“Circles”, o álbum póstumo de Mac Miller, resume os seus pensamentos finais.
Mac Miller, falecido em setembro de 2018, teve seu álbum póstumo lançado nessa sexta-feira, 17 de janeiro de 2020. “Circles” é o sucessor do “Swimming” (2018), lançado um mês antes de sua morte. Ele estava trabalhando nesse álbum no momento de sua morte, então o amigo e produtor Jon Brion completou o registro com a permissão de sua família. Não é tão assustador quanto outros álbuns póstumos; mas a sua morte, ou mais precisamente sua vida, ainda paira sobre a música e muda a forma como ela soa. Inevitavelmente, as letras assumem uma nova gravidade. Até as mais inocentes respirações e suspiros profetizam subitamente a overdose de fentanil que o matou. A capa em si tem duas fotos do Mac sobrepostas. Em uma ele está com os olhos fechados, a cabeça apoiada em uma mão, parecendo cansado e abatido. Na outra, ele aparece na posição vertical, com olhos abertos, mão fechada e olhando direto para fora, como se estivesse pronto para ir embora. As músicas pintam essas imagens. O título deriva de “So It Goes”, última faixa do “Swimming” (2018). Na música, ele diz: “Meu Deus, continua e continua / Assim como um círculo, volto para onde estou”. Miller planejava fazer do “Circles” uma continuação do “Swimming” (2018), e isso ficou ainda mais claro após o seu lançamento.
A boa notícia é que o álbum não se trata de uma mistura de demos inacabadas e mal cozidas. Enquanto o antecessor era um disco de rap, “Circles” é basicamente sua tentativa de gravar uma completa coleção de R&B. Na verdade, é semelhante ao “The Divine Feminine” (2016), uma doce homenagem neo-soul às mulheres que o inspiraram. É claro que Mac não tinha intenção de morrer jovem, mas suas letras sugerem que ele estava quase esperando a morte. A faixa-título o vê preso em um barranco, tudo por conta própria e sentindo um medo iminente. Uma música relaxante com apenas uma guitarra que fala sobre se sentir sem direção em um ciclo inevitável de suas próprias ações e comportamentos. Ele entende que as pessoas ao seu redor podem ser cheias de empatia, mas garante que sabe que precisa lidar com seus problemas sozinho. Essa faixa realmente dá o tom para o resto do álbum. A autoconsciência sempre foi um de seus traços mais marcantes, e ele não tem vergonha de admitir seus vícios em “I Can See”. Nesta música, Miller confessa que finalmente entendeu objetivamente sua situação. Há esperança no começo, conforme ele canta sobre como está buscando equilíbrio em sua vida. Seus pensamentos continuam até ele perceber como a vida é frágil e que “Deus não espera por ninguém”.
Em termos de produção, os sintetizadores e o padrão de bateria deixam uma boa primeira impressão. Mas quão consciente Mac Miller estava sobre sua própria morte? O conteúdo lírico reflete sobre seus comportamentos e sentimentos, deixando o ouvinte com uma mensagem sombria, embora tranquilizadora. Começando sua carreira aos 15 anos, sob o nome de Easy Mac, ele conseguiu chamar atenção com a mixtape “K.I.D.S.” (2010). Posteriormente, assinou um contrato de gravação com a Rostrum Records e lançou seu álbum de estreia, “Blue Slide Park” (2011). Infelizmente, tudo isso nos leva à sua morte aos 26 anos de idade. Como um lançamento póstumo, “Circles” poderia ter tido o resultado mais provável, ou seja, um projeto inacabado e sem inspiração. Porém, seja a direção que Mac pretendia seguir ou a produção de Jon Brion, “Circles” é coeso e um dos melhores álbuns de sua carreira. Sua atmosfera pode ser sombria, mas parece igualmente pacífica e reconfortante. Quando colocada no contexto de sua morte, a tracklist pode se tornar mais emocionalmente pesada. Às vezes, parece que ele está falando profeticamente, como se estivesse esperando sua morte e feito as pazes com o que aconteceu. Ademais, ele também fala sobre existencialismo e saúde mental.
“Circles” tem uma conclusão, uma finalidade para a visão do músico que Mac Miller foi. Ele honestamente poderia até se aposentar depois de lançar este LP, se vivesse para isso. Trata-se de uma despedida ocasionalmente trágica, um conforto para um dos artistas mais exclusivos do rap. Mas apesar de todos os sentimentos negativos que Mac apresenta no álbum, ele esperava que algo de bom acontecesse. “Há muito mais para mim esperando do outro lado”, ele diz em “Good News”. Na última faixa, “Once a Day”, ele pede que todos se sintam bem: “Mas de vez em quando, por que não podemos ficar bem?”. Embora seja uma música mais antiga, parece uma despedida adequada para ele. Mac canta sobre, ou para si mesmo, através de um som eletrônico pacífico com pequenos sons de sinos por trás. Também fala sobre dormir e acordar com sua voz interior, refletindo sobre o abuso de substâncias e a depressão – quando, na realidade, ele apenas deseja se sentir bem consigo mesmo. Em “Good News”, mais especificamente, podemos vê-lo falando sobre seus problemas de positividade através de uma batida mais melancólica, silenciosamente repleta de guitarras acústicas. Três notas formam a peça central e, enquanto caem de tom em tom, a tristeza vem com ela. Mais tarde, porém, esses tons se invertem e sobem na direção oposta, se transformando em algo mais ensolarado.
Ele parece tão cansado quanto a letra sugere. Mas nem tudo é tão sombrio. O lirismo se destaca, mas algumas músicas são salpicadas com comentários banais e rimas preguiçosas, o que nos leva a perceber que nem sempre as palavras funcionam. É a voz dele, e seus altos e baixos, passando de murmúrios para a claridade de um amanhecer, que faz o trabalho pesado. Um pouco menos descolado que o “Swimming” (2018), há uma grande essência, seja nos riffs ou nos desvios mais desmedidos de cada faixa. Brion produziu todas as músicas em um autêntico estilo Mac Miller – impressionante, considerando que ele teve que completar o álbum sem ajuda do próprio. A segunda metade do registro diminui um pouco no quesito energia e originalidade, mas como um todo, se mantém musicalmente coerente. “Everybody” é uma cover inspirado em “Everybody’s Gotta Love”, de Arthur Lee. A faixa em si se inclina mais para um tema existencial, com um ritmo de bateria mais alegre e um piano tocando sombriamente ao fundo. Mac afirma a razão pela qual todos desejam poder viver de maneira mais positiva, já que a vida é curta. Ele entende que, enquanto vivermos, haverá um momento em que isso poderá terminar sem aviso prévio. “Blue World” é a primeira música do repertório em que vemos a sua capacidade de fazer rap.
Ele é capaz de encontrar a batida perfeita e deslizar com facilidade em cima dela. Liricamente, Miller está olhando para trás em sua vida, desde a ex-namorada Ariana Grande até os amigos do passado. No entanto, ele chegou à conclusão de que não precisa deles para ser realmente feliz. Após a amostra inicial, “Blue World” faz uma curva e acelera com o mesmo otimismo arrogante dos seus primeiros discos. Todo o álbum equilibra momentos de cansaço no final de uma viagem de xanax com uma luz ensolarada quando se abre as cortinas. “That’s On Me” é provavelmente a música mais difícil de se ouvir, não porque é uma música ruim, mas por causa do que ele está falando. O conceito é tão bom quanto a execução, ao passo que a produção é inesperadamente vazia. Felizmente, a guitarra é realmente tudo o que ele precisava nesse momento. Da mesma forma, “Surf” continua o mesmo tema sobre saúde mental e seu entendimento de que ele precisava melhorar. Aqui, Mac elimina conceitos errados sobre si mesmo, especificamente o de achar que é louco. Em termos de produção, outra guitarra minimalista complementa sua voz. “Circles” é silencioso, sombrio, às vezes deprimente, mas ao mesmo tempo tranquilizador e pacífico. Parece que ele está realmente falando de outro mundo e dizendo à sua família, amigos e fãs que ele está bem onde está. Descanse em paz Mac Miller!