“This Land” é o primeiro álbum onde Gary Clark Jr. não parece cercado pelo passado.
Nos últimos quatro anos, Gary Clark Jr. se libertou dos limites de seu som característico em busca de algo maior. Tem sido um hábito persistente lançar um álbum ao vivo entre cada disco de estúdio. Isso quer dizer que seus fãs estavam ansiosos para o som mais áspero do seu novo trabalho, intitulado “This Land”. Então, a última coisa que alguém esperava ouvir é que Gary Clark Jr. tirou seu violão da frente – na maior parte do tempo – e está fazendo uma ponte entre os seus dois primeiros álbuns e o som dos dias atuais. A inspiração para a faixa-título, “This Land”, veio depois que Clark comprou um rancho no Texas. “Bem no meio do país de Trump”, ele cospe no primeiro verso sem qualquer sutileza. Na música, seus vizinhos dizem a ele para “voltar de onde você vem”. Dois anos após a eleição de Donald Trump, as canções anti-Trump não são exatamente incomuns, mas poucas visam a política abertamente racista. Isso por si só torna “This Land” estimulante, mas ter esses sentimentos cantados por Gary Clark Jr. – um artista que até agora evitou cuidadosamente fazer tais declarações – é ainda mais interessante.
Como mencionado, as letras permanecem politicamente carregadas, com o refrão finalizando com uma resposta igualmente transparente: “Foda-se, eu sou o filho da América / É de onde eu venho”. O videoclipe da música é tão direto quanto, com Clark tocando seu violão na varanda de uma casa decadente, mas suspeitamente branca – trocadilhos certamente intencionais – e bandeiras americanas voando por toda parte. A política reaparece por toda parte, mas nunca é tão direta quanto nessa faixa. Em vez disso, Clark aborda temas como estar na estrada na ausência de sua família, bem como a mitologia inerente às músicas clássicas de blues. De acordo com Clark, não foi apenas o clima político que o levou a escrever “This Land”, foi um incidente específico com um vizinho – alguém que não podia acreditar que um negro pudesse ter uma fazenda em Austin, Texas. Consequentemente, ele canalizou sua visão sobre esse racismo casual com uma dose de raiva extremamente necessária. De muitas maneiras, este é o álbum de blues perfeito para 2019.
A primeira música nos diz que Clark estudou mais estilos do que você poderia imaginar, e aqui ele tenta despejar um pouco de cada coisa. Todas as músicas andam na linha entre sua assinatura de blues liderada pela guitarra, e outros subgêneros diferentes da música popular. Portanto, há algo para todo tipo de ouvinte. Se você quiser ouvir a sua interpretação de Marvin Gaye, escute “Feed the Babies”. Você gosta do Prince? Experimente escutar “Pearl Cadillac”, enquanto “When I’m Gone” pode ser um cover de Smokey Robinson gravado no século XXI. Há até mesmo acenos para o nosso onipresente amigo, profeta e visionário, Kanye West, na penúltima faixa intitulada “Don’t Wait Til Tomorrow” – com samples vocais da lenda do blues Elmore James. “Estou tão cansado de lutar / Estou tão cansado de estar errado / Eu odeio te ver chorando / Eu queria poder corrigir meus erros”, ele canta no primeiro verso. Essa canção, juntamente com “What About Us” – eficientemente simples e sem grandes esforços -, são os destaques do repertório. Mas não termina por aí. Os sabores de King Tubby, Manu Chao, Air e inúmeros outros podem ser destacados na receita sonora deste álbum.
Apesar da ampla gama de gêneros atravessados nesta viagem, o triunfo está na forma como ele traz os elementos periféricos para à mesa e, mesmo assim, mantêm a sensação de coesão. O tom da sua guitarra, as nuances da composição e a devoção intrínseca à cultura do blues ajudam a manter tudo colado. Por fim, o álbum vem com um número completo chamado “Dirty Dishes Blues”, um adorável aceno para o clássico blues de Muddy Waters – um lembrete de que o coração pulsante desse disco ainda é o blues. “Meu amor não me ama mais / Eu não sei porque / Tudo o que eu sei, eu vou deitar e chorar”, ele canta no refrão. Há momentos em que mergulhar em muitos gêneros pode atrapalhar o peso e a coesão, e assim os sentimentos muitas vezes se perdem antes de encantar o ouvinte. No entanto, “This Land” é um importante ponto de partida na carreira deste artista e estabelece um novo caminho para ele seguir. O que “This Land” indica é como Clark não se sente mais restringido pelos limites do blues moderno. Há bastante guitarra aqui – “Highway 71” nada mais é do que um solo extenso – mas a destreza de seis cordas parece uma preocupação secundária para Clark desta vez.
Ele fica feliz em usar o instrumento para textura, não para retalhar. Mas aqui, esses interesses não funcionam como apetrechos: eles são a única razão pela qual o álbum existe. Os dois lançamentos anteriores do Gary Clark Jr. foram completamente dedicados ao blues, com poucas faixas explorando ideias além dos mesmos quatro instrumentos. Então, estar envolvido com baterias eletrônicas, sintetizadores e samples vocais é um toque de mestre para qualquer músico que queira ser levado a sério em 2019. Consequentemente, você pode ouvir a emoção crua que Gary Clark Jr. despejou nesse álbum e o desejo de alcançar os limites de seus lançamentos anteriores. No início deste mês, ele explicou em uma entrevista para a Rolling Stone que a música “This Land” é sobre ser negro nos Estados Unidos da América. O timing desse álbum, produzido por ele mesmo, não poderia fazer mais sentido, uma vez que ele descreveu suas frustrações com o clima político e com os eventos sociais dos últimos anos. Inclinando-se em suas composições e experimentação no estúdio, Gary Clark Jr. mostra sua vontade de ir além dos limites do blues moderno.