Desde que compartilhou o álbum “Cavala” (2018), Maria Beraldo não saiu de cena, lançou single, colaborou com outros artistas, mas faltava um segundo ato. Agora vem aí “Colinho”. A promessa do álbum é ser mais pop e experimental que seu antecessor. Faz todo sentido quando ouvimos a caótica “I Can’t Stand My Father Anymore”, co-produzida por Tó Brandileone. Ancorada pelo baixo de Marcelo Cabral e a bateria de Sérgio Machado, Maria Beraldo não buscam os acordes precisos, mas os sons que deixam de fazer sentido. Na letra, uma provocação com quem atribui aos problemas paternos o fato de ela ser lésbica – uma chavão preconceituoso que ela já teve de aturar por muito tempo. “I Can’t Stand My Father Anymore”, que lembra “HAHA” (dupla Charlotte Adigérye & Bolis Pupul) e a tortuosidade do Talking Heads, sintetiza vários temas psicanalíticos.
Aqui, Beraldo deixa o colo do pai para refletir sobre a própria sexualidade. Se “Cavala” (2018) teve a saída do armário, “Colinho” pode trazer a elaboração de Beraldo acerca de sua identidade de gênero não-binária. Os processos de composição e produção de “I Can’t Stand My Father Anymore”, com revelaram elaborações inconscientes da artista, que lança o olhar para sua infância e estica sua realidade até o presente, trazendo consigo o piano, a guitarra, o baixo, a bateria e o jazz que tocava em sua casa durante sua adolescência. Bem humorada, “I Can’t Stand My Father Anymore” (em português: “Eu Não Suporto Mais o Meu Pai”) chega recusando o colo do pai, numa canção sem melodia, sem notas altas ou acordes bem definidos. Em contrapartida, há muito balanço, sarcasmo, repetição e o característico minimalismo de Maria Beraldo. Uma boa parte da vida de uma lésbica é, em nossa sociedade heteronormativa patriarcal, tentar entender porque é que ela é, ou “virou”, lésbica. Inúmeras são as vezes em que alguém associa este fato a uma possível frustração ou má relação com seu pai. Rindo disso, Beraldo decidiu criar uma canção punk extremamente provocativa. As letras simples, mas sarcásticas, são acompanhadas por um desarranjo minimalista, marcado por um piano dissonante e uma risada esganiçada.