca uma sensação turva e apática.
Em seu novo LP, “Five Easy Hot Dogs”, o virtuoso guitarrista desdentado chamado Mac DeMarco substituiu seu falsete por um dedilhar de guitarra melancólico. O álbum traz 14 faixas instrumentais que vão do folk a ritmos que beiram o rock. O álbum foi gravado enquanto DeMarco viajava pelos Estados Unidos, com cada música nomeada de acordo com a cidade em que foi composta. Embora os fãs obstinados possam sentir falta de ouvir a assinatura do artista cantando, a mesma maravilha infantil que ouvimos em sua voz ainda está presente. A forma como esses instrumentais de fácil digestão são estruturados enfatiza o crescimento de DeMarco como músico e alcança um equilíbrio inesperado. “Five Easy Hot Dogs” brinca com a ideia de simplicidade. O fato de DeMarco ter gravado essas músicas enquanto viajava em sua van o obrigou a trabalhar dentro de um espaço limitado. Ele não se propôs a criar paisagens sonoras altamente texturizadas e não estabeleceu limites para si mesmo. Considerando os seus dois lançamentos mais recentes, “This Old Dog” (2017) e “Here Comes the Cowboy” (2019), a direção de “Five Easy Hot Dogs” não deveria ser uma surpresa. O artista estabeleceu um som único no início de sua carreira e agora o vemos não apenas expandir esse som, mas decompô-lo em sua forma mais simples.
Embora esta coleção de instrumentais possa parecer básica, quando contextualizada com o restante da sua discografia, pode ser classificada como uma lufada de ar fresco. Através de sua simplicidade, “Five Easy Hot Dogs” alcança um nível de beleza que o redefine como músico. No entanto, não é o primeiro lançamento instrumental de DeMarco. “Some Other Ones”, de 2015, foi gravado em cinco dias e lançado como download gratuito, e cresceu naturalmente a partir da faísca de “Salad Days” (2014). “Five Easy Hot Dogs” continua na veia lúgubre de “Here Comes the Cowboy” (2019), raramente excedendo a expectativa. A paleta familiar do músico é aparente assim que “Gualala” começa – um violão, um tom de baixo agradavelmente redondo, uma bateria eletrônica e um sintetizador entram em ação. Mas, em vez de construir, desenvolver ou mesmo vagar como suas canções tendem a fazer, essas peças simplesmente se arrastam por um tempo e terminam. DeMarco é um mestre em seus instrumentos e sua habilidade brilha apesar de sua aparente aversão em se exibir. As faixas não seguem estruturas familiares ou aquelas que Mac empregaria em seus discos vocais. Ele usa tons de guitarra, texturas sonoras e arranjos que instantaneamente permitem que o ouvinte reconheça sua música, mas ele o faz de uma nova maneira.
De fato, ele abordou o “Five Easy Hot Dogs” como um projeto totalmente novo. Ele dirigiu para o norte de Los Angeles, parando em várias cidades e gravando na maioria delas. Mac trouxe consigo um estúdio improvisado com equipamento que lhe permitiria fazer gravações em movimento. Em algumas faixas, fica óbvio que o artista tem uma ligação mais profunda com determinados lugares, onde o seu estilo mais familiar aparece, como “Edmonton” e “Rockaway” (esta última é uma referência a onde ele morou em Nova York e ele não o visitou de fato nesta viagem, mas relembrou o tempo que passou lá). Em linhas gerais, as sensações transmitidas são aquelas que se tem quando vamos para uma cidade que não visitamos há algum tempo. Há uma mistura de nostalgia e uma leve empolgação em ver o quanto tudo mudou. “Gualala 2” é bastante sombria e lembra faixas como “Chamber of Reflection” ou “One More Love Song”, mas a falta de vocais e uma reorganização da composição abrem caminho para que o ouvinte interprete essa desolação subjetivamente. É interessante como nossos pensamentos e sentimentos se formam por estarmos na estrada por muito tempo. Carregar até mesmo uma fração do equipamento musical de alguém já é incrivelmente cansativo, mas o verdadeiro desafio é desdobrar tudo para poder gravar alguma coisa.
De certa forma, isso convence o artista a ser mais seletivo sobre a gravação e talvez apenas ir com o mais forte dos desejos de gravar. Rastreando os nomes das cidades que aparecem na tracklist em um mapa, fica muito claro que DeMarco não gravou em todas as cidades que visitou em sua viagem. No entanto, ele compôs sempre que a inspiração bateu, o que é óbvio pela própria música. Não é polido ou meticulosamente estruturado: é cru e simplista. Mac DeMarco parece estar revigorando seu estilo ao optar por um disco inteiramente instrumental, embora algumas canções pareçam preguiçosas. “Victoria” ganha tensão a partir da melodia de sintetizador cujas notas pairam no ar, lançando acordes assustadores contra o inócuo fundo. O efeito sonoro da flauta em “Portland 2” é tão bobo que você pode nem notar os pequenos tilintar metálicos no fundo. “Some Other Ones” (2015) era mais animado, e os instrumentais fervilhantes em suas compilações possuem uma profundidade ausente aqui. Cada faixa, desde “Portland 2” até a valsa “Vancouver 2”, ele repete suas figuras melódicas como se fossem faixas de apoio. A argamassa que mantém esses tijolos no lugar vem principalmente na forma de humor, em cima de alguns elementos repetidos.
Alguns, como o suave tamborilar de bongôs, são familiares à paleta geral do Mac DeMarco. É perigoso, claro, cair no hábito de presumir que todo músico quer mudar o mundo com sua arte. Alguns simplesmente querem tornar a música livre de seus lados intelectuais, e isso pode ser um esforço tão virtuoso quanto qualquer outro. DeMarco decidiu um dia que queria fazer um disco na estrada, e não há nada inerentemente errado nisso. Se algo perfura a espessa nuvem de tranquilidade deste disco, é a noção enervante de que tão pouco de Mac parece existir aqui, e não apenas porque não carrega sua voz. Em uma viagem de Nova York a Salt Lake City perto do final do processo de gravação, ele finalmente decidiu parar de fumar. Essa não é apenas uma das coisas mais difíceis para um humano realizar conscientemente, mas também é uma renúncia clara de um aspecto de sua personalidadee. Tal ato parece impossivelmente simbólico, especialmente no contexto deste álbum. Sempre que o repertório começa a parecer repetitivo ou monótono, o tédio levanta a questão da intencionalidade; “Five Easy Hot Dogs” parece descansar em sua transitoriedade, concentrando-se na jornada e não no destino.