As batidas viscerais e as letras cheias de raiva dos álbuns anteriores foram substituídas por peças mais lentas e ganchos irresistíveis.
Desde que lançou sua primeira mixtape solo enquanto ainda estava no centro do coletivo Odd Future, Tyler, the Creator incorporou uma ampla gama de identidades; de um psicopata adolescente problemático a um garoto de coração partido. Alguns foram mais performativos do que outros, mas parece que o próprio Tyler vê “IGOR” como uma ruptura do restante de sua discografia – não apenas uma nova direção, mas um capítulo inteiramente novo. Embora isso possa ser um pouco verdade, parece mais uma continuação do “Flower Boy” (2017). É raro ver uma reinvenção completa como a de Tyler, the Creator. Desde as primeiras críticas ao seu rap de horrorcore intencionalmente chocante até o exuberante “Flower Boy” (2017), ele sempre teve como objetivo surpreender o ouvinte. “IGOR” vem com um manual pedindo aos fãs para o tocarem com o mínimo de distração possível. E é fácil manter o foco, tendo em vista que sua história é tão atraente. Nós ouvimos o personagem IGOR experimentando emoções confusas pela primeira vez quando se apaixona por um homem. Ele fica violentamente irritado quando seu interesse amoroso se envolve com uma garota, e finalmente percebe o que ele se tornou, superando a paixão e esperando permanecer amigos.
Com uma lista incrivelmente talentosa de colaboradores, que inclui seus maiores ídolos e influências – Santigold, Pharrell Williams e Kanye West – o projeto é essencialmente mais sombrio e distorcido. Aqui, Tyler brinca com os sintetizadores ensolarados do seu último trabalho e mostra até onde ele chegou como produtor nesse ínterim. Uma escuta densa e às vezes complicada, mas muito gratificante. Desde o começo, ele tem sido tudo que o hip hop deveria representar: expressão de alma e individualidade. O personagem de “Yonkers” talvez tenha sido muito abrasivo para alguns ingerirem. Mas a percepção de quem é Tyler para o público mudou gradualmente ao longo dos anos. Ele ganhou puristas do hip hop com sua técnica de produção mais tradicional e clássica, enquanto inclinou-se para o mundo do jazz. “IGOR”, como qualquer um dos seus álbuns anteriores, está repleto de emoção e substância. Ele utiliza uma base de acordes familiares enquanto é capturado pela dissimulação dos personagens desenhados. Enquanto “Flower Boy” (2017) serviu como um registro de maioridade, “IGOR” mostra a abordagem madura de um período difícil na vida do rapper.
Já se foram os dias em que ele criava letras ofensivas sobre estupro, violência e homofobia simplesmente para chocar e irritar as pessoas. Ao longo do repertório, Tyler usa o personagem IGOR – ele twittou pedindo que o nome seja digitado em letras maiúsculas – para se distanciar de si mesmo. Não apenas a história é contada da perspectiva de IGOR, mas ele raramente soa como o Tyler que conhecemos. Sua voz é carregada por uma pesada distorção e mudanças tonais. Além disso, ele está bem diferente nos vídeos promocionais; em vez de apresentar um estilo streetwear colorido de marcas como Supreme, Tyler foi filmado usando ternos de cores claras, sapatos sociais, óculos de sol retangulares e uma peruca loira. Ele está constantemente assumindo o caráter do personagem usando-o como ferramenta de auto expressão. Dito isto, não espere que seja um completo álbum de rap. Tyler atualizou seu som com o reflexivo e revelador “Flower Boy” (2017). Um registro mais criativo do que “Cherry Bomb” (2015), onde o mesmo atenuou seu som industrial e incorporou um soul ensolarado e tons de jazz, enquanto as letras revelaram mais sobre sua própria vida.
O álbum girava em torno de sua sexualidade, saúde mental e relacionamentos do passado, entre outros temas profundamente pessoais. As músicas estão repletas de técnicas de produção inventivas, tanto que parecem se transformar e mudar constantemente. Tyler abraçou completamente seus talentos como produtor, compositor e arranjador, mais do que em projetos anteriores. “IGOR” abre com a explosão de “IGOR’S THEME”, dando início a um tom sinistro que permeia por todo álbum. Em meio a um chiado gutural e crepitante, Tyler e Lil Uzi Vert trocam versos primitivos enquanto sintetizadores distorcidos conversam ao redor deles. Um piano cheio de alma entra e sai da mixagem, criando uma composição em espiral sustentada por acordes assustadores e linhas de baixo opressivas. “IGOR’S THEME” pode não parecer uma parte integrante do álbum, mas define o seu tom. De qualquer forma, não demora para chegarmos no destaque do repertório. “EARFQUAKE” introduz o tema de perda e conflito amoroso. Tyler costumava fazer rap sobre suicídio, estupro e violência, confiando no valor de choque para pintar um quadro de falência emocional.
Mas aqui, seu medo, ansiedade e paranoia estão em primeiro plano, e é mais atraente do que as palhaçadas que ele costuma fazer. Ao ouvir pela primeira vez, “Flower Boy” (2017) parecia mais autêntico e vulnerável, um marco que eliminou sua imagem de badboy. Em contraste, “IGOR” é mais obscuro e sombrio. Com vocais mais agudos e vulneráveis, Tyler fornece letras como: “Você faz minha terra tremer / Andando por aí, seu amor está me abalando / E partindo meu coração / Não vá embora, é minha culpa”. Charlie Wilson, mais conhecido como ex-vocalista da The Gap Band, fornece backing vocals. No meio do caminho, Playboi Carti murmura um verso indiscernível – o mumble rap não poderia ser mais adequado aqui. Em “Flower Boy” (2017), Tyler propositalmente minimizou seu rap para garantir que tudo o que ele diria tivesse significado. Mas dessa vez, ele está maximizando seu minimalismo. Sonoramente, há um som pop orientado com arrebatadores acordes de sintetizador e um refrão simples e eficaz. Por trás do som ensolarado, Tyler admite suas falhas e implora para seu ex ficar com ele. A voz e influência de Solange Knowles foram enfileiradas, desde os vocais de “I THINK” até sua amizade e co-produção do “When I Get Home” (2019).
O registro contém uma narrativa amorosa, onde ele vulneravelmente confessa seus sentimentos ao seu interesse amoroso. Ele está confirmando que está apaixonado ou questionando? Dada a direção que a história toma, suponho que ambas façam sentido. Muitos aspectos do “IGOR” me lembram os trabalhos de Kanye West. Ele é conhecido por integrar narrativas cinematográficas em seus discos e usar a dualidade para melhor construí-las. “Yeezus” (2013), por exemplo, usou uma série de presságios, mas Tyler leva essas ideias ainda mais longe. Ele sabe o que e quando dizer; em outras palavras, ele escolhe as palavras com cuidado. Dito isto, “I THINK” é a música mais obviamente influenciada pelo Kanye West – os sintetizadores soam exatamente como os de “Stronger”. Mas apesar da semelhança, “I THINK” é uma parte importante do álbum. Ela começa com uma batida de bateria empoeirada e rústica que combina lindamente com as sutis progressões de acordes. O refrão, auxiliado pela Solange, continua o tema apresentado em “EARFQUAKE”: “Eu acho que estou me apaixonando / Desta vez eu acho que é real”. Tyler reconhece o amor por seu parceiro e questiona suas intenções.
Após o segundo refrão há alguns segundos de silêncio, e então a música explode em um turbilhão de acordes jazzísticos, sintetizadores de alta frequência e linhas de baixo cujo ritmo se contorce e se transforma constantemente. “RUNNING OUT OF TIME” apresenta Jessy Wilson e contém um pouco de suspense – você ouve sons de carros de corrida se aproximando. O sentimento é seguido pela climática “NEW MAGIC WAND”. A linha de baixo e a batida parecem que foram retiradas do “Yeezus” (2013), mas então Tyler mistura aquele som industrial com melodias pop. “Eu vi uma foto, você parecia alegre”, ele diz nas primeiras linhas. Colocada sobre uma amostra ilusoriamente reconfortante da clássica “Bound”, do Ponderosa Twins Plus One, “A BOY IS A GUN*” é a seção transversal de tudo o que Tyler representa: a frustração de suas paixões, a fascinação mórbida e a tristeza que ele não pode reprimir. Seu interesse amoroso é perigoso e aparentemente não vai ficar por perto. A amostra icônica entrelaçada com os vocais e as quebras orquestrais são uma influência direta de seus ídolos. O verso do Kanye West em “PUPPET” parece que foi gravado em uma rua movimentada usando um celular, dificultando a decifração da maior parte das letras. Os vocais em camadas de CeeLo Green formam um coro angelical em torno do refrão de “GONE, GONE / THANK YOU”.
Tyler reflete sobre um relacionamento fracassado e abraça a paz de espírito e a autoconfiança para o futuro. Mas há uma pitada de ansiedade, conforme ele repete: “Eu não quero nunca mais me apaixonar novamente”. Essa tensão é a chave para entender o álbum, porque o núcleo é a luta contra suas complexas emoções. Quando chegamos em “ARE WE STILL FRIENDS?”, o registro finalmente cresce e a euforia é reapresentada. Tyler passou pela tempestade e sem qualquer ferimento. O solo de guitarra fornece menos distorção do que o habitual. Dentro desse enquadramento, “IGOR” se sente como um triunfo, o melhor dos dois mundos, um equilíbrio entre o garoto maluco que ele era e o adulto estável que ele está tentando se tornar. Independentemente do que está acontecendo romanticamente na vida pessoal de Tyler, the Creator, “IGOR” foi forjado com sentimentos relacionáveis. No hip hop, é isso que os ouvintes buscam. E ainda assim, o LP contém uma estranheza hostil que aprendemos a amar. Álbum após álbum, podemos ver seu crescimento em termos de conteúdo lírico e produção musical. Ele deixou de lado muitas características turbulentas e evoluiu para um músico que sabe criar um corpo de trabalho consistente. O personagem principal do “IGOR” abraça seus sentimentos, expressa-os, tem cabelos loiros e canta com o coração.