O novo álbum da Solange, “When I Get Home”, é o acompanhamento perfeito para o “A Seat at the Table” (2016).
Em seu quarto álbum de estúdio, “When I Get Home”, Solange Knowles combina vários estilos musicais com maestria, enquanto colabora com alguns pesos pesados da indústria. Com duração de 39 minutos e 19 faixas, o álbum possui uma série de interlúdios – uma reminiscência daquelas mixagens ao vivo do YouTube. De fato, você poderia colocá-lo em segundo plano enquanto estuda, sem deixar de lado sua concentração; um passeio tranquilo pelas memórias da Solange. “A Seat at the Table” (2016) apresentou um brilhante holofote nas melodias incrivelmente lindas e no poder de suas palavras. Aqui, suas letras formam o pano de fundo, conforme ela se concentra novamente na qualidade do som. Apoiando-se fortemente em um estilo de composição e performance vocal defendido por Stevie Wonder, o ouvinte poderá escutar uma abordagem intuitiva e fluida, que vai do trap da nova era ao soul, jazz e R&B. O álbum abre com “Things I Imagined”, onde ela canta a mesma frase de maneiras diferentes de novo e de novo; mas de repente, ela nos prepara para se concentrar na vibração. Teclados elétricos e sintetizadores vintage formam a totalidade do arranjo e instrumental, primeiro acompanhado pela melodia vocal e depois exibindo uma qualidade cintilante.
“S McGregor (Interlude)” consiste em uma amostra de piano sob vozes de Debbie Allen e Phylicia Rashad. Isso nos leva para “Down with the Clique”, um número incrivelmente hipnótico com batidas atraentes e sintetizadores sonhadores. Apesar de ser uma das faixas mais longas do disco – com uma duração de apenas 3 minutos e 42 segundos – o final parece bastante abrupto, uma vez que introduz a próxima faixa, “Way to the Show”. Knowles canta com um suspiro ao longo de uma linha de baixo crocante inspirada nos anos 80 e uma nítida bateria eletrônica. “Can I Hold the Mic (Interlude)” possui um sintetizador sútil seguindo o padrão da fala, antes de introduzir “Stay Flo” – uma música tingida de R&B com um loop de sintetizador se repetindo sobre uma adorável batida. A produção é escorregadia e escura, e contém grossas camadas vocais reminiscentes do Sampha, embora ele só apareça algumas faixas depois. “Dreams” é semelhante à faixa de abertura, um tipo de meditação, onde as palavras, ao serem repetidas, perdem o sentido e convida-o a se perder também. O próximo interlúdio, “Nothing Without Intention” introduz “Almeda”, que tematicamente poderia pertencer ao “A Seat at the Table” (2016), embora a mensagem de amor seja abstraída por sintetizadores aquosos.
Podemos notar algo de especial quando ela aborda suas raízes afro-americanas, e a música também possui vocais de The-Dream e Playboi Carti. Os três contribuíram com as letras da canção, enquanto a produção ficou a cargo de Pharrell Williams, John Carroll Kirby e N. Cobey. Carti teve a sorte de compartilhar um verso com Solange enquanto The-Dream ficou responsável pelo refrão. Aparentemente, o título faz referência a uma área de Houston, Texas, cidade natal da Solange. Assim como fez em “A Seat at the Table” (2016), ela celebra a cultura negra na maior parte de “Almeda”. “A fé negra ainda não pode ser lavada / Nem mesmo na água da Flórida”, ela canta. Em meio aos fragmentos musicais tentadores, “Almeda” é uma fera diferente: uma peça poderosa com um claro subtexto político. Podemos vê-la afirmando que nem mesmo a “florida water”, que dizem ter efeitos espirituais e de cura, pode lavar suas raízes afro-americanas. Quando Playboi Carti aparece, ele tem algumas contribuições próprias. “When I Get Home” (2019) tem outras joias escondidas no seu interior, mas “Almeda” toca com uma alquimia especial em tudo que parece banal.
É um tributo nebuloso e incitador à uma técnica de remixagem do hip hop, mais conhecida como “chopped and screwed”. Enquanto isso, Solange recita uma longa lista de coisas pretas e marrons principalmente sobre uma linha de baixo em expansão. Mais tarde, tanto Carti quanto The-Dream entregam versos que combinam com a produção relaxada. A percussão sintética vibra sob a canção, ao passo que Solange canta sobre as coisas que pertencem aos negros. Seguindo esse pensamento, outras pessoas podem tentar imitá-los, mas nunca poderão se apossar do que nunca realmente pertenceu a eles. Em outras palavras, “Almeda” é musicalmente maravilhosa e liricamente estimulante; uma verdadeira homenagem para a cultura negra e suas tradições. “Time (Is)”, com Sampha, é uma reflexão ambiental sobre como superar o medo, porém, parece mais uma entrada no seu diário do que uma declaração pública. “My Skin My Logo” entra com uma qualidade influenciada pelo D’Angelo, apresentando Gucci Mane e produção de Tyler, the Creator. “We Deal with the Freak’n” se encaixa em “Jerrod”, um número suave e sensual onde ela canta: “Me ligue querido, diga o que você quer”.
Da mesma forma, essa faixa se mistura perfeitamente com “Binz”, um destaque absoluto que apresenta produção do The-Dream e Panda Bear – juntamente com uma linha vocal tropical e ensolarada. Um número curto onde Solange procura superar o estereótipo da pobreza negra. Com menos de 2 minutos, a canção traz consigo inesperados elementos de reggae. Com a ambição de exibir os marcos musicais de Houston, enquanto se estabelece como parte desse legado, ela incorpora um som ao invés de imitá-lo. “Binz” se baseia na história da cidade de uma forma que vai além de uma simples homenagem. No vídeo, a música perde quase um quarto de sua duração e se torna ainda mais sucinta. É um vídeo simples com cenas caseiras, onde ela aparece dançando em vários locais e horários. Inicialmente, ela aparece configurando seu telefone antes de começar a trabalhar. Enquanto o sintetizador, a bateria e o baixo aparecem, ela faz twerk em diferentes cenas com um largo sorriso no rosto. “Binz” possui um ritmo acelerado, maravilhosos chimbais e linhas vocais ensolaradas. Solange deixou claro que não se importa com o que os outros pensam quando se trata de sua arte. É a celebração de encontrar alegria nas pequenas coisas da vida.
Em seguida, “Beltway” oferece uma costa sonolenta ao longo do Texas, antes de “Exit Scott (Interlude)” tomar a rodovia e anteceder “Sound of Rain” – um campo místico de uma nova era, com uma batida gelada e um sintetizador ecoando como gotas de chuva. Os vocais pairam sobre o ritmo mais rápido; essa música tem mais força do que qualquer outra coisa no álbum. Assim, como as outras faixas, ela corta abruptamente o interlúdio final, “Not Screwed!” e a bela “I’m a Witness”, onde ela canta como uma figura divina – ela finaliza o álbum com outra reflexão abstrata. Considerando que “A Seat at the Table” (2016) era algo que você ouvia quando realmente queria alguma mensagem ou história, “When I Get Home” é algo que você escuta nos intervalos: dirigindo, estudando, trabalhando ou antes de adormecer. O álbum, como a própria Solange afirmou, é apropriado para um mundo em que as pessoas ouvem música em determinados momentos, transmitindo suas playlists em cada atividade e, acima de tudo, num loop constante. Solange é uma artista verdadeiramente multidisciplinar: além de seu talento vocal, ela é co-produtora do álbum e dirige seus próprios videoclipes. Consequentemente, este projeto é fiel às suas habilidades e talentos sinestésicos.