O novo álbum de Sleater-Kinney processa a perda e o luto de maneira tensa e turbulenta.
Desde quando iniciou sua carreira, Sleater-Kinney sempre foi um reflexo do movimento riot grrrl. Sua música é um testemunho do feminismo e apoia orgulhosamente movimentos antissistemas. No meio da gravação do “Little Rope”, o segundo álbum do grupo após a saída da baterista Janet Weiss, Carrie Brownstein recebeu a notícia de que sua mãe e seu padrasto haviam morrido em um acidente de carro na Itália. “Little Rope” é moldado por essa tragédia – não no conteúdo, mas na execução. Auxiliado pela amiga Corin Tucker, Brownstein encontra consolo na música. Em comparação com os álbum que elas fizeram na década de 90, “Little Rope” possui uma paleta mais expandida – vibrante nas periferias e em seu interior pulsante. As guitarras continuam sendo fundamentais para a visão de ambas, mas não fornecem necessariamente o foco. Em vez disso, “Little Rope” é coerente em torno de expressões. A tristeza espreita nas bordas do repertório, assim como a raiva. A morte clarificou o ar na sala de estúdio quando “Little Rope” estava sendo criado, intensificando seu teor e destilando suas prioridades.
Todas as faixas foram imediatamente “arrastadas para a paisagem infernal” da dor, Brownstein disse em entrevista. Certamente, o cancioneiro feminista da banda sempre incluiu tristeza e morte. Mesmo assim, Sleater-Kinney raramente sondou reservatórios autobiográficos como fazem aqui, respondendo não apenas à perda, mas também à dúvida, ao desespero e à depressão. “Terminar este álbum foi basicamente minha maneira de orar todos os dias”, Brownstein disse. E suas letras brutalmente vulneráveis evocam uma comunhão. “Eu te perdoo, gostaria de ter te avisado”, ela canta em “Hunt You Down”. “Eu envio suas cinzas, meu amor”. Nas décadas de 1990 e 2000, Sleater-Kinney parecia conter sua própria linguagem na lendária interação entrecruzada do duelo de guitarras e gritos. “Vivendo em Olympia, perdemos a perspectiva de como era ou soava um grupo tradicional”, escreveu Brownstein sobre as origens do seu envolvimento nas suas memórias de 2015. “Todo o meu estilo de tocar foi construído em torno de outra pessoa tocando guitarra comigo, uma história que por si só parece inacabada, uma sonoridade a ser continuada, projetada para ser completada por outra pessoa”.
Hoje esse léxico parece mais perceptível. As coordenadas onde Tucker e Brownstein se encontraram – fricção, despretensão, riscos – sem dúvida mudaram. Mas ainda assim elas se encontram. A união continua sendo a essência de Sleater-Kinney. O vibrato e a convicção de Tucker são as âncoras de “Little Rope”. Ela está à altura da ocasião de forma audível, em cada nota, para apoiar sua amiga. O álbum, muitas vezes, lembra mais o pop rock dos anos 80 e o rock clássico do que a centelha crua do punk, mesmo que a exploração e o êxtase do pós-punk dos anos 70 anime alguns de seus aspectos mais emocionantes. Corin Tucker combina instantaneamente com a força do riff monstruoso de “Untidy Creature”, a bola de demolição liberacionista do álbum. A abertura de “Hell” treme, uma imagem infernal da paternidade no show de horrores que envolvem os tiroteios em massa dos Estados Unidos. Enquanto Tucker grita: “Você pergunta por que como se não houvesse amanhã”, o porquê quebra o teto da música e a condenação se torna uma exigência.
A desolada paisagem urbana de “Six Mistakes” corre atrás do tom minimalista e pesado da baterista Angie Boylan (que está em turnê com Sleater-Kinney desde 2019); cerca de 2 minutos depois, os refrões e as guitarras acendem. Um hino levemente exagerado, a concisa e nervosa “Needlessly Wild” documenta aqueles momentos da idade adulta em que reprimir um espírito punk inquieto não é exatamente uma opção: “Sou agressivamente divertida / Festa da morte / Uma palestra para alguém”. Carrie Brownstein também dá voz à sua alma eternamente desajustada, no discurso estimulante de “Dress Yourself”. Embora tenha sido escrita antes da morte de sua mãe, parece uma reprimenda maternal: “Levante-se, garota, e vista-se / Com roupas que você ama para um mundo que você odeia”. Mas a representação implacável da depressão fica mais fraca como se ela estivesse entrando na luz. À medida que a banda recua, o anseio de Brownstein por “uma nova palavra, para aquela velha dor dentro de mim” torna-se uma linda balada de piano.
“Se você pudesse falar, o que diria?”, Tucker cantou em “One More Hour” na década de 90, o documento imortal de sua fissura romântica. Dito isto, não há ponto de interrogação na maior música do álbum, “Say It Like You Mean It”. “Diga como se você quisesse dizer isso”, Tucker grita corajosamente, alcançando um registro mais alto a cada refrão. Quer Tucker cante para um amigo, um namorado ou um filho – seu desejo é direto. Talvez para amenizar a enorme incerteza das circunstâncias atuais, devido à confiança que aumenta com a idade, “Say It Like You Mean It” parece um farol de solidez. Em “Little Rope”, Carrie Brownstein e Corin Tucker criaram vários ganchos colossais. “A coisa que você mais teme vai te caçar”, Brownstein canta na peça central, “Hunt You Down”, perfurando sua psique como se lembrasse que enfrentar o desconhecido traz alívio. Como um slogan, o verso é emprestado do poeta e agente funerário Thomas Lynch. A letra de “Hunt You Down” se torna um mantra quando Brownstein canta sozinha. Mas quando ela e Tucker cantam juntas, se torna uma verdadeira fortaleza.