Juntamente com um elenco de músicos, Kate NV surge com um álbum visionário e uma fuga da escuridão.
Entre um paraíso multilíngue de mistérios e lembranças, há um mundo em parte russo, em parte japonês, com uma pitada de francês que floresceu com a personalidade imaginativa de Ekaterina Shilonosova. No entanto, magicamente, a moradora de Moscou, que se apresenta com o nome de Kate NV, também criou um dos registros mais coesos do ano, porque o equilíbrio desses elementos multiculturais confere a ela um estilo reconhecível. “Room for the Moon”, um título que provavelmente foi inspirado na série de mangá Sailor Moon, que ela admitiu ser fã, é principalmente coerente por causa dos arranjos instrumentais. Aqui, ela faz um uso criativo, enjoado e psicodélico de sintetizadores, baterias que parecem o tique-taque de metrônomos, saxofones ameaçadores e marimbas com letras minimalistas e maravilhosamente doidas. Enquanto a maior parte do seu terceiro álbum solo é em russo, há uma influência japonesa que lembra o seu primeiro registro,”Binasu” (2016). Ela é inspirada pela diversão animada desse tipo de música – e pela inclusão das letras de Nihongo.
O pós-punk “Sayonara” é metade russo e não tem nada significativo a dizer, ao passo que “Lu Na” apresenta um discurso da artista ambiental japonesa Nami Sato. O que inicialmente soa como uma lista aleatória de palavras, começa a parecer como a lembrança de um sonho: “No meio da noite eu me pergunto quando isso começou / Porque estamos aqui? / As luzes da Costa onde ela dança / Os ombros dela balançando, abraçando, som de passos”. Também há um lirismo surreal em “Ça Commence Par” – a faixa, cantada em francês, é traduzida como “Venha aqui, fique à vontade / Você está pronto?”. As flautas e os efeitos travessos do sintetizador, entre o ritmo e as gargalhadas, retratam uma floresta maluca dentro de um livro infantil. A canção mais curta do álbum passa rapidamente, deixando-nos questionar se tudo não passou de uma imaginação. “Telefon”, uma música sacarina com influências oitentistas, também parece ter lugar em um sonho da Kate NV, com uma ligação telefônica que acorda o personagem e o trás para a realidade: “Em algum lugar, ninguém se importa com você / Mas o telefone toca e você precisa correr de volta sob o sol escaldante, onde não está claro o que acontecerá hoje”.
Em contrapartida, a liricamente inteligente “If Anyone’s Sleepy” acontece momentos antes do sono real – é uma canção de ninar hipnótica com movimentos saltitantes. Ela vibra quando Shilonosova pondera sobre a impermanência e a intangibilidade do tempo. Mas, depois de numerar seus pensamentos, ela sucumbe ao poder magnético do sono – Kate NV também apresenta lembranças de sua infância. “Marafon 15” tem o nome de um programa de TV russo dos anos 90 e a promoção lhe encontra vestida como uma personagem fictícia que ela assistia quando criança (Malvina, um fantoche de uma versão russa do Pinóquio). É difícil não compará-la com um vídeo de Kate Bush por conta da produção, iluminação e edição performática. Kate achou que o título era adequado porque a música é sobre memórias e ela estava curiosa sobre o motivo pelo qual o número aparentemente aleatório do título significava. “Plans” também adota a mesma sátira da TV russa, com Kate NV mais uma vez se tornando um alter ego – mas a diversão dessa vez brinca com as notícias.
É a faixa mais temática do “Room for the Moon”, porque incentiva o ouvinte a ter um senso de humor diante do desastre. Aqui, ela comenta como é impossível planejar algo hoje em dia devido ao colapso imprevisível da sociedade: “Existem planos no planeta em algum lugar / Onde tudo está claro, onde estamos / Dotado de palavras, planos / Quem nos explicará como foi? / Tudo antes de se tornar / Quem vai desenhar os planos”. No “Room for the Moon”, existem muitas facetas de sua personalidade excêntrica, a maioria refletida em um som de várias camadas. Ela baseia-se em influências da música clássica contemporânea e da música pop japonesa dos anos 80. Todos esses estilos se reúnem no álbum de uma maneira realmente interessante. Os sons elevam as letras, com temas de solidão e nostalgia infantil, embora de uma maneira cativante que consegue encontrar alegria, mesmo que possa parecer improvável. “Room for the Moon” é verdadeiramente utópico; a maneira como as composições dançam entre si, proporciona uma escuta irresistível que vai te agradar do começo ao fim.