“Vibras” é mais consistente e dinâmico que o “Energía” (2016) – sua composição e produção também são melhores inspiradas.
Já faz muito tempo que o reggaeton é um gênero predominante na América Latina, mas somente nos últimos dois anos que ele se tornou onipresente no mundo todo. Muita coisa mudou desde que J Balvin lançou seu último álbum de estúdio. Mas poucos artistas latinos conseguiram o mesmo sucesso mundial de “Mi Gente”. O vídeo tem 1,8 bilhão de visualizações no YouTube e alcançou o terceiro lugar na Billboard Hot 100. Na América Latina, o reggaeton ainda é considerado repetitivo e adequado para pistas de dança, mas J Balvin explora um potencial mais amplo. A sexualidade ainda desempenha um grande papel nas letras do reggaeton, mas a misoginia dos primeiros anos felizmente diminuiu. Doze anos se passaram desde que ouvimos “Gasolina” do Daddy Yankee pela primeira vez. Naquela época, o reggaeton era caracterizado por sons intensos, faixas que pareciam gravações caseiras, alto-falantes adicionados à mixagens virtuais e letras baseadas em sexo e drogas. Embora o preconceito sobre o reggaeton ainda seja forte, é hora de analisar sua evolução – em sons e letras – para perceber que ele se ajustou aos novos tempos. Uma sofisticação gradualmente apareceu, graças ao surgimento de artistas mais experimentais. J Balvin surgiu timidamente em 2010, mas sem conseguir a repercussão que precisava.
O colombiano permaneceu na indústria e manteve sua ascensão com os álbuns “El Negocio” (2011) e “La Familia” (2013). Esse último o ajudou obter os seus primeiros reconhecimentos internacionais, com faixas conhecidas como “6 AM” e “Ay Vamos”. Balvin já era conhecido no cenário latino quando “Energía” (2016) o posicionou como uma importante referência da nova escola do reggaeton. A mistura de ritmos urbanos com o dancehall, pop e moombahton conquistou o mundo inteiro. Em seu novo álbum, “Vibras”, Balvin seduz com seus ritmos dançantes e letras inspiradas em romances do passado. Seus vocais soam melhores quando vão de uma cadência rápida a um rap profundo e calmo. Desde que ele lançou “Ginza” em 2015, seus produtores de longa data, Sky e Tainy, confiaram em uma combinação inteligente de sutileza e grandiosidade. “Vibras” é muito mais mesclado com o pop do que seus trabalhos anteriores, uma chance que os fãs de reggaeton não costumam dar. Esse registro confirma que o estilo barulhento dos primeiros sucessos do gênero está sendo lentamente deixado para trás. Ao longo de sua carreira, ele assumiu a missão de mudar o padrão de artistas de língua espanhola e reescrever uma narrativa para si mesmo.
Ele já conseguiu várias realizações: participou do Coachella ao lado de Beyoncé e fez “Mi Gente” se tornar a primeira canção em espanhol a alcançar o topo das paradas globais do Spotify. “Mi Gente” é a música apropriada para liderar o álbum. O hit crossover que todos nós estamos saturados de ouvir é transcendente em questão de gênero e cultura. Com esses sucessos, Balvin renunciou às limitações para artistas de língua espanhola e simplesmente passou a prosperar. Um modelo não reconhecido anteriormente pelo mainstream, em que os sons afro-caribenhos de língua espanhola eram limitados ao seu nicho. O “Vibras”, apresentando letras quase exclusivamente em espanhol, exige não apenas o respeito por Balvin como um artista global, mas também serve como uma reconsideração do que hoje constitui a cultura dominante no mercado internacional. Ele descreve seu mais novo trabalho como um “recorde mundial”, indo tão longe a ponto de dizer explicitamente que “sequer pensa nele como um disco de reggaeton”. Mas embora Balvin não queira ser rotulado apenas como artista de reggaeton, esse álbum é um retorno à filosofia que alimenta o gênero. Como nos álbuns anteriores, “Vibras” o coloca à frente de seus colegas, além de aprofundar suas raízes mais rítmicas. Sua visão do reggaeton sempre será distinta dos pioneiros panamenhos e porto-riquenhos.
Sua coragem desperta atenção em uma indústria onde é um feito raro para os artistas latinos se destacarem e terem a mesma visibilidade de quem canta em inglês. Sua presença dominante em plataformas de streaming exige uma visibilidade que perturba o padrão da indústria e a segmentação do mercado. Balvin está aqui para ocupar espaço, então cabe ao setor seguir sua liderança e tentar acompanhá-lo. A sequência de sucessos do artista colombiano que nos leva para o lançamento do “Vibras” é uma indicação de que seu objetivo foi conquistado. Sua participação ao lado de Bad Bunny em “I Like It” da Cardi B já alcançou o status de ouro. O “Vibras” retoma de onde seus predecessores pararam – imaginando uma escala não limitada para a música latina e tentando redefinir o som popular global. Ele espera conseguir isso com a integração de elementos de afrobeat, moombahton e referências de flamenco. Com os recursos de Anitta, Rosalía e Carla Morrison, Balvin dá as boas-vindas a uma mudança que inclui as mulheres na música urbana. É difícil restringir quais músicas são essenciais no “Vibras”, pois o álbum é consistente em todo o seu processo. Cada música é fortemente enraizada no reggaeton e emparelhada com sons e influências experimentais. J Balvin sempre teve sua própria visão e esse projeto prova que ele não vai parar tão cedo.
Colaborações com veteranos do gênero, como Zion & Lennox em “No Es Justo” e Wisin & Yandel em “Peligrosa” se parecem com suas faixas mais antigas. Mas o “Vibras” também dá espaço para canções mais experimentais como “Brillo”, uma balada de R&B e flamenco com participação da catalã Rosalía. É uma faixa hipnotizante onde os delicados vocais brilham sobre um fundo minimalista, palmas intuitivas e timbres que dão uma precisão aérea às letras. A faixa-título, um prelúdio dramático que flutua sob as vocalizações sensuais da mexicana Carla Morrison, é outra peça bastante experimental. A mencionada “No Es Justo” possui uma forte batida forte de reggaeton misturada com uma pontada de guitarra. A dupla porto-riquenha Zion & Lennox adiciona seu som habitual ao reggaeton de alto nível do J Balvin. Produzido por Chris Jeday, “Peligrosa” leva o álbum para mais perto de Medellín, local do qual Balvin é o principal exportador. Sobre uma batida acelerada e a notável falta de elementos de reggaeton, esta música consegue fazer referências ao gênero de forma mais abstrata. Caracterizada por sua suavidade, “Peligrosa” ainda faz uma transição sem esforço do canto para o rap – um movimento de assinatura dos dois artistas.
“Ambiente”, influenciada por metais, explora mais profundamente o gênero adjacente, mergulhando no reggae e flertando com um som clássico e romântico. “Cuando Tú Quieras” e “Noches Pasadas” mostram mais da evolução experimental do cantor – com batidas agudas e linhas de sintetizadores – enquanto “Ahora” fica mais próxima do citado formato românico do reggaeton. “En Mí” abre com um chocalho suave que constrói um tom mais doce, enquanto os sintetizadores estão aquáticos e os vocais ligeiramente auto ajustados. “Tu Verdad”, por sua vez, opta pelo caminho mais lento e minimalista, com estruturas de batidas influenciadas pelo afrobeat. “Donde Estáras” é o mais próximo da assinatura Balvin em sua glória de reggaeton e pop, onde ele canta sobre querer conversar e voltar com sua ex-namorada. A última faixa, “Machika”, é uma colaboração com o cantor Jeon e a brasileira Anitta. “Machika” é a terceira parceria entre J Balvin e Anitta, uma vez que trabalharam anteriormente no remix de “Ginza” e “Downtown”. Ao contrário da cativante “Downtown”, “Machika” é um pouco decepcionante. Uma canção de reggaeton extremamente repetitiva e boring, conduzida principalmente pelas batidas de tambor. Depois que Balvin faz uma comparação embaraçosa com a boneca Anabelle, a batida de tambor entra fortemente.
O refrão é a pior coisa da música, pois é formado apenas pela repetição irritante da palavra “machika”. Liricamente, é uma música superficial e sem propósito. Enquanto Anitta se auto-intitula como “a sensação da favela”, ela pelo menos consegue exaltar as mulheres. A presença de Jeon é tão desnecessária quanto os sons de sirene ecoando ao fundo. “Vibras” desdobra-se rapidamente através de 42 minutos, e embora às vezes pareça haver uma falta de coesão, é um ótimo álbum. Tingir o reggaeton e outros ritmos parece ser a prova de que Balvin pretende cobrir todos os gêneros possíveis – em uma ambiciosa tentativa de eliminar associações negativas à música latina. Ele quer que o reggaeton seja respeitado, onde o principal objetivo é o resgate da cultura latina. Com a ascensão de “Despacito” do Luis Fonsi e Daddy Yankee, e o subsequente sucesso de “Mi Gente”, surgiu uma espécie de revolução musical latina, não muito diferente da explosão de décadas passadas, que produziu Carlos Santana nos anos 60, Gloria Estefan nos anos 80, Ricky Martin no final dos anos 90 e Shakira no início dos anos 2000. De qualquer forma, indo além dos rótulos do mercado latino para produzir algo codificado com o pop global, “Vibras” abre infinitas possibilidades para o J Balvin. Uma oportunidade de auto reinvenção constante que poderá lhe garantir longevidade.