“High as Hope” dá um pouco mais de espaço para o ouvinte respirar, mas também possui uma vibração excessivamente melodramática.
Se você não é tão familiarizado com a música da Florence + the Machine, as chances são que as únicas músicas que você conheça sejam “Dog Days Are Over” e “Shake It Out”. A primeira fez sucesso em 2010 e começa com um alegre toque de harpa, enquanto a última apresenta um refrão jubilante sobre “sacudir o demônio de suas costas”. Formada em Londres em 2007, Florence + the Machine teve um grande destaque graças à BBC, que elogiou sua música desde os primeiros dias. Seu álbum de estreia, “Lungs” (2009), serviu para promover sua reputação e inspirar seus shows, enquanto o sucesso contínuo foi reforçado pelos discos subsequentes. Prêmios e elogios permaneceram intactos, incluindo uma série de indicações ao Grammy Awards. Com isso em mente, os ouvintes casuais podem se surpreender ao ouvir “High as Hope”, o quarto álbum de estúdio da banda. Assim como a simples arte da capa – um retrato da vocalista Florence Welch com flores nas mãos – sugere, esse disco é cru e livre de muitos recursos. Uma das melhores coisas sobre as músicas é a maneira como elas lidam com o extremo. São peças graciosamente austeras que, muitas vezes, começam com pouca instrumentação. Então, em algum lugar ao longo do caminho, a voz de Welch incha com uma súbita explosão enquanto tambores e cordas ressoam ao fundo.
O modo como ela reconhece a profundidade de suas emoções ao invés de banalizá-las, é incrivelmente gratificante de se ouvir. Cada vez que a música é pontuada com floreios eletrônicos, suspiros ou gemidos, sua dor se torna mais saliente. Enquanto as músicas têm um ritmo e tom semelhantes, cada uma tem um ou dois floreios distintos que a diferenciam das demais. Neste álbum, Florence Welch dividiu as tarefas de produção com Emile Haynie, que também executa os sintetizadores e a bateria. Isso permitiu criar uma coleção coesa, apesar do espírito experimental. “High as Hope” mostra Welch no seu tom mais íntimo já registrado, abraçando a escuridão com a luz que estava esperando por ela, enquanto navegava em lugares obscuros. Esse álbum é tão vocalmente impressionante como sempre; mas onde o vocal era a característica distinta do passado, agora ele está no outro extremo, com os momentos mais notáveis sendo aqueles baseados nas narrativas. Portanto, podemos classificar este álbum como uma continuação do seu som, porém, com letras mais pessoais, poéticas e, ocasionalmente, estruturas mais desafiadoras. No entanto, não há grandes surpresas – é um registro seguro, apesar de sua impressionante tracklist. “High as Hope” continua a tendência de amadurecer e refinar seu som enquanto fornece um pitada de lirismo mais pessoal.
É triste, íntimo, apologético e obviamente esperançoso. Em “High as Hope”, Welch examina as memórias de sua juventude desperdiçada e olha para o futuro com nada além de esperança. No geral, é cheio de baladas turbulentas, baterias melodramáticas e acenos para suas raízes góticas e gospel. Welch encanta o ouvinte com uma série de poemas que capturam emoções que ela enfrentou na adolescência – desde suas excitantes aventuras no sul de Londres até as dolorosas desculpas que ela deve a sua irmã. Isso também dá ao “High as Hope” um olhar íntimo do seu passado. Geralmente, os outros álbuns da banda tinham tempestades prevalecendo sobre coisas mais calmas. No entanto, quando eu escutei este álbum, a única coisa que senti foi paz. Welch parece estar em paz consigo mesma e com os lugares em que esteve. Seu último álbum, “How Big, How Blue, How Beautiful” (2015), era longo e expansivo como o oceano que o título se refere. Este novo registro, por outro lado, se move mais rápido; o relógio marca 39 minutos e 57 segundos, embora a impressão seja duradoura. Os temas que Florence Welch menciona são pesados, mas igualmente relacionáveis. Sua música é calmante e completamente contrária a qualquer coisa que ela esteja falando.
Longe estão os tambores zangados e as melodias frenéticas do passado. Tudo é pacífico e seguro. Musicalmente é um pouco menos barroco e dramático do que antes, mas o álbum ainda surpreende com seus grandes pianos e exuberantes paisagens sonoras. Ele começa com a intrigante “June”, uma faixa que cresce em camadas e constrói uma atmosfera lânguida. Um começo lento e sutil que explora a destreza de sua voz e permite que o ouvinte se concentre no contexto das letras. Ela abre silenciosamente – com as primeiras linhas sendo cantadas acapela – antes de serem unidas por abafados acordes de piano. Nesta faixa, problemas com o vício e relacionamentos familiares são expostos desde o início. Uma canção sobre a relação imperfeita entre Welch e sua irmã mais nova. O segundo single, “Hunger”, é literalmente tudo o que você esperaria da Florence + the Machine. Ela possui um grande refrão, melodias insanas e é provavelmente uma das faixas mais radiofônicas. A produção possui tambores estrondosos e cordas sublimes. E além dos instrumentos, os backing vocals certamente impulsionam a liderança. Nas letras, Florence descreve sua fome pelo amor, tentando olhar para sua própria adolescência. O piano e o acompanhamento coral criam uma vibe gospel que fortalece a aceitação das letras.
Conforme a música progride, Welch diz que ela procurou pelo amor nos lugares errados, deixando-a incapaz de satisfazer sua fome. No segundo verso, ela canta: “Eu pensei que o amor estava nas drogas”. Depois de contemplar o medo e o vazio interior, Welch expressa a euforia do momento em que sua fome foi satisfeita, mesmo que temporariamente. Embora pareça uma típica canção da Florence + the Machine, com alguns podendo argumentar que é previsível, não podemos deixar de exaltar sua qualidade. É uma canção claramente positiva e algo que não ouvimos assim desde “Dog Days Are Over”. As proezas líricas continuam fortes em canções como “South London Forever”, uma ode encantadora à juventude da Florence. Da mesma forma, “Sky Full of Song” captura o crescimento com histórias e vocais líricos excepcionais que parecem quase contidos. “Eu pensei que estava voando / Mas talvez eu esteja morrendo esta noite”, ela canta acapela antes da banda entrar lentamente. O que seria uma frase sinistra por si só, recebe o tratamento completo com harmonias crescentes conduzidas por lindos trechos de cordas. É uma canção inteiramente minimalista, com harmonias em camadas e um baixo mantendo grande parte da sua musicalidade. Enquanto isso, “Big God” é um olhar para coisas que são muito maiores que nós mesmos.
É uma canção rock e gospel sobre as incertezas do amor – que coloca religião e sexualidade no mesmo lugar. “Grace” apresenta vocais de apoio que criam uma vibração quase remanescente de um coral gospel. Ela começa com um piano que brilha de forma sensual, emanando um pasto de letras perspicazes. A energia melodramática que encharcou os lançamentos anteriores, ressurge nesta faixa. É íntima, comovente e, o mais importante, revela o potencial de toda a banda. Liricamente, Welch fala sobre os erros que cometeu e as pessoas que a decepcionou ao longo dos anos. Há um desespero no jeito que ela canta que se torna impossível ignorar. “Me desculpe, eu arruinei seu aniversário”, ela diz ao lembrar do abuso de substâncias em sua juventude e como isso afetou negativamente sua vida familiar. Para adicionar contexto, sua irmã se chama Grace e desempenhou um papel importante na sua vida. Na mesma música, encontramos um pedido de desculpas e um singelo agradecimento. Em seguida, eles encolhem a batida em “Patricia”, uma homenagem apaixonante à Patti Smith. “Oh Patricia, você sempre foi minha Estrela do Norte”, ela canta. Eu adoro ouvir músicas assim quando mulheres honram outras mulheres. A sedução infecciosa de “100 Years” fornece um ritmo funky por baixo de suas letras.
Mais uma vez, ela faz alusão ao passado da banda apenas para provar que sua voz é o instrumento mais duradouro. As harmonias estratificadas de “The End of Love” são acompanhadas por um piano impecável – tudo se funde para criar uma balada maravilhosamente minimalista que mostra a natureza emocional da sua voz. Um sonho inspirou a canção e, portanto, ela tem uma qualidade poética e sobrenatural. “No Choir” toca suavemente no coração; outra música lindamente simples, curta e doce que consegue ser auto reflexiva sem ser egoísta. Sem deixar o ouvinte com uma nota perturbadora, Welch faz uma celebração para apreciar os tempos mundanos, provando que ela pode ser feliz mesmo em seus dias mais sombrios. Ela é conhecida pelos vocais em camadas que fornecem um efeito coral. Porém, isso está completamente ausente nesta faixa. Como “June”, “No Choir” começa acapela e utiliza cordas para construir um grande nível emocional. Neste álbum, Florence Welch nos deixou entrar em sua vida pessoal, transformando seus problemas e medos em belos momentos de graça. A substância e crueza de cada faixa me convenceram de que era uma série de poemas que ela divulgou para mostrar a paz que há dentro de si mesma. Em “High as Hope”, ela e sua banda teceram histórias que são poesias no papel, enquanto criaram um álbum de alto calibre.