“Notes on a Conditional Form” é indulgente e a banda já foi mais sucinta no passado. No entanto, The 1975 nunca pareceu tão paciente, pessoal e honesto.
The 1975 se tornou um dos grupos mais divisivos da década de 2010. Entre a franqueza do vocalista Matt Healy e a identidade sonora em constante mudança da banda, seus três álbuns até este ponto provaram ser esquisitices no cenário moderno da música popular. Seja o indie rock direto de sua estreia, os extensos sintetizadores de “I like it when you sleep, for you are so beautiful yet so unaware of it” (2016) ou o ecletismo de “A Brief Inquiry into Online Relationships” (2018), The 1975 escapou da rotulagem, ao mesmo tempo em que conquistou uma fã-base leal. “Notes on a Conditional Form” complica ainda mais as coisas. Com 80 minutos e 22 faixas, é o projeto mais longo de sua carreira até o momento – e por longa vantagem. Felizmente, não sentimos sua enorme extensão. E isso não é uma coisa ruim; o registro nunca afunda ou se sente entediante, e permanece agradável e criativo durante todo o tempo de execução. Sua música sempre dá um toque cativante no acorde certo – mesmo que os resultados sejam confusos. E, de fato, pode não haver um título mais apropriado do que “Notes on a Conditional Form”. É como um amplo bloco de notas com ideias rompidas e linhas pontilhadas que não fazem sentido por si mesmas, mas que, de alguma forma, se encaixam perfeitamente.
Uma colagem desalinhada de conceitos e fragmentos emocionais que milagrosamente se compilam em um todo atraente. Como a conclusão da era ambígua e inicialmente auto prescrita como “Music of Cars”, o lançamento de “Notes on a Conditional Form” foi bastante intrigante. Não apenas passou por vários atrasos, mas boa parte do repertório foi lançado antes que o álbum pudesse ser completamente divulgado. Mas é uma experiência ampla e instável, determinada em levar o ouvinte em qualquer direção. E apesar de haver uma surpresa por trás de cada faixa, as voltas e reviravoltas se alinham adequadamente com as declarações de Matt Healy. Para um álbum definido por sua inquietação, o tema principal é igualmente instável – literalmente. Essa ideia de fragilidade sempre mostrou sua face ao longo dos trabalhos da banda, que serviu como uma cápsula de reflexões semiautobiográficas para Healy. Essa inquietação e ansiedade de existir em um mundo frágil – ao mesmo tempo em que é o líder de uma das maiores bandas da nova geração – é mais aparente. Nesse momento, acusar The 1975 de ser autoindulgente é ignorar toda a sua discografia.
Suas estruturas pop inspiradas nos anos 80 sempre pareciam lutar para conter o seu desejo de criar algo mais caoticamente decadente possível. Porém, quanto mais o quarteto de Manchester se libertava dessas convenções, mais escandalosamente ambiciosa e interessante sua música ficava, culminando com o marco histórico de “A Brief Inquiry in Online Relationships” (2018). Como sugerido por seu título pseudo intelectual, a incoerência do álbum é, bem, inerente à sua natureza. Não há uma única faixa que pareça mal escrita, gravada ou mixada, em grande parte graças à arma secreta da banda, o baterista e produtor George Daniel. Até mesmo faixas elásticas e sem propósito, como “Yeah I Know” e “Shiny Collarbone”, soam elegantes – embora um pouco indistintas. “The End (Music for Cars)” é um interlúdio orquestral luxuoso que também soaria bem em um contexto diferente – não apenas depois do implacável hino dance-punk “People”, que surge logo após a introdução autointitulada “The 1975”, uma peça de palavra falada com a ativista ambiental Greta Thunberg. Como single promocional, parecia uma declaração poderosa, um sinal promissor do que estava por vir; e mesmo aqui, emparelhada ao lado da inquieta e raivosa “People”, sugere uma direção mais voltada para o exterior.
Uma coisa não dá para negar: o álbum soa incrivelmente presciente, apesar da falta geral de estrutura ou de um fluxo suave. Além disso, é impossível enquadrá-lo em um único gênero, como foi o caso de seu antecessor. Há uma diferença tangível essencial entre os dois registros, inicialmente concebidos como um LP. “A Brief Inquiry into Online Relationships” (2018) estava focado no agora, discutindo a psicologia social moderna; por outro lado, “Notes on a Conditional Form” é uma colagem de diferentes humores: ansiando pelo passado enquanto olha para o futuro da incerteza; perpetuando-se com esperança, segurando um vislumbre de luz na escuridão; interagindo de forma introspectiva, mas necessariamente extrovertida. The 1975 exala esses sentimentos em diversos cenários, resultando em uma bagunça intencional. É o momento da banda se rebelar – em termos políticos, líricos e musicais. À medida que as falhas gerais de nossos sistemas políticos e econômicos amplificam os impactos negativos à saúde global, The 1975 evoluiu sua marca para se tornar uma voz do ativismo. Fiel ao nome, “Notes on a Conditional Form” é uma compilação de notas. Com momentos de desordem na tracklist, sua intenção é genuína e autêntica. Emoções não filtradas e às vezes maníacas são a base de pensamentos e sentimentos.
E não deixa de ser um álbum que explora as profundezas do pop, rock, dance, folk, lo-fi e synth-pop – para que a banda não apenas compartilhe suas filosofias de vida, mas também incite a auto-reflexão. Peças instrumentais como “Streaming” e “Having No Head” encontram um lugar no álbum; duas belas paisagens sonoras que convidam à introspecção. Com duração de 2 a 6 minutos, respectivamente, podem ser classificadas como meditações ou práticas terapêuticas de imersão. “Having No Head”, em particular, transita de uma introdução triste de piano para uma atmosfera dance pesada, a fim de mostrar os estágios de suas emoções. Existem muitos momentos de beleza aqui, sejam eles longos ou curtos, que brilham por si mesmos. “Notes on a Conditional Form” mostra tematicamente sua humanidade através de experiências de vida, ao passo que as narrativas são completamente diretas. The 1975 é menos focado no lirismo rítmico e mais na narração sonora, o que explica por que sua fã-base os procura para ter alguma orientação sobre relacionabilidade. Quer você goste do Matt Healy ou não, é claro que suas letras geniais e criações melódicas formam o selo do The 1975. Ele, obviamente, pensou muito sobre o que deseja retratar neste álbum, muitas músicas representam os altos e baixos de sua vida.
Além disso, ele não precisa se esquivar de grandes temas como sexualidade, abuso de substâncias, autoestima, depressão e amor. “Notes on a Conditional Form” está saturado de momentos que podem parecer estranhos para alguns, mas são partes integrantes da própria banda. Em entrevistas, Healy descreveu o álbum como uma desconstrução do seu mito, de sua banda e da cultura que eles habitam. Em termos líricos, a maioria dos comentários auto referenciais que ele faz são apresentados sob uma luz negativa ou pouco lisonjeira. A possível fachada de uma estrela do rock que ele apresentou em álbuns anteriores está praticamente destruída aqui. Healy nunca teve medo de ser pessoal, mas dessa vez, é chocantemente detalhado. A divisão do álbum decorre, em grande parte, da natureza de seu sequenciamento e de como a banda salta de música para música. E quando se concentra no que realmente está tentando dizer, The 1975 é excelente. “I Think There’s Something You Should Know” é uma canção maravilhosamente honesta que capta a ansiedade e a coragem de dizer a alguém que você não está bem. O ritmo lembra batimentos cardíacos acelerados e os pensamentos constantes de qualquer pessoa que esteja se preparando para expressar algo assustadoramente verdadeiro.
Os vocais mostram o real conflito ao questionar a realidade de sua própria saúde mental e subestimar suas lutas como sem importância ou indignas de atenção. Healy constantemente vai e volta em suas letras entre admitir que precisa de ajuda e dizer a si mesmo que nada está errado: “Dormir me aterroriza / Caso contrário, eu estou bem”. O título mostra que ele está dizendo a alguém confiável sobre como se sente. Esses momentos de extrema vulnerabilidade nos agarram facilmente. Lançado anteriormente como single promocional, “Jesus Christ 2005 God Bless America” é outro exemplo brilhante disso. Uma balada folk e country – com elementos de lo-fi e emo – incrivelmente triste que conta a história de dois artistas LGBT – a presença de Phoebe Bridgers a eleva de forma surpreendente. Eles discutem habilmente a religião e a sexualidade enquanto tudo é filtrado pela mente de um personagem. Nesse sentido, o álbum possui o título perfeito. Healy canta como ele deve esconder sua bissexualidade porque não se sente aceito: “Estou apaixonado, mas estou me sentindo mal / Pois eu sou apenas uma pegada na neve / Estou apaixonado por um garoto que conheço / Mas esse é um sentimento que eu nunca posso mostrar”.
A cintilante “Me & You Together Song” produz uma vertigem com suas perguntas profundamente atuais sobre identidade – é uma mistura fascinante de dream pop, pop rock e soft rock. Da mesma forma, o country flutuante de “The Birthday Party” explora a busca de permanecer puro mesmo diante de drogas pesadas e sexo ilícito. Enquanto “Then Because She Goes” é uma música perfeita de shoegaze, “Frail State of Mind” é, sem dúvida, o ponto principal da fragilidade do LP. Combinando essa possível nova direção de UK garage com as tendências pop da banda, é uma atmosfera noturna onde a apresentação vocal do Matt Healy está perfeita. Ao lado da bateria pulsante e dos elementos de trip-hop e dubstep, parece que um cobertor está enrolado em torno de você. Em meio a isso, “Nothing Revealed / Everything Denied” explora o questionamento existencial e o niilismo sob um piano jazzístico e refrão emocionante: “A vida parece uma mentira / Preciso de algo para ser verdade / Há alguém aí?”. Com a mesma introdução de “If I Believe You” de 2016, uma das faixas mais honestas do seu catálogo, “Nothing Revealed / Everything Denied” combina perfeitamente partes de piano jazzísticos com harmoniosos corais, bem como suaves seções de rap. Uma música maravilhosamente inteligente que acerta diretamente no coração.
Sintetizadores e teclas também levam os vocais para a frente, e sua franqueza é admirável. O álbum atinge o pico com o synth-pop “If You’re Too Shy (Let Me Know)”, o single de maior sucesso comercial da banda em um tempo – o que é irônico, considerando que se trata de se apaixonar por uma garota que ele conheceu em um site adulto. Com aparição de FKA twigs, é uma música contagiante e otimista, que lembra o típico som da banda, completo com letras explícitas e um solo eufórico de sax. Outro destaque, “Playing on My Mind” o encontra discutindo pensamentos conflitantes em cima de um instrumental sombrio de maneira particularmente emocionante. Segue a mesma fórmula acústica de “Jesus Christ 2005 God Bless America”, exceto pelo conceito menos interessante, embora contenha uma das linhas mais conscientes do álbum: “Mas eu não vou colocar roupas online, porque eu fico preocupado com o ajuste / Mas essa regra não se aplica aos meus relacionamentos”. Por trás de um violão folk, “Playing on My Mind” o vê mais uma vez fazendo perguntas difíceis. Além de fazer perguntas que ele não pode responder, Healy continua voltando a um velho amigo ou ex que ainda não havia superado: “Eu acho estranho eu ainda te ligar / Quando não tenho nada a dizer / A verdade é que eu ainda te adoro / E nada realmente importa de qualquer maneira”.
A nostalgia prevalece por toda parte – mas principalmente nas duas músicas finais. “Don’t Worry”, escrita por Tim Healy – pai do Matt -, é uma canção de ninar incrivelmente exuberante; ela emprega um acompanhamento de piano arpejado a fim de amplificar a letra que parece falar com o seu passado: “Não se preocupe, querido, o sol vai brilhar / Quando você acorda e não sabe que dia é”. É uma balada adorável com canto sintético e acordes jazzísticos, parecendo um ponto culminante dos muitos sons do repertório; eu amo o piano justaposto com os vocais distorcidos. A dupla pai-filho lembra um ao outro que eles sempre estarão próximos, mesmo durante os momentos mais difíceis da vida. “Guys” é outro grande destaque: uma carta de amor sentimental para os colegas de banda. “O momento em que começamos uma banda / Foi a melhor coisa que já aconteceu”, Healy canta em meio a lindas teclas. “Guys” marca o fim de uma era para o The 1975, enquanto a nostalgia percorre todas as fibras da música. É um hino emocionante à amizade e um tributo descaradamente irreverente que pode levar você às lágrimas se você abaixar a guarda. Em suma, o álbum encerra com uma nota contemplativa e empática. Autoestima à parte, o catálogo da banda, neste momento, realmente parece um documento crucial de sua época.
Healy escreve sobre como navegar na conexão pessoal em um mundo cada vez mais online, sobre as nuances de um romance moderno bagunçado, sobre como encontrar maneiras de lidar com os problemas que não envolvem automedicação, sobre seu desejo desesperado de consertar o mundo e os sentimentos de apatia e impotência que o impede de sair da cama. Anunciado como um centro de reabilitação computadorizado, uma forma digitalmente reencarnada, Healy explora um campo terapêutico do que é conceitualizado como a dualidade entre a vida física e a digital. Ele investiga temas que definem o propósito de amigos, intimidade e socialidade. Momentos assim são predominantes ao longo do repertório, à medida que a banda investiga os desafios modernos: tecnologia, depressão, intimidade, vida e morte, para citar alguns. Seis singles desde seu lançamento formal, e uma série de videoclipes, demonstram a capacidade da banda de ser contemplativa. Como Matt Healy descreve, “Notes on a Conditional Form” é representativo de como ele está se sentindo. No geral, devido à sua natureza mais silenciosa e introspectiva, pode não ser considerado um “clássico moderno” como o “A Brief Inquiry into Online Relationships” (2018). Mas, de toda forma, é outro grande álbum de uma das melhores bandas da atualidade.