Com “CARE FOR ME”, Saba atingiu o objetivo e criou o seu melhor corpo de trabalho até o momento.
Tahj Malik Chandler é um dos mais recentes talentos do rap de Chicago. Mesmo com 23 anos, ele já acumulou duas mixtapes e dois álbuns de estúdio nos últimos seis anos. Ele desenvolveu um nome para si dentro da cena de Chicago, mas é talvez mais conhecido por oferecer o refrão de “Angels”, do último álbum do Chance the Rapper. No entanto, a principal força do Saba é seu talento para contar histórias e retratar narrativas convincentes, uma semelhança que ele compartilha com Kendrick Lamar. Seu amigo e colega FRSH Waters foi mandado para a prisão em 2013 e só libertado no verão do ano passado. Seu tio também foi preso e faleceu um ano depois de conseguir a liberdade. Mas a principal perda que você ouvirá em pelo menos metade do seu novo álbum, “CARE FOR ME”, é aquela mais dolorosa que o Saba teve que suportar. Seu companheiro Walter Long Jr. foi esfaqueado enquanto saía de um trem de Chicago no início de fevereiro de 2017, uma dor que Saba expressou profundamente ao longo do repertório. Como podemos notar, “CARE FOR ME” é um registro profundamente pessoal que mostra toda a sua desilusão e frustração. O título do disco está estilizado em letras maiúsculas por uma razão.
Em um mundo tão brutal que não se preocupa com as lutas da comunidade afro-americana, Saba está implorando para qualquer um se importar. Musicalmente, o álbum equilibra elementos de lo-fi e trap para criar uma atmosfera melancólica e desconfortável. Os suaves sintetizadores lembram a mixtape “Telefone” (2016) da Noname, na qual Chandler participou como produtor e vocalista. Mas enquanto os ritmos da Noname eram divertidos, a música do Saba é cheia de ansiedade e resignação – um conjunto de características que combina perfeitamente com o conteúdo lírico. A morte do seu primo foi o catalisador de suas frustrações, uma mudança violenta e inesperada para sua visão do mundo que o fez cair sobre uma profunda depressão. Introspectivo e apaixonado, “CARE FOR ME” combina jogos de palavras com um fluxo impecável. A coleção de dez músicas mostra sua capacidade de contar histórias e o coloca entre os melhores rappers do momento. O seu disco de estreia, “Bucket List Project” (2016), foi um pacote de coisas que quase todo mundo quer experimentar. Saba sempre preferiu resolver problemas com a precisão que merece, em vez de se adequar às tendências do momento. Sua realidade molda sua entrega, estilo e som.
Com “CARE FOR ME”, ele apresenta dez faixas muito bem escritas com uma exatidão analítica rara na cena do rap contemporâneo. Embora ele se desvie do falecimento do seu primo ao longo do álbum, para meditar sobre lutas físicas e mentais em “FIGHTER”, redes sociais em “LOGOUT” e histórias de familiares em “SMILE”, o álbum consegue manter um clímax emocional. Sua confiança se desenvolve gradualmente e compensa qualquer ponto fraco que aparece pelo caminho. Enquanto as progressões melancólicas se encaixam perfeitamente no clima geral, são as entregas mais viscerais do Chandler que se tornam brilhantes. A mencionada “LOGOUT”, com Chance the Rapper, é uma maravilhosa canção de hip-hop que expressa a desilusão perante as redes sociais. Saba dá sua própria perspectiva a respeito da era digital e a indústria da música. Sem dúvida, “LOGOUT” é um dos maiores acertos deste álbum, afinal ambos artistas compartilham uma excelente química. Sobre uma produção encomendada por daedaePIVOT, Daoud e o próprio Chandler, “LOGOUT” apresenta bateria e bons acordes de piano. Além de um fluxo flexível, ele mostra o quanto é consciente, dizendo: “O governo parece a máfia, censurando o que você está vendo”.
Enquanto isso, a presença do Chance the Rapper é muito abrupta e o impede de fazer algo potencialmente grande e substancial. Durante o seu verso, ele é repetitivo e monótono, conforme cada linha começa com a palavra “everybody”. Mas não dá para negar que ele também emite palavras conscientes e perspicazes. “LOGOUT” contém uma letra muito reflexiva, conforme eles abordam a insegurança que a internet trás. “Se você pressionar o logout, você será esquecido / O que é um post, mas um lembrete de como nossas vidas são chatas / Não há beleza na ausência, de transmitir para seus seguidores”, SABA canta no refrão. Ambos trocam metáforas e opiniões a respeito do atual clima das redes sociais. Dito isto, a visão de SABA e Chance the Rapper parece muito autêntica e genuína. Em “FIGHTER”, há instrumentos jazzísticos e a utilização consciente de um vocoder. Dessa vez, Chandler brinca com dicotomias, arrastando-se pela melodia e exibindo suas inseguranças. Ele detalha as diferentes maneiras pelas quais ele luta contra os outros todos os dias e proclama que gostaria de desistir. Entre todas essas pressões, no entanto, nenhuma tem um impacto mais devastador sobre sua saúde mental do que o assassinato do seu primo.
“SMILE”, por sua vez, mostra que ele sabe que o dinheiro não resolverá todos os seus problemas. Mas para um homem que passou por momentos tão difíceis, é necessário ver o benefício que o dinheiro pode trazer para sua família e evitar que outra tragédia ocorra. As harmonias desanimadas do refrão nos deixam questionando quem Saba está tentando tranquilizar – ele mesmo ou o ouvinte. Nesta canção tudo é igualmente libertador, condenador e generoso. Na faixa de abertura, “BUSY / SIRENS”, ele entrega letras como: “Jesus foi morto por nossos pecados / Walter foi morto por um casaco”. Ele se lembra da morte de seu primo e melhor amigo, e mergulha profundamente em questões sobre a vida. Em seguida, ele procura por relacionamentos românticos para encontrar algum consolo. Na melancólica “BROKEN GIRLS”, ele reflete: “Realmente estou me quebrando, e acho que ela pode ajudar”. Infelizmente, a companhia feminina não consegue preencher o vazio causado pela morte do seu primo. Seus sentimentos de solidão são apenas compostos pelo paradoxo da era moderna; em um tempo em que as pessoas estão mais interconectadas do que nunca, Saba se sente completamente sozinho. Em “LIFE”, ele menciona o encarceramento em massa de homens negros nos Estados Unidos e o modo pelo qual isso o assombra.
A entrega cáustica e a verdade mordaz das letras são seus pontos fortes. Lembrando vagamente a cadência de Kendrick Lamar em “untitled 02 | 06.23.2014”, o rapper aborda as mortes do seu tio e primo, enquanto uma linha de baixo impulsiona as coisas. Em outro lugar, “CALLIGRAPGY” fala sobre encontrar cura no processo de escrever músicas. Mas como podemos perceber, Chandler não está à procura de piedade. Ao que parece, o rapper está buscando por uma oportunidade de se reerguer. Essa canção, em particular, possui uma erupção jazzística e arranjos incrivelmente exuberantes. A autoconsciência é também uma característica desse registro. “GREY”, por exemplo, o vê explorando seu próprio estado mental. Ele discute sobre honestidade, personalidade e as pressões da mídia sobre uma fantástica explosão de jazz. Na tocante “PROM / KING”, ele relata ter crescido com Walter e os eventos que levaram ao seu esfaqueamento. A história sobre Walt encontrar uma garota para ir ao baile de formatura é divertida e comovente, e faz com que a tragédia seja muito mais chocante. A primeira escuta vai deixar você com calafrios da cabeça aos pés. A voz cortante do Saba desacelera o humor da canção, mas a ansiedade aumenta quando os tambores se tornam erráticos.
“PROM / KING” serve como ponto crucial do álbum. Esta peça de 7 minutos detalha sua amizade com Walter e o tempo que passaram juntos até a chegada de sua morte. O lirismo franco retrata os pensamentos mais vulneráveis do Saba. A música começa falando de sua desajeitada fase adolescente, onde ele ri alegremente enquanto seu avô lhe entrega um preservativo. Suas preocupações juvenis são acalmadas por seu relacionamento florescente com Long. As linhas inocentes apenas tornam a música mais angustiante, pois o ouvinte antecipa o que está por vir. A faixa termina com o próprio Walt cantando: “Apenas mais um dia no gueto / Oh, as ruas trazem tristeza”. Isso nos leva para “HEAVEN ALL AROUND ME”, onde Saba faz outra homenagem a Walter, contando uma história a partir de sua perspectiva. Ele canta sentindo uma determinação indolor como se voltasse no dia que a tragédia aconteceu. Produzido por Daoud, DaedaePivot e Saba, “CARE FOR ME” já está entre os melhores álbuns de hip hop de 2018. É aquele projeto raro que se deleita com sua estética penetrante. Independentemente do seu apelo visual, musicalmente ele se destaca por si só. Um trabalho sólido e bem realizado que mostra Saba em sua forma mais honesta e vulnerável.